RECUPERAÇÃO À VISTA

Para comerciante, a vacina é o que está fazendo o mercado se restabelecer

"Trabalho com o pessoal mais jovem, e eles estavam evitando sair para não contaminar pais e avós", analisa o dono do Pizza à Bessa, Paulo Bessa

Ana Luisa Araujo. Malu Sousa*
postado em 09/08/2021 21:20 / atualizado em 10/08/2021 20:14
"Fui chamada para três entrevistas, mas nenhuma delas era para cargos efetivos, e sim para freelancer" Larissa Patrício, auxiliar administrativa - (crédito: Arquivo Pessoal)

O dono do Pizza à Bessa, Paulo Bessa, contratou 15 pessoas nos últimos seis meses e tem a intenção de contratar mais 10 neste segundo semestre. O empreendimento, que tem 22 anos de existência e três lojas em Brasília, teve de demitir várias pessoas do seu quadro de funcionários na pandemia.

As demissões ocorreram porque o forte do restaurante, segundo Paulo, é o salão. Ou seja, o rodízio de pizza. Dessa forma, o rendimento caiu muito durante o lock down. “Meu trabalho de delivery representa somente 10% do meu faturamento”, expõe o empresário.

Agora, o negócio de Paulo Bessa está se restabelecendo. O empreendedor explica que, em seu restaurante, há uma política de contratar aquele que está no começo de carreira ou buscando o primeiro emprego. De acordo com ele, dentro do próprio restaurante, oferece a “escolinha de pizzaiolo” para que os profissionais iniciantes possam se capacitar.

“Trabalhamos muito com família, não temos um ambiente muito alcoólico, fazemos um direcionamento para esse tipo de profissional, que saiba lidar com esse tipo de cliente”, conta o dono do Pizza à Bessa.

Para Paulo, o aumento do movimento ter crescido no restaurante é efeito da vacina. “Trabalho com o pessoal mais jovem, e eles estavam evitando sair para não contaminar pais e avós. Agora, com a vacina, têm menos receio de ir para os lugares”, explica. “A vacina está sendo muito importante nesse momento”. Houve contratações de diversos profissionais: pizzaiolo, ajudante de cozinheiro, auxiliar administrativo e garçom.

Esse é o caso de Larissa Patrício, 22 anos, natural de Campina Grande (PB), mas que mora em Brasília desde 2019. Com menos de dois meses vivendo na capital federal, conseguiu um emprego que durou até meados de 2020. Em maio de 2021, depois de oito meses desempregada, a auxiliar administrativa finalmente conseguiu uma colocação no restaurante.

A campinense conta que não foi fácil ser admitida. “Fiquei um bom tempo entregando currículos, tantos que perdi a conta. Fui chamada para três entrevistas, mas nenhuma delas era para cargos efetivos, e, sim, para freelancer ou contratos intermitentes. Trabalhei como freelancer em redes de fast food para poder pagar as contas. Também realizava trabalhos com artesanatos para complementar a renda”, diz.

A falta de confiança dos empresários, em meio à pandemia, diante de decretos de fechamento e abertura dos comércios, dificultou a busca de Larissa por uma vaga. O medo das empresas era de contratar a jovem e ocorrer um novo lockdown. O risco era sempre iminente, segundo ela.

Passado o sufoco, a auxiliar administrativa pretende se organizar financeiramente. “Quero me aperfeiçoar nas funções do meu trabalho atual e procurar cursos profissionalizantes. São muitos planos, mas em relação ao trabalho, esses são os principais”, garante.

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. (foto: Arquivo Pessoal)

Diversos garçons começaram a trabalhar no estabelecimento nos últimos meses. Um deles é Luiz Miller, 26, que, boa parte da vida, se ocupou de garçom, mas também fez trabalhos de servente de pedreiro e auxiliar de cozinha. Segundo ele, antes do Pizza à Bessa, estava desempregado havia um ano.

Ele trabalhava em um restaurante/boteco de Luziânia, mas, com a pandemia, o local fechou. Apesar de ser uma profissão que estava longe de ser considerada essencial, Luiz continuava querendo atuar como garçom, porque esse é o seu interesse.

“Eu ganho melhor nesse novo emprego, sou muito bem tratado. É aquele emprego que você se sente bem recompensado pelo trabalho duro que teve”, afirma Luiz. Antes disso, ele trabalhava fazendo bicos para se sustentar, mas nenhum deles chegou a ser um emprego de carteira assinada.

O cenário atual do restaurante em que ele trabalha conta com seis garçons, além dele, e um copeiro. “Nesse final de semana começou outro pizzaiolo. Acredito que a tendência é que a cada semana melhore, pois dia após dia vem tido maior necessidade de mão de obra”, conclui o garçom.

Ampliação

"Hoje mesmo o chefe colocou no grupo que está precisando de pessoas para vender, a mesma ocupação que a minha" Elionezio Araújo, auxiliar de vendas de medicamentos
"Hoje mesmo o chefe colocou no grupo que está precisando de pessoas para vender, a mesma ocupação que a minha" Elionezio Araújo, auxiliar de vendas de medicamentos (foto: Arquivo Pessoal)

De janeiro a junho de 2020, as vagas de emprego no Distrito Federal apresentaram crescimento sistemático, com destaque para os setores de comércio de produtos alimentícios e bebidas, autopeças de veículos e motos, saúde/fármacos, ambulantes e feiras.

O gerente de pesquisas socioeconômicas da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan), Jusçânio de Souza, conta que, os resultados poderiam ser melhores, pois, no geral, refletem a atual situação da economia, dos efeitos do longo período pandêmico, da alta da inflação e do câmbio.

“O desemprego trouxe a ampliação do comércio ambulante e de feiras e, por se tratar de uma crise sanitária, o segmento de farmácias, consultórios e clínicas médicas também criou postos de trabalho”, afirma Souza.

Um exemplo disso é o fato de Elionezio Araújo, 50 anos, ter conseguido uma vaga na sua área de atuação, como auxiliar de vendas de medicamentos. Hoje, ele trabalha para a JC Farmacêutica, uma distribuidora de remédios que negocia com farmácias. Apesar de ser uma empresa goiana, tem escritório em Brasília, e a maioria dos clientes é daqui.

“Eu já tinha contato com essa empresa, e, quando o dono ficou sabendo que eu estava disponível, entrou em contato, e a gente fechou negócio”. A facilidade é uma condição do emprego de Elionezio, uma vez que ele trabalha de casa das 8h às 18h, com exata 1 hora e 12 minutos de almoço. Segundo ele, sua jornada é dessa forma para que não precise trabalhar aos sábados.

Elionezio Araujo conta que sempre abrem vagas em seu emprego atual
Elionezio Araujo conta que sempre abrem vagas em seu emprego atual (foto: Arquivo Pessoal)

“Nessa empresa, estou há quatro meses, entrei no final de abril. Praticamente, toda a minha vida trabalhei com isso, desde 1991”, afirma o auxiliar de vendas. Sua função é ligar para drogarias e tentar tirar pedidos e vender. Ele conta que sempre negocia com o comprador de cada estabelecimento. “Tenho cumprido minhas metas, que eles colocam por mês para eu atingir, mas preciso melhorar bastante ainda”, diz Elionezio.

Segundo ele, a empresa em que está empregado ainda está contratando mais pessoas. Toda semana são divulgadas vagas disponíveis. “Hoje mesmo, o chefe colocou no grupo que está precisando de pessoas para vender, a mesma ocupação que a minha”, conta Elionezio.

A demanda, às vezes, é muito grande, informa Elionezio. “São muitos clientes para atender, mas trabalho somente por telefone e não preciso sair de casa”, comemora.

Espaço diferenciado

Na mesma região administrativa de Elionezio, Nilem Doris, 40 anos, abriu as portas do seu empreendimento há exatamente dois meses. O Mani, espaço de beleza e estética e cafeteria, fica em Samambaia Norte, e a proposta do local é oferecer não só um serviço, mas uma experiência.

Nilem conta que o objetivo é que os clientes venham para fazer a unha, mas se sintam em casa. “Alguns deles chegam a dormir”, conta. O espaço emprega, no total, seis profissionais, dois recém-contratados. Os últimos que chegaram para compor o quadro de funcionários são dois baristas que atendem na parte da cafeteria. De resto, são três manicures e uma massoterapeuta.

Alguns dos serviços oferecidos pelo local são manicure, pedicure, alongamento de unhas, design de sobrancelha com henna, sem henna, limpeza de pele, depilação, drenagem linfática, massagem modeladora, bambuterapia, massagem relaxante, entre outros.

A ideia de abrir o local surgiu nos últimos meses. A empreendedora Nilem Doris afirma que as pessoas estavam muito presas em casa, e a vontade de ter um espaço diferenciado, onde as pessoas pudessem ir para se sentirem melhor consigo mesmas, surgiu e cresceu.

“Quando abrimos, as pessoas estavam receosas ainda. Hoje, há uma procura maior e, além disso, traba lhamos com horário agendado, evitando, assim, aglomerações”, diz a ex-auxiliar administrativa da Caixa.

O setor de comércio vai aquecer ainda mais no segundo semestre de 2021?

"Se for comparar com o ano passado, nessa época de junho e julho o comércio estava praticamente no fundo do poço" Wagner Silveira, presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas do Distrito Federal
"Se for comparar com o ano passado, nessa época de junho e julho o comércio estava praticamente no fundo do poço" Wagner Silveira, presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas do Distrito Federal (foto: Arquivo Pessoal)

Existem rotas de crescimento. Essa é a análise de Wagner Silveira, presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas do Distrito Federal (CDL-DF) a respeito do setor de comércio. Uma delas, segundo ele, é a engenharia civil.

Quando se contrata pessoal para construir, automaticamente cresce a necessidade de compra em lojas de materiais, atacados e fornecedores. Mexe com todo o segmento da indústria de construção civil, conforme diz o presidente da CDL-DF.

A partir do aumento de compra, é necessário atendentes para dar conta da demanda, com isso o número de contratações sobe também.

Por outro lado, as medidas restritivas estão sendo flexibilizadas. Na visão de Silveira, isso sustenta a necessidade de contratação de novos profissionais no comércio. “Quando você amplia o número de pessoas circulando na rua, e as restrições impeditivas de abertura de determinados comércios acabam, amplia-se também a possibilidade de negócio com mais pessoas na rua, porque elas estarão consumindo”, explica.

Ao analisar a situação dos lojistas atualmente, Wagner diz que o cenário é promissor. “Se for comparar com o ano passado, nessa época de junho e julho o comércio estava praticamente no fundo do poço”, diz.

Um levantamento feito pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) afirma que a Intenção de Consumo das Famílias (ICF) brasilienses aumentou no último mês chegando a 62,9, antes disso, o maior patamar foi de 70,7 em fevereiro e março deste ano, numa escala que também vai de 0 a 200. O índice abaixo 100 pontos indica uma percepção de insatisfação das famílias. Acima disso, até 200 pontos, o índice revela satisfação. O último indicador favorável do ICF no DF foi em fevereiro de 2020, quando atingiu 103,81 pontos. Desde então, opera abaixo de 100, coincidindo com o período de crise em decorrência da pandemia.

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. (foto: Reprodução)

Mas a perspectiva é de melhora, segundo o presidente da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Distrito Federal (Fecomércio), José Aparecido Freire. “Nossa expectativa é que esse movimento [de aumento na intenção de consumo] persista agora durante todo o segundo semestre no comércio, com reforço de três datas comemorativas para o setor, que são o Dia dos Pais, o Dia das Crianças e o Natal”, afirma.

De acordo com ele, as vendas vão aumentar e isso significa que empregos serão gerados também. “Alguns empresários já estão me procurando”, diz. O motivo é o entusiasmo com o aquecimento do mercado. O presidente do órgão sindical ainda indica que a Fecomércio tem planos de fazer uma campanha pró-vacinação, principalmente, para que a segunda dose da vacina seja tomada.

Expectativa

Williams Gomes, 22 anos, também trabalhava com comércio antes de entrar na Sublime Assistência Técnica. Antes ele se deslocava para a Feira de Planaltina. Apesar de já estar acostumado com o ambiente, hoje Williams vai todos os dias até o Setor de Indústrias Alimentícias, na Feira dos Importados, e lá ele conserta vários aparelhos eletrônicos como celular e tablet.

Ele chegou à Sublime por meio de um amigo que o indicou. Apesar de ainda não ter sido contratado, por estar no período de experiência — trabalhando há apenas três semanas — a expectativa e o combinado com o chefe foi de que, passado esse período, o jovem seria contratado.

Williams trabalhava para os outros, mas ganhava pouco e não era reconhecido. O gerente de sua antiga loja falou que havia oportunidade de crescer na empresa, aprender mais e ganhar experiência, o que não ocorreu. Diferentemente de onde está agora, o assistente técnico tem fé no novo emprego, e se sente valorizado.

“Tenho observado o comércio abrir bastante vaga nos últimos meses, mas não é toda empresa que exige técnico de celular. Vejo que aqui [na Sublime] vou crescer muito no futuro”, conclui.

 

*Sob a supervisão da subeditora Ana Luisa Araujo

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