Já se passaram anos desde a última vez em que saí de um emprego, mas lembro bem como foi. Quando a nossa chefe repentinamente anunciou que ela estava saindo da nossa pequena ONG, a sala de reuniões ficou cheia de rostos chocados e infelizes. Ela havia transformado a organização em um local mais eficiente e inspirador para trabalhar e todos nós sentimos muito vê-la sair.
Pouco depois da chegada do sucessor —que tinha um estilo muito diferente — também pedi demissão. Meu colega mais próximo me seguiu uma semana mais tarde. Outra colega saiu assim que conseguiu outro emprego. Com isso, quase metade dos funcionários havia saído em um período de poucos meses.
Esse tipo de demissão em massa - que os especialistas chamam de "efeito contágio" - é muito comum. Ele pode envolver diversos funcionários que reagem independentemente à mesma mudança de pessoal e de política (como a companhia de moda por assinatura que perdeu um terço dos seus estilistas depois de extinguir sua política de trabalho flexível).
Mas existe também um poderoso efeito psicológico ao ver seus colegas saírem, que pode motivar as pessoas a começar a pensar se a grama é mais verde no outro lado do jardim.
A força do efeito contágio depende de quais funcionários estiverem saindo e do tipo de circunstâncias das demissões. Por isso, especialmente no mercado de trabalho incerto dos dias atuais, bons gerentes deverão fortalecer a manutenção e o recrutamento de funcionários, para evitar que acabem por capitanear um navio sem tripulação.
Animais sociais
Como ocorre com grande parte do comportamento humano, a rotatividade de pessoal é influenciada por questões sociais.
"A ideia central da nossa pesquisa sobre o contágio e a rotatividade é o fato de que as pessoas são animais sociais. Nós refletimos os sinais dos outros", explica Will Felps, professor de gestão da Universidade de Nova Gales do Sul em Sydney, na Austrália.
"É como nos documentários da vida selvagem, quando um rebanho de búfalos se reúne nas margens de um rio que eles planejam cruzar em conjunto. Eles irão esperar que alguns corajosos pulem no rio e atravessem antes deles próprios."
Esses sinais sociais são muito fortes quando o búfalo - ou o colega - for um líder, companheiro de trabalho ou parceiro. As pessoas em cargos "estruturalmente equivalentes" são frequentemente influenciadas entre si: "Se você observar que alguém com o mesmo cargo está saindo, você pode não o conhecer pessoalmente, mas se ele desempenhar o mesmo papel que você, isso poderá ser contagioso", afirma Peter Hom, professor de gestão da Universidade do Estado do Arizona, nos Estados Unidos.
Os sinais sociais são intensificados se o funcionário demissionário criticar abertamente o local de trabalho ou se gabar de uma nova possibilidade. Uma força de trabalho fragmentada, instável e desmoralizada é propensa a procurar novas oportunidades.
E a saída de um bom chefe pode desencadear demissões de funcionários junto com ele (como ocorreu no restaurante em que metade dos funcionários pediu demissão junto com um gerente admirado) ou que persistem por meses (como a empresa de hospedagem na qual os pedidos de demissão de gerentes gerais aumentam a rotatividade de funcionários importantes).
"Isso realmente causa um êxodo em massa. Quanto mais elevada for a posição, mais propensos ficamos de ter um efeito em cadeia entre os níveis", segundo Nita Chhinzer, professora de recursos humanos da Universidade de Guelph, no Canadá. "É esse ponto que faz muitos funcionários de RH que conheço realmente tremerem nas bases... eles sabem que é um processo que pode realmente destruir seus esforços de gestão de talentos que receberam anos de investimento."
Existe também efeito de contágio quando funcionários de destaque pedem demissão (como ocorre nas concessionárias de automóveis, onde pedidos de demissão de vendedores importantes incentivam o movimento de outros vendedores).
"Parte das minhas pesquisas indica que, quando os funcionários com melhor desempenho de uma equipe deixam o ambiente de trabalho, outros subitamente começam a reavaliar a relação com o local de trabalho e pensam em sair", afirma Chhinzer. O contágio é menor quando sai um funcionário com baixo desempenho, porque "nós achamos que a saída do colega com mau desempenho é, na verdade, muito benéfica para a organização e bastante desejável", segundo ela.
Chhinzer diz que este é um padrão universal. "Culturas coletivistas serão ainda mais influenciadas pela percepção dos outros porque estão em uma sociedade coletiva; as pessoas acreditam que todos pertencem ao mesmo grupo. E as culturas individualistas sofrem o impacto da saída dos outros porque estamos tentando maximizar o nosso próprio benefício individual. Por isso, ela nos faz pensar na nossa relação custo-benefício no trabalho e imaginar se estamos deixando passar alguma coisa", explica ela.
Uma tendência da pandemia tem sido as postagens em redes sociais feitas por funcionários de lojas de varejo e restaurantes fast food, anunciando o fechamento dos locais porque quase todos os funcionários se demitiram. Esses trabalhadores não estão apenas individualmente saturados com os baixos salários e condições de trabalho adversas. É uma saturação em massa.
Para Felps, isso faz sentido, pois os pedidos de demissão podem ser particularmente contagiosos em tempos de incerteza. A "prova social" que nos confirma que pedir demissão é aceitável é especialmente importante "ao enfrentar situações novas, de risco ou ambíguas. A pandemia se enquadra nos três casos", segundo ele.
"Por isso, nas circunstâncias corretas, se apenas algumas pessoas decidirem deixar uma organização, é provável que isso incentive diversos outros funcionários a procurar seriamente outro emprego", prossegue Felps. "Este pode ser um efeito dominó, causando um tsunami de pedidos de demissão em um curto espaço de tempo. Por isso, eu esperaria a ocorrência de alta rotatividade de contágio no momento."
F. Ali, de 25 anos, e várias de suas colegas recentemente se demitiram no mesmo dia em meio a uma tempestade perfeita composta pela instabilidade da era pandêmica, má gestão, condições adversas e a demissão de uma colega chave.
F. Ali (cujo nome completo é omitido) trabalhava como recepcionista em uma instalação médica comercial na capital do Canadá, Ottawa. Nos seus poucos meses de trabalho, muitas coisas a preocuparam: o tratamento diferenciado entre funcionários brancos e minorias raciais, como ela; a hostilidade dos gerentes aos esforços de sindicalização dos funcionários; e a falta de colaboradores, que comprometia os cuidados com os pacientes.
"Havia dias em que tínhamos duas enfermeiras em todo o andar com 40 pacientes", relata ela. "Não era incomum estar fora do edifício e ver funcionários que trabalham diretamente com pacientes chorando, frustrados ou com raiva - você sabe, incapazes de lidar com as consequências de ver o sofrimento dos seus pacientes".
A gota d'água veio quando uma amiga e colega recepcionista - que F. Ali descreve como uma funcionária extremamente dedicada - foi subitamente demitida sob o pretexto de uso excessivo do seu telefone (embora ela precisasse usar telefones para comunicar-se com os colegas em diferentes andares). "Isso realmente me atingiu", relembra F. Ali. Ela suspeita que a gerência estivesse demitindo recepcionistas para substituí-las por pessoas com salários mais baixos.
F. Ali imediatamente enviou um email irritado para diversos executivos criticando o mau tratamento dedicado aos funcionários e anunciando sua demissão. Duas outras recepcionistas se demitiram no mesmo dia. Estas demissões foram, em parte, demissões por raiva e, como relembra F. Ali, "foi muito gratificante chegar no dia seguinte e ver que uma pessoa da administração superior precisou trabalhar na recepção".
Mas esses pedidos de demissão foram causados, em grande parte, pela demissão de uma colega confiável e estimada, cuja ausência teria tornado mais difícil o trabalho dos funcionários remanescentes, além da imensa sensação de injustiça. Ela não apenas tinha excelente desempenho de vendas, mas também era fundamental para a motivação em uma companhia cujos funcionários trabalhavam em muita proximidade.
Essa situação confirma as pesquisas de Chhinzer, que demonstram que funcionários que criam uma pseudofamília no trabalho são mais facilmente afetados pelo efeito contágio que os funcionários que trabalham com maior independência.
Como deter a maré
Ao tentar desesperadamente refrear o êxodo de pessoal, um funcionário poderá tentar impedir que os funcionários comentem seus planos de demissão entre si, mas isso seria contraproducente, da mesma forma que o uso de vigilância para monitorar as intenções de demissão dos funcionários. Esse tipo de tática de força pode causar mais desconfiança e animosidade, tornando a porta de saída ainda mais convidativa para os funcionários.
Em vez de suspender conversas, ser mais aberto sobre os motivos dos pedidos de demissão de funcionários ajudará a reduzir os rumores. Por exemplo, se alguém pedir demissão por razões familiares, é menos provável que essa demissão gere efeito contágio que um pedido causado por insatisfação profissional. Mas, se houver um silêncio misterioso sobre uma demissão, as pessoas irão especular e poderão imaginar o pior.
"Um dos conselhos que temos para os gerentes é que eles precisam ser muito claros sobre os motivos da demissão de uma pessoa, se for um motivo não relacionado ao trabalho", afirma Chhinzer. "Podemos eliminar o efeito contágio quando ficar claro que uma pessoa pediu demissão por um motivo não relacionado ao trabalho."
Felps incentiva os executivos a tomar medidas práticas mais positivas para "cortar os pedidos de demissão pela raiz", mesmo se o seu custo parecer alto no momento.
"As formas mais evidentes de construir barreiras contra os pedidos de demissão incluem a expressão simbólica e financeira da sua consideração pelos notáveis esforços dos funcionários durante esses tempos difíceis. E, embora aumentos salariais possam reduzir as margens de lucro a curto prazo, é melhor que correr o risco do tipo de implosão que pode acontecer quando o efeito contágio sai do controle", ressalta ele.
A saída de funcionários importantes é um momento crítico para investir nos funcionários remanescentes e recrutar novos colaboradores. Mesmo assim, muitos empregadores fazem exatamente o contrário: tentam economizar sobrecarregando os funcionários existentes com mais trabalho, o que cria um círculo vicioso de estresse e pedidos de demissão.
Infelizmente, F. Ali não tem convicção de que os pedidos de demissão coletivos no setor de assistência médica comercial levaram os executivos a reconsiderar sua abordagem para a manutenção dos funcionários.
"Eles estão dando bônus, mas não aumentam o salário das enfermeiras existentes", conta F. Ali. A maioria das suas amigas enfermeiras "está deixando seus empregos em troca de outros que oferecem bônus e salários mais altos, já que os seus próprios empregadores não estão dispostos a mantê-las oferecendo aumentos salariais".
Se uma empresa não enfrentar as causas estruturais que aumentam a probabilidade de efeito contágio entre os seus funcionários, ela pode se tornar o tema do próximo vídeo viral no TikTok ou fotografia no Twitter depois que seus funcionários saírem em profusão. Com certeza, este é um papel que nenhuma companhia quer fazer.
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Worklife.
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