Empego

Depois da vacina, livrarias voltam a crescer e contratar

Grandes redes investem em novas unidades físicas. Em Brasília, a Leitura abriu loja no ParkShopping, e a Travessa inaugura, este mês, filial na CasaPark

*Laura Jovchelovitch Noleto
postado em 21/11/2021 06:00 / atualizado em 21/11/2021 06:00
O setor de livros vem reagindo à crise dos últimos anos, se autorregulando e abrindo novas unidades. Em Brasília, a Travessa inaugura, este mês, uma loja. Quer saber os requisitos para o trabalho nessa área? -  (crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A. Press)
O setor de livros vem reagindo à crise dos últimos anos, se autorregulando e abrindo novas unidades. Em Brasília, a Travessa inaugura, este mês, uma loja. Quer saber os requisitos para o trabalho nessa área? - (crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A. Press)

Apesar da pandemia, o mercado editorial tem crescido em 2021. As pessoas têm comprado mais livros e, com a reabertura do comércio, as livrarias têm aberto novas lojas. Ao comparar os números do setor livreiro de 2021 com os de 2019, um ano sem impacto da pandemia, percebe-se uma variação positiva de 31% em volume e de 27% em valor, de acordo com os dados do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel). A mesma pesquisa, feita pela Nielsen, comprovou que o hábito de leitura cresceu em 2021 e mostrou que entre os dias 13 de setembro e 10 de outubro de 2021 foram vendidos 4 milhões de livros, o que representa um aumento de 26,4% em relação ao mesmo período do ano passado. No acumulado de 2021, foram vendidos 40,15 milhões de exemplares, um aumento de 37,54% em volume. Mas como isso se reflete na prática?


Leandro Teles, 45 anos, sócio-diretor da rede de livrarias Leitura, conta que nos quatro primeiros meses de 2021 houve uma queda bem acentuada na venda em livrarias físicas, em torno de 35% no Brasil, porque o fechamento do comércio na pandemia prejudicou as vendas. No entanto, esse número foi melhorando ao longo do ano. Em outubro, a realidade era bem diferente. Nesse mês, houve um crescimento nas vendas que está oscilando em torno de 8%. “À medida em que as atividades foram sendo retomadas, conseguimos sair de uma queda grande para um crescimento real expressivo”, relata.
Ele explica que, tanto em 2020 quanto em 2021, as livrarias físicas sofreram muito com o comércio fechado. Contudo, grandes sites tiveram um crescimento exponencial de vendas, porque a venda do livro migrou para a internet e os sites das livrarias físicas não são os grandes revendedores. “Naturalmente, quem mais se beneficiou foi a Amazon, mas não apenas. Outros como B2W e Magazine Luiza também. Todos esses grandes sites se beneficiaram”, afirma.

Desempenho

Leandro Teles: "O produto livro teve desempenho muito bom durante a pandemia. A tendência do mercado é abrir novas lojas"
Leandro Teles: "O produto livro teve desempenho muito bom durante a pandemia. A tendência do mercado é abrir novas lojas" (foto: Arquivo Pessoal)

Leandro conclui: “O produto livro teve um desempenho muito bom durante a pandemia, porque, seja em loja física seja pela internet, o volume total de livros vendidos em 2021 teve um crescimento muito grande”. Por isso, a tendência do mercado é abrir novas lojas. A rede Leitura, por exemplo, pretende abrir 16 novas unidades e tem a meta de terminar o ano com 94. Mas ele reforça que isso não é exclusivo da leitura, outras redes estão seguindo os mesmos passos: “A Livraria da Vila abriu um número grande este ano, a Página, rede local do Paraná, e a Travessa também. São redes que estão investindo em novas unidades, o que mostra que o mercado de livrarias físicas como um todo está animado”.


O movimento presencial nas lojas tem crescido de forma gradual segundo Leandro Teles. Ele diz que está muito satisfeito e otimista: “Em outubro de 2021, tivemos um crescimento em relação a 2019. O movimento de vendas foi superior a 2019, o que foi uma grata surpresa. Acho que nós teremos um final de ano muito bom”. Parte desse otimismo vem do fato de que para ele as livrarias físicas continuam sendo atraentes. Isso porque os compradores de livros podem conversar com vendedores que entendem do assunto e fazem uma curadoria, podem sugerir livros de interesse. “É também nas lojas físicas que podemos fazer eventos, clube do livro, rodas de discussão”, observa.

Ele explica que outro diferencial da livraria física são os eventos de lançamentos. Muitas vezes acompanhados de sessão de autógrafos, esses eventos são responsáveis por 80% das vendas do livro lançado, e são uma oportunidade de os leitores conversarem com o autor. Leandro conta que as lojas físicas também estão se reinventando com a tendência de misturar produtos que conversem com os livros, como itens de papelaria, jogos e produtos de informática.


O mercado de livrarias em Brasília, de acordo com Leandro, sempre foi um mercado extremamente competitivo, caracterizado pela presença de grandes redes: “A gente tinha umas 7 saraivas, 2 culturas, 7 leituras, Nobel, Laselva, FNAC. Todas as grandes redes tinham presença expressiva em Brasília”. Ele conta que a partir da crise econômica entre 2015 e 2016, grandes redes internacionais suspenderam as atividades no Brasil, como a FNAC, e algumas redes nacionais tiveram dificuldade e decretaram recuperação judicial, esse foi o caso da Saraiva e da Livraria Cultura, duas das maiores do mercado. Com isso, desde 2018, houve um fechamento de unidades puxado pela Saraiva e pela Livraria Cultura: “Isso fez as pessoas terem a percepção de que o mercado do livro como um todo estava em declínio, mas os números de 2019 e agora em 2021, mostraram que o problema não era do setor, mas de duas grandes redes que não se adaptaram à crise financeira que o brasil passou, tanto é que outras redes estão ocupando o espaço deixado por elas”. Ele exemplifica que a Leitura abriu loja no ParkShopping e Livraria da Vila vai abrir uma loja no Iguatemi.

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O mercado está reagindo, se autorregulando, abrindo novas lojas e continua ocupando os espaços, acreditando no modelo de livraria físicas. “Claro que vai ter que conviver com as vendas nos grandes sites, mas isso é uma tendência do mercado como um todo. O mais importante é que a venda do livro está crescendo. Em 2021 cresceu por todos os canais. A verdade é que a pandemia acabou sendo favorável para o livro. Ele acabou sendo um refúgio. As pessoas ficaram em casa mais tempo e acabaram recorrendo ao livro”, analisa Leandro.


Rui Campos, 68 anos, sócio-diretor da Livraria da Travessa, concorda que o livro se valorizou enquanto objeto na pandemia: “Com o cansaço do eletrônico e da tela, as pessoas abraçaram o livro ainda mais. Ele é o contraponto, a fuga da velocidade”.


Sobre o mercado em Brasília, Rui afirma: “Com essas mudanças do mercado e com Brasília se transformando numa praça em que algumas grandes livrarias saíram, isso abriu uma oportunidade para novas livrarias”. Ele conta que a Travessa vai abrir uma loja em Brasília em 27 de novembro, no CasaPark. Ela terá mil metros e, além dos livros, terá espaço para café, galeria de arte e auditório. Para isso, foi necessário contratar uma equipe. “A gente abriu uma nova loja em Niterói no final de 2020, duplicou o tamanho da loja em Pinheiros e agora está abrindo em Brasília. Tudo isso exige contratação”, comenta.


Ele destaca que a equipe de Brasília passou por diversas entrevistas. Nelas, a empatia dos candidatos foi um critério. “A gente já está com a equipe contratada. Mais de uma dezena de contratações diretas além das indiretas. Eu fui pra Brasília pra conversar com todos. Fiquei bastante satisfeito com as pessoas que a gente contratou”, diz. Entre os profissionais contratados, estão alguns livreiros. Rui observa que essa profissão é bastante sofisticada e exige conhecimento. Pensando nisso, a Travessa buscou pessoas que já tinham experiência no mercado.Apesar de a equipe de Brasília já estar toda contratada, Rui afirma que a Travessa vai adaptar a equipe conforme o movimento: “Espero precisar de crescer a equipe”.


Uma tendência importante do mercado mundial, segundo Rui, é que o setor que mais cresce no mundo dos livros é o infantil e o infanto-juvenil. Isso, para ele, é motivo para ficar animado com o futuro. “O mundo dos jovens e das crianças é muito promissor. Então, vamos ter na loja de Brasília um belíssimo setore infantojuvenil”, afirma.

Como é trabalhar em livraria

As livreiras Grazielle (E) e Michelle (D) dão dicas para quem pretende ingressar na profissão
As livreiras Grazielle (E) e Michelle (D) dão dicas para quem pretende ingressar na profissão (foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A. Press)

Michelle Marques, 27 anos, é supervisora da rede de livrarias Leitura. Ela trabalha na rede há 8 anos. Começou como vendedora, depois se tornou coordenadora e foi promovida para supervisora no ano passado. Hoje, tem duas funções: cuidar da parte administrativa das lojas e fazer a supervisão comercial. O trabalho como vendedora, em 2013, foi seu primeiro emprego. Ela avalia que a ascensão de cargos é comum no trabalho: “Tem hoje gerentes que começaram como boy, que hoje estão se tornando sócios”, avalia.


Para trabalhar em livraria, não é preciso ter conhecimento prévio, mas gostar de livros é um diferencial: “Já comecei gostando de livros, mas existem vendedores que começaram sem conhecimento nenhum e foram adquirindo com a experiência de trabalho. Não precisa estar totalmente dentro do mercado, mas a gente precisa de pessoas ativas, que gostem do trabalho”, conta Michelle. A formação acadêmica e profissional também varia. “Hoje, a gente tem funcionários de cargos iniciais, como caixa e vendedores, de várias faixas etárias e que não necessariamente fizeram curso superior”, complementa.


Como a maioria dos trabalhos nas livrarias exige contato direto com o público, é importante saber lidar com o consumidor. Grazielle Cristina Bertho, 39 anos, coordenadora de livraria da Leitura, conta como foi o último processo seletivo, em que contrataram cinco pessoas para temporário e vão analisar a demanda até a black friday pra ver se precisarão de mais pessoas: “Tem uma prova, uma redação e tem uma entrevista comigo e com o gerente. A gente analisa as questões da prova. Geralmente, quem lê bastante vai bem na redação”.


Segundo Grazielle, eles fizeram muitas entrevistas e receberam muitos currículos, mas a maioria era de pessoas sem experiência e sem afinidade com livros, que é o que eles precisam. Ela conta que contrataram uma pessoa que não tinha nenhuma experiência de trabalho, mas que tinha o hábito de ler e afinidade com livros. Isso se deve ao fato de que o mais importante para trabalhar em livraria é gostar: “Não adianta uma pessoa entrar e não gostar do que está fazendo, do que está vendendo, acaba não passando credibilidade pro cliente”, explica.


Nas entrevistas, é essencial que o candidato se expresse bem, demonstre simpatia e consiga dialogar, porque ele precisará dessas habilidades para lidar com os colegas de trabalho e com os clientes. “Na entrevista, a gente teve pessoas que praticamente não falaram. Se a pessoa não souber se comunicar, fica complicado”, diz Grazielle.


No processo seletivo, a livraria não anunciou que estava contratando. “A Leitura tem um site em que você manda currículo e a gente recebe na loja. A gente selecionou dos currículos que a gente já tinha”. Com ela, foi assim também. Há 8 anos, Grazielle entregou o currículo na loja e foi chamada para trabalhar no caixa. Depois de cinco meses, foi para a coordenação.


Leandro Teles completa que em uma rede de livrarias são necessários profissionais de marketing, TI, administração financeira e contábil: “Nessas áreas, a gente busca as pessoas no mercado. Pessoas com formações específicas para essas áreas”. Além disso, cada loja tem seus vendedores, livreiros (compradores de livros que fazem a distinção do que deve ou não ir para o acervo das lojas), seu gerente geral, que não necessariamente é o livreiro, e o responsável pela área de recursos humanos.

“Nossa dificuldade maior é com o livreiro. Formar livreiro exige que a pessoa realmente goste de livros e que ela tenha experiência profissional dentro do ramo livreiro. Contudo, não existe curso para livreiro, o que é um grande problema no setor. Essa preparação é feita no dia a dia”. Ele comenta que os demais vendedores são do varejo, com perfil de loja comum. À medida em que vão tendo contato com livro e se desenvolvendo, podem se tornar livreiros.

E nas editoras

 Mell Brites é editora executiva da Companhia das Letrinhas
Mell Brites é editora executiva da Companhia das Letrinhas (foto: Renato Parada)

Mell Brites, 34 anos, editora executiva da divisão infantil da Companhia das Letras, começou a trabalhar no mercado editorial ainda na faculdade, quando estudava Letras. O primeiro emprego foi em uma livraria de livros infantis em São Paulo. Ela fazia resenhas para o site dessa livraria, na época, Mell tinha entre 18 e 19 anos. O seu primeiro trabalho em editora foi como assistente editorial na Editora 34. Depois, foi para a PubliFolha, editora da Folha de S. Paulo. Por ter interesse por infância, literatura e educação, ela conta que “sempre quis trabalhar com literatura infantil”. Mais tarde, começou a fazer freelas de preparação de texto para a Companhia das Letrinhas, até que um dia a chamaram para trabalhar lá. Está lá há dez anos.


Mell explica que existem vários trabalhos em uma editora. “Você pode ser editor. Além de ser editor, você pode trabalhar na área de produção, que é uma área um pouco mais técnica, relacionada à parte gráfica, papel, acabamento. Tem toda a parte da arte também: capa, projeto gráfico, tratamento de imagem”, afirma. Ela acrescenta que em uma editora também trabalham preparadores, revisores de texto e tradutores, que trabalham exclusivamente com as palavras. Outras áreas que não são exclusivas do mercado editorial, mas precisam existir na editora são: marketing, comunicação, assessoria de imprensa e financeiro. Outra parte importante é a de direitos autorais, que lida tanto com a aquisição de direitos de livros estrangeiros quanto com a venda de nacionais para o exterior. Existe também o departamento de educação, que trabalha na divulgação dos livros da editora entre as escolas. Outra parte é o depósito, em que trabalham pessoas que empacotam, enviam os livros e cuidam da parte logística.


O perfil dos funcionários de uma editora é diverso. “Existem pessoas que vêm de faculdades bem variadas. direito, jornalismo,letras, história, editoração. O mais importante é você querer e ir em busca de experiência. É uma profissão em que você aprende bastante na prática”. A dica que Mell dá é desde cedo tentar bater nas portas e fazer estágio na área. Ela conta que também existem vários cursos livres e aulas práticas. Uma recomendação dela são os cursos da Universidade do Livro, da Unesp. Nesses cursos, além de adquirir conhecimento, o profissional conhece pessoas do mercado e pode estabelecer uma rede de contatos.


Ela observa que a rotina de trabalho de uma editora é como a de uma empresa normal. “Depende muito da sua função. A rotina de um editor é diferente de quem está no comercial. Responde bastante e-mail, tem reuniões de planejamento, aprova muitas coisas. Se é editor, tem reunião com autores e ilustradores e também muita leitura de originais, que são livros que chegam para as editoras para ver se elas querem publicar”, relata.


Em relação à escolha de originais, Mell explica que cada editora tem o seu sistema: “Tem editoras que deixam e-mail no site, tem umas que não recebem abertamente. Os autores precisam pesquisar como cada editora recebe”. Quando a editora recebe, todos os editores conversam entre si depois de lerem o original e veem se é interessante para o catálogo publicar e o porquê disso. Ela ressalta que tudo que chega é lido. Contudo, às vezes, as respostas demoram, é um trabalho importante que leva tempo. “Cada editora tem sua linha editorial, razões de por que publicar um livro e não outro. Os critérios são muitos”, conclui.

*Estagiária sob supervisão de Ana Sá

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