Quatro anos após a promulgação da Reforma Trabalhista, o Governo federal quer mudar as regras do jogo, alterando, de quebra, artigos da Constituição e da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Realizado pelo Grupo de Altos Estudos do Trabalho (GAET), o polêmico estudo foi apresentado recentemente pelo Ministério do Trabalho e Previdência no Conselho Nacional do Trabalho (CNT), como forma de ampliar contratações com maior segurança jurídica.
Foram apresentadas 330 propostas que alteram a legislação trabalhista. Do total, 110 dispositivos foram acrescentados, 180 alterados e 40 revogados. Entre as medidas, estão a liberação do trabalho aos domingos, o não reconhecimento de vínculo empregatício entre trabalhadores e aplicativos, como Uber e 99, e a liberdade sindical. O estudo foi apresentado ao Governo Federal e ao Conselho Nacional do Trabalho e agora está disponível no site do Ministério do Trabalho e Previdência para consulta pública https://bit.ly/3uzGIrf.
As sugestões estão sendo analisadas pelo governo e, caso aprovadas, serão transformadas em projeto de lei e emendas constitucionais. Por propor alterações na Constituição e na legislação, as propostas deverão ser encaminhadas para o Congresso Nacional, para o Plenário da Câmara e para o Senado.
O Gaet é dividido em subgrupos: jurídico, economia do trabalho, previdência e liberdade sindical.
Rodrigo Dias, juiz do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 18ª Região, participante de um dos subgrupos, afirma que a ideia de um grupo permanente é para que se debata a legislação. O objetivo é obter conclusões e sugestões de alteração e modernização da legislação trabalhista e previdenciária, visto que elas precisam ser continuamente atualizadas. "Isso vai continuar sendo necessário. Neste ano, no próximo e no outro, e assim sucessivamente", afirma.
O juiz esclarece que o trabalho do grupo não ocorre de maneira uniforme, mas é dividido em subgrupos, sendo assim, algumas conclusões do texto são tomadas por uma parte das pessoas e não por outra. “O Gaet tem como principal motivação estudar a legislação trabalhista. Especialistas em várias áreas se reúnem analisando situações concretas em conjunto, com objetivo de sugerir à Presidência da República, aos deputados e senadores modificações na legislação trabalhista com o intuito de modernizá-la”, esclarece ele, que fez parte do grupo jurídico.
Em nota, o Ministério do Trabalho e da Previdência afirma que os subsídios apresentados podem ser relevantes para o debate público. São sugestões que, além de ajustes estruturais, podem se inserir na discussão de retomada do mercado de trabalho, com mais segurança jurídica para empregados e empregadores.
Para o juiz do Tribunal Regional do Trabalho 1ª Região Otavio Calvet, o fato de existir o estudo não significa, automaticamente, que o governo vai encampar as propostas. “Foi uma iniciativa salutar para dar possibilidade de discussão, reflexão e debate para a área trabalhista continuar fazendo as reformas, que, ao meu ver, são necessárias”, analisa.
Qual o objetivo do estudo?
Calvet esclarece que o estudo delineia, de forma geral, uma nova concepção para a regulamentação trabalhista. Ele observa que na área do direito corretivo do trabalho, as propostas são necessárias para que o Brasil, consiga se adequar a organização internacional do trabalho. “Por exemplo, com a liberdade sindical é possível que a gente saia, enfim, de um modelo que ainda tem as amarras da época de Vargas”, diz.
Calvet pondera que a Legislação Trabalhista precisa estar em constante evolução, assim como o mundo do trabalho. Por essa razão, afirma, as medidas visam corrigir alguns pontos da Reforma Trabalhista de 2017, que precisavam de esclarecimentos melhores, como o contrato de trabalho intermitente. Além disso, prossegue ele, objetivam dar continuidade à filosofia de desburocratização e de diminuição da regulamentação do estado, que tiveram início também na reforma.
Para o juiz, o processo de desburocratização da Legislação Trabalhista ajudaria bastante no desenvolvimento econômico. “Em no nosso país, mais de 80% dos empregos são criados por pequenas e micro empresas. O pequeno empresário tem muita dificuldade de cumprir a legislação. Então, de fato, eu acho que o grande papel seria a simplificação”, afirma. Por outro lado, ele aponta que mudar a legislação trabalhista por si só não gera emprego, e sim o desenvolvimento econômico.
Calvet observa ainda que a área trabalhista busca o equilíbrio entre a proteção adequada do trabalhador e o desenvolvimento econômico. Por isso, avalia, o estudo é de grande valia para gerar discussões e debates. “É muito importante estar sempre dialogando para buscar as melhores soluções”, ressalta.
Povo fala
O que os trabalhadores pensam sobre a nova proposta de reforma trabalhista
"Eu acho essas novas propostas péssimas e de tremendo desrespeito ao trabalhador. São medidas que não devem ser aceitas pela população trabalhadora, pois terão muitos dos seus direitos vetados."
Gabriel Rodrigues,
23 anos, médico veterinário
"Embora, hoje em dia, haja muitas críticas em cima da CLT, eu acredito que ela ainda seja importante por um motivo muito simples: na relação entre empregador e empregado, o empregador é a figura de poder. O não reconhecimento de vínculo empregatício é vendido como um sonho, onde você gerencia seus próprios horários, e só depende de você o quanto vai ser remunerado. Porém, é só mais uma forma de uma empresa que tem muito capital, crescer mais ainda, às custas de um trabalho mal remunerado."
Rayssa Moreira Cardoso,
24 anos, analista de TI
"Acho curioso esses argumentos de que se trata de aumentar a segurança jurídica e aquecer o mercado de trabalho. A legislação que querem modificar não carece dessa segurança. É uma questão do velho argumento de ter menos direitos para tornar o trabalhador um objeto mais barato. O que já vimos que não tem um efeito significativo na criação de postos de trabalho e por outro lado diminui o poder do trabalhador, o que, de certa forma, prejudica toda a sociedade, uma vez que não faz sentido imaginar que é saudável uma sociedade de precarizados."
Lauro Pacheco, 34 anos, psicólogo social
"A reforma trabalhista veio com o intuito de aumentar o número de empregos justificando com isso a perda de muitos direitos trabalhistas. E, após esse tempo, isso não foi comprovado. Eles foram flexibilizando muitos direitos trabalhistas, frutos de uma grande luta da classe trabalhista durante anos. Essas conquistas foram paulatinas e crescentes. Esses direitos estão sendo perdidos. E agora o que eu vejo é que o ponto mais grave dessa nova reforma que eles estão querendo fazer é tirar a multa sobre o FGTS que o empregador normalmente tem que pagar quando a demissão é sem justa causa, e a possibilidade de greve por parte dos empregadores. A parte mais forte vai ter mais direitos de pressionar a parte mais fraca. Mais uma vez, os empregados estão perdendo direitos conquistados com muita dificuldade e sem o pior, é sem ter uma comprovação de que isso vai ter um resultado positivo para a economia e sociedade."
Riva Chaves, 54 anos, servidora pública
"Acho válido eles fazerem um estudo, a gente precisa melhorar muito ainda essa questão de leis trabalhistas. A questão de liberar o trabalho aos domingos me incomoda um pouco, dependendo da classe, dependendo da área que vai ter liberação, na minha opinião, não vejo necessidade. Esse não reconhecimento de vínculo entre o motorista de aplicativo, eu acredito que deveria ter porque dá um pouco mais de segurança para os trabalhadores. Quando acontece alguma coisa, acredito que dá aquela segurança, mas aí depende se a classe acha vantajoso para ela ter esse vínculo empregatício. Sobre o fim da multa de 40% do FGTS é complicado, né? Porque você é demitido e não tem uma causa ali para te defender, muitas vezes, não tem uma reserva financeira, e aqueles 40% seriam um alívio no meio do caos. Esse ponto poderia ser reavaliado".
Camila de Oliveira, 24 anos,
técnica de investimentos