reforma trabalhista

Vem aí a nova reforma trabalhista

Estudo propõe regras polêmicas como forma de ampliar a geração de emprego. Especialistas defendem amplo debate para as alterações

Karine Hillary*
postado em 13/02/2022 06:00 / atualizado em 13/02/2022 06:00
Estudo encomendado pelo governo prevê  mudanças na CLT e na Constituição Federal. Saiba quais são os pontos polêmicos  -  (crédito: Reprodução)
Estudo encomendado pelo governo prevê  mudanças na CLT e na Constituição Federal. Saiba quais são os pontos polêmicos - (crédito: Reprodução)

Quatro anos após a promulgação da Reforma Trabalhista, o Governo federal quer mudar as regras do jogo, alterando, de quebra, artigos da Constituição e da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Realizado pelo Grupo de Altos Estudos do Trabalho (GAET), o polêmico estudo foi apresentado recentemente pelo Ministério do Trabalho e Previdência no Conselho Nacional do Trabalho (CNT), como forma de ampliar contratações com maior segurança jurídica.

Foram apresentadas 330 propostas que alteram a legislação trabalhista. Do total, 110 dispositivos foram acrescentados, 180 alterados e 40 revogados. Entre as medidas, estão a liberação do trabalho aos domingos, o não reconhecimento de vínculo empregatício entre trabalhadores e aplicativos, como Uber e 99, e a liberdade sindical. O estudo foi apresentado ao Governo Federal e ao Conselho Nacional do Trabalho e agora está disponível no site do Ministério do Trabalho e Previdência para consulta pública https://bit.ly/3uzGIrf .

As sugestões estão sendo analisadas pelo governo e, caso aprovadas, serão transformadas em projeto de lei e emendas constitucionais. Por propor alterações na Constituição e na legislação, as propostas deverão ser encaminhadas para o Congresso Nacional, para o Plenário da Câmara e para o Senado.

“Deve-se ressalvar, que os documentos não contam, necessariamente, com a concordância, integral ou parcial, deste Ministério do Trabalho e Previdência ou mesmo do Governo Federal. Ou seja, os relatórios dos Grupos de Estudos Temáticos são de exclusiva e inteira responsabilidade dos autores", afirma o Ministério do Trabalho e Previdência.

O Gaet é dividido em subgrupos: jurídico, economia do trabalho, previdência e liberdade sindical.

Rodrigo Dias fez parte de um dos subgrupos que compunha o Gaet
Rodrigo Dias fez parte de um dos subgrupos que compunha o Gaet (foto: Arquivo pessoal)

Rodrigo Dias, juiz do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 18ª Região, participante de um dos subgrupos, afirma que a ideia de um grupo permanente é para que se debata a legislação. O objetivo é obter conclusões e sugestões de alteração e modernização da legislação trabalhista e previdenciária, visto que elas precisam ser continuamente atualizadas. "Isso vai continuar sendo necessário. Neste ano, no próximo e no outro, e assim sucessivamente", afirma.

O juiz esclarece que o trabalho do grupo não ocorre de maneira uniforme, mas é dividido em subgrupos, sendo assim, algumas conclusões do texto são tomadas por uma parte das pessoas e não por outra. “O Gaet tem como principal motivação estudar a legislação trabalhista. Especialistas em várias áreas se reúnem analisando situações concretas em conjunto, com objetivo de sugerir à Presidência da República, aos deputados e senadores modificações na legislação trabalhista com o intuito de modernizá-la”, esclarece ele, que fez parte do grupo jurídico.

Em nota, o Ministério do Trabalho e da Previdência afirma que os subsídios apresentados podem ser relevantes para o debate público. São sugestões que, além de ajustes estruturais, podem se inserir na discussão de retomada do mercado de trabalho, com mais segurança jurídica para empregados e empregadores.

Para o juiz do Tribunal Regional do Trabalho 1ª Região Otavio Calvet, o fato de existir o estudo não significa, automaticamente, que o governo vai encampar as propostas. “Foi uma iniciativa salutar para dar possibilidade de discussão, reflexão e debate para a área trabalhista continuar fazendo as reformas, que, ao meu ver, são necessárias”, analisa.

Qual o objetivo do estudo?

Calvet esclarece que o estudo delineia, de forma geral, uma nova concepção para a regulamentação trabalhista. Ele observa que na área do direito corretivo do trabalho, as propostas são necessárias para que o Brasil, consiga se adequar a organização internacional do trabalho. “Por exemplo, com a liberdade sindical é possível que a gente saia, enfim, de um modelo que ainda tem as amarras da época de Vargas”, diz.

Calvet pondera que a Legislação Trabalhista precisa estar em constante evolução, assim como o mundo do trabalho. Por essa razão, afirma, as medidas visam corrigir alguns pontos da Reforma Trabalhista de 2017, que precisavam de esclarecimentos melhores, como o contrato de trabalho intermitente. Além disso, prossegue ele, objetivam dar continuidade à filosofia de desburocratização e de diminuição da regulamentação do estado, que tiveram início também na reforma.

Para o juiz, o processo de desburocratização da Legislação Trabalhista ajudaria bastante no desenvolvimento econômico. “Em no nosso país, mais de 80% dos empregos são criados por pequenas e micro empresas. O pequeno empresário tem muita dificuldade de cumprir a legislação. Então, de fato, eu acho que o grande papel seria a simplificação”, afirma. Por outro lado, ele aponta que mudar a legislação trabalhista por si só não gera emprego, e sim o desenvolvimento econômico.

Calvet observa ainda que a área trabalhista busca o equilíbrio entre a proteção adequada do trabalhador e o desenvolvimento econômico. Por isso, avalia, o estudo é de grande valia para gerar discussões e debates. “É muito importante estar sempre dialogando para buscar as melhores soluções”, ressalta.

Trabalho aos domingos

Karolen Gualda, advogada e especialista em direito do trabalho: muita flexibilidade da legislação
Karolen Gualda, advogada e especialista em direito do trabalho: muita flexibilidade da legislação (foto: Arquivo pessoal)

Considerado um dos pontos mais polêmicos, o trabalho aos domingos vem sendo muito debatido entre especialistas. A ideia não é nova. Já havia sido tratada na Medida Provisória 905, em 2019. Porém a medida foi rejeitada pelo Senado, que concedeu a autorização apenas para algumas categorias.

O estudo propõe o trabalho aos domingos, desde que uma folga a cada sete semanas recaia nesse dia. A medida altera o artigo 67 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e determina que todas as categorias possam realizar o descanso semanal de 24h em qualquer dia da semana e não, obrigatoriamente, no domingo.

Segundo o relatório, hoje, para se trabalhar aos domingos, é necessário estar na lista de atividades autorizadas pela Secretaria Especial do Trabalho ou contar com autorização de entidade sindical, mediante convenção ou acordo coletivo.

A proposta prevê a reversão das altas taxas de desemprego e a diminuição da burocracia para contratar empregados que trabalhem aos fins de semana.

Atualmente, o trabalho dominical é autorizado nas atividades do comércio, desde que, a cada três semanas trabalhadas o descanso semanal remunerado coincida com o domingo. Além disso, o empregador deve estabelecer uma escala de revezamento, mensalmente organizada, e disponibilizá-la para os empregados de forma antecipada.

A advogada trabalhista Karolen Gualda considera, ainda, que a proposta amplia muito as regras da CLT e que pode ser vista como um retrocesso nas lutas pelos direitos trabalhistas. "Tudo que o trabalhador conseguiu lá atrás, garantindo seu domingo de folga, pelo menos, a cada mês, seria dar um passo para trás", diz.

Já para a especialista em Compliance Trabalhista Érika de Mello, esse não é o "pior" dos problemas da proposta, tendo em vista que o trabalho aos domingos já é flexibilizado por norma coletiva. Ela pontua que a jornada tradicional vem sendo quebrada há algum tempo e muitos trabalhadores até preferem descansar em outros dias da semana. "Para algumas pessoas, faz todo sentido, pois são rotinas diferentes e faz parte da realidade".

Segundo a especialista, a melhor forma de solucionar a questão é compreender a demanda social. Para isso, seria necessário ouvir todos os envolvidos, por meio de consulta pública, e encontrar uma possibilidade equilibrada.

Da mesma forma, o juiz do Trabalho Otavio Calvet acredita que a linha seguida pelo estudo é de que, em uma economia enfraquecida, como a do Brasil, incentivar a atividade econômica é mais importante do que manter a tradição do descanso aos domingos. "É uma medida drástica, que mexe com a nossa cultura de descanso aos domingos, mas também pode ajudar o mercado a se desenvolver", considera. "É, realmente, questão de escolha da sociedade. É importante lembrar que, na proposta, a questão biológica do repouso continua igual, uma vez por semana. O que mudaria é essa cultura do descanso aos domingos", diz.

Desburocratizar para empregar?

Em novembro de 2017 foi promulgada a Lei 13.467/2017, conhecida como Reforma Trabalhista. Com o intuito de multiplicar os empregos no país, a nova lei apostava na flexibilização da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Contudo, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o número de desempregados subiu de 12,4 milhões, em 2017, para 13,4 milhões no terceiro trimestre de 2021.

Karolen Gualda, advogada e especialista em Direito do Trabalho, destaca que a reforma trouxe muita flexibilização da legislação, tanto é que alguns pontos ainda estão sendo questionados. Para ela, o novo estudo visa flexibilizar e facilitar as contratações, sinalizando o interesse do governo. "Fazendo com que o empregado não fique tão caro, seria possível fazer mais contratações e criar novas vagas de emprego", analisa.

A especialista ressalta, no entanto, que não foi isso que se observou, na prática, já que uma reforma trabalhista não seria capaz de criar, automaticamente, vagas de emprego. "Já se comprovou que a flexibilização das normas não trouxe esse aumento do número de vagas", destaca. Para Karolen, vaga de emprego se cria com a economia mais forte e com uma política tributária diferenciada. "Não vejo muito sentido e acho que enfrentaremos novas batalhas judiciais", prevê.

Ela espera que um debate amplo envolva as principais partes interessadas, empregadores e empregados. "O estudo é aprofundado, mas é um tanto polêmico por não ter havido debate. Se for aprovado assim, a chance de insegurança jurídica é ainda maior", afirma. O ponto principal, para Karolen, é que o assunto seja de ciência de todos que serão afetados.

POVO FALA

Gabriel Rodrigues, 23 anos, médico veterinário

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. (foto: Arquivo pessoal)

“Eu acho essas novas propostas péssimas e de tremendo desrespeito ao trabalhador. São medidas que não devem ser aceitas pela população trabalhadora, pois terão muitos dos seus direitos vetados”

Rayssa Moreira Cardoso, 24 anos, analista de TI

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. (foto: Arquivo pessoal)

Embora hoje em dia haja muitas críticas em cima da CLT, eu acredito que ela ainda seja importante por um motivo muito simples: na relação entre empregador e empregado, o empregador é a figura de poder. É óbvio que o empregador precisa do empregado para a empresa funcionar, mas sem as devidas garantias de como essa relação vai funcionar, muitas vezes as pessoas não teriam condições de recusar uma oferta de emprego, principalmente com tanto desemprego.

Eu entendo que podem, sim, ter alguns pontos a serem alterados na CLT, mas pra mim também é muito claro o porquê do locaute ser proibido e porque deveria continuar assim. Mais uma vez, o empregador é a figura de poder na relação, principalmente para trabalhos menos especializados, onde a procura por emprego é muito grande. Com o empregador fazendo a greve, ele conseguiria qualquer coisa, visto que os empregados seriam reféns dessa situação.

O não reconhecimento de vínculo empregatício é vendido como um sonho, onde você gerencia seus próprios horários, e "só depende de você" o quanto vai ser remunerado. Porém, é só mais uma forma de uma empresa que já tem muito capital, crescer mais ainda, às custas de um trabalho pouco remunerado.

Lauro Pacheco, 34 anos, psicólogo social

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. (foto: Arquivo pessoal)

"É interessante essa ideia de retomar o mercado de trabalho com mais segurança jurídica. À legislação trabalhista não falta segurança. É uma questão do velho argumento de ter menos direitos para tornar o trabalhador um objeto mais barato. O que já vimos que não tem um efeito significativo na criação de postos de trabalho e por outro lado diminui o poder do trabalhador, o que de certa forma prejudica toda a sociedade, uma vez que não faz sentido imaginar que é saudável uma sociedade de precarizados".

Riva Chaves, 54 anos, servidora pública

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. (foto: Arquivo pessoal)

A reforma trabalhista veio com o intuito de aumentar o número de empregos justificando com isso a perda de muitos direitos trabalhistas. E após esse tempo isso não foi comprovado. Eles foram flexibilizando muitos direitos trabalhistas, frutos de uma grande luta da classe trabalhista durante anos, essas conquistas foram paulatinas e crescentes. Esses direitos estão sendo perdidos. E agora o que eu vejo é que o ponto mais grave dessa nova reforma que eles estão querendo fazer é tirar a multa sobre o FGTS que o empregador normalmente tem que pagar quando a demissão é sem justa causa, e a possibilidade de greve por parte dos empregadores. A parte mais forte vai ter mais direitos de pressionar a parte mais fraca. Mais uma vez os empregados estão perdendo direitos conquistados com muita dificuldade e sem o pior, é sem ter uma comprovação de que isso vai ter um resultado positivo para a economia e sociedade”.

Camila de Oliveira, 24 anos, técnica de investimentos

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. (foto: Arquivo pessoal)

“Acho válido eles fazerem um estudo, a gente precisa melhorar muito ainda essa questão de leis trabalhistas. A questão de liberar o trabalho aos domingos me incomoda um pouco, dependendo da classe, dependendo da área que vai ter liberação, na minha opinião, não vejo necessidade. Esse não reconhecimento de vínculo entre o motorista de aplicativo, eu acredito que deveria ter porque dá um pouco mais de segurança para os motoristas. Quando acontece alguma coisa, acredito que dá aquela segurança mas aí depende se a classe acha vantajoso para ela ter esse vínculo empregatício. Sobre o fim dessa multa de quarenta por cento é complicado, né? Porque você é demitido e não tem uma uma causa ali para te defender, muitas vezes não tem uma reserva financeira e aqueles quarenta por cento seria um alívio no meio do caos. Esse ponto poderia ser reavaliado”


*Estagiário sob supervisão de Ana Sá

 


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