Em busca de outra saída

Correio Braziliense
postado em 27/02/2022 00:01
João perdeu o interesse em professor a partir da instauração do Novo Ensino Médio -  (crédito: Arquivo pessoal)
João perdeu o interesse em professor a partir da instauração do Novo Ensino Médio - (crédito: Arquivo pessoal)

O impacto do despretígio da carreira de docente vem a partir da vivência da realidade, do convívio com os alunos e da rotina na sala de aula. É o caso de João Maia, 26 anos, ex-professor de sociologia. Formado em 2018 em ciências sociais na Universidade de Brasília (UnB), que começou a lecionar logo em 2019. Segundo ele, a experiência foi prazerosa durante um tempo, mas os problemas vieram depois de alguns meses.

"No começo, é encantador. Sou uma pessoa que gosta de sala de aula. É incrível ter contato com alunos e conseguir colocar na prática o que você aprendeu e também ir aprendendo com os estudantes. A gente percebe que muita coisa só se aprende na prática, mas o ambiente escolar pode adoecer", afirma.

Segundo Maia, professores com idade entre 30 e 35 anos se viram obrigados a se afastar de suas atividades por problemas psicológico como depressão e ansiedade. "Tudo isso associado a rotinas desgastantes, à sobrecarga de trabalho. Um professor não trabalha somente 40 horas semanais, uma vez que leva muito trabalho para casa". diz.

A má remuneração é outro fator desestimulante, segundo Maia. Ele conta que é muito difícil conviver com as realidades dos alunos e sentir que pode ajudá-los e contribuir um pouco para a mudança, mas, ao mesmo tempo sente-se incapacitado por ser "muito minúsculo" no meio disso.

"A questão da impotência e da instabilidade me afetaram muito, pois eu era professor temporário. No mês seguinte, eu não tinha garantia nenhuma de que estaria ali. Era difícil contar com algo que não fosse fixo", lembra.

Maia observa, ainda, que é preocupante a escassez de concursos públicos para professor no Distrito Federal. "O mais recente foi realizado em 2016. Ou seja, o DF passou seis anos sem fazer concurso de professor definitivo", lamenta. "Mais um motivo de frustração". Ele ressalta que a realidade do brasiliense ainda é positiva quando comparada à de outros estados, pois o salário do professor na capital federal é um dos maiores do país.

O Novo Ensino Médio é outro ponto crucial nesse processo. Maia observa que  nessa mudança o protagonismo de matérias, como sociologia, foi reduzido sensivelmente. "O Novo Ensino Médio descaracteriza o ensino como a gente conheceu até então. É um ensino médio focado em mão de obra para o mercado, não é pensado como uma oportunidade de capacitar o cidadão de forma consciente", opina.

Essas disciplinas, principalmente as de humanas, perderam, na visão dele, seu papel em razão de uma "lógica mercantilista". Segundo ele, essa realidade também foi um dos motivos que o levaram a se afastar da sala de aula.

Dessa forma, ele buscou uma saída, aproveitando a experiência vivida. Como portador de diploma, ingressou novamente na UnB para cursar engenharia de software. Hoje, está estagiando no Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, onde trabalha em um projeto que reúne as duas áreas: ciências sociais e programação. (A.L.A)

Carreira socialmente abandonada

 (crédito:  Arquivo pessoal)
crédito: Arquivo pessoal

Lauro Vieira, 34 anos, que tem graduação em filosofia, pedagogia e, atualmente, cursa psicologia faz uma avaliação do cenário. "Penso que as carreiras do magistério têm certas contradições. São muitas faculdades de qualidade duvidosa emitindo milhões de diplomas e, nas universidades de qualidade, temos cursos não valorizados, uma vez que o salário do professor não é atrativo na maioria dos estados. O piso salarial para muitos é uma mera ficção", afirma.

Ocorre da carga horária e, consequentemente, a remuneração não serem suficientes, e o professor acaba necessitando de outra escola para ter uma renda digna. Para Lauro, essa é uma realidade em escolas particulares e públicas.

"Ainda temos o estigma de licenciaturas serem feitas para as camadas mais populares. Elas não possuem o status dos grandes cursos, mesmo aqueles que não se traduzem em empregabilidade imediata", avalia. Segundo o professor, a classe média e as elites não têm interesse nas licenciaturas. "Não temos sobrenomes, tradição familiar. É até curioso, porque é comum professores bem sucedidos não quererem seus filhos seguindo a profissão. É uma carreira socialmente abandonada", diz.

Na sua avaliação, a Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni) foi uma boa política pública que expandiu de forma significativa as licenciaturas no âmbito federal. Ainda assim, com o tempo, as universidades perderam investimento e a permanência de muitos estudantes foi colocada em risco. "Sem falar que os concursos públicos não acompanharam esse crescimento de oferta, com os estados e municípios continuando a abusar do expediente de contratos temporários", diz

Lauro diz que optou por fazer três graduações — primeiro filosofia, depois pedagogia e, por último, psicologia — por entender que a atuação profissional demanda formações mais abrangentes.

"Trabalhamos não só na nossa disciplina quando estamos em sala, então, precisamos sempre articular conhecimentos propriamente pedagógicos e noções do desenvolvimento que precisam ser atravessadas por essa visão integral das práticas propriamente relacionais", argumenta.

Hoje, ele trabalha no terceiro setor formando outros profissionais e lidando com aspectos socioeducacionais que por vezes fazem falta na formação básica. "Mas, em certos momentos, sinto falta da sala de aula, que é um espaço plural e de abertura para o outro que acredito ser o grande diferencial da profissão", admite.

Lauro ainda diz que, infelizmente, a educação vive de modismos e não consegue estabelecer um planejamento sólido e duradouro. Para ele, novas terminologias e currículos que tentam incorporar essas modas aparecem como solução "e esquecem que a escola é apenas um momento da educação".

"Penso que o papel do educador é a de mediação de um conhecimento que deve articular a sua disciplina e a totalidade social frente a singularidade do aluno. Mas esse professor encontrará muitas dificuldades quando encontrar um aluno que vive em uma cultura vulgarizada e embrutecida, isso sem falar das enormes dificuldades propriamente materiais que muitos possuem. Em todos os sentidos, somos um país extremamente desigual", finaliza.

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