Pretos no topo

Pretos no topo:Urbanização das periferias

Veja a avaliação da engenheira civil Laudely Aparecida Sampaio sobre a urbanização das periferias.

Carmem Souza
postado em 21/02/2022 19:02 / atualizado em 21/02/2022 19:02
 (crédito: Arquivo Pessoal )
(crédito: Arquivo Pessoal )

Pelo menos 4 milhões de pessoas no Brasil vivem em áreas de risco. E, como as vulnerabilidades ligadas a esse tipo de moradia, esse número é subestimado. Ele é resultado de um mapeamento feito pelo governo federal considerando a realidade de 20% dos municípios brasileiros, entre 2011 e 2020.


Não à toa tragédias como a de Petrópolis ganham proporções dolorosas. Há mais de 30 anos trabalhando com pavimentação, a engenheira civil Laudely Aparecida Sampaio (foto) pondera que não é possível controlar todos os fatores ligados a deslizamentos como os registrados na cidade fluminense — o volume da chuva, por exemplo. “Não dá para prever, mas dá para, ao menos, tentar, evitar algumas coisas”, diz.


Um bom planejamento e uma urbanização ecológica fazem parte da lista de atividades estratégicas, diz Laudely, que tem, no currículo, projetos como a pavimentação da Avenida Brigadeiro Faria Lima, em São Paulo. A coordenadora de contratos da MMF Projetos também falou a Pretos no topo sobre os desafios de monitorar as fragilidades estruturais de cidades que não param de crescer.

O que as tragédias como os deslizamentos em Petrópolis e as enchentes no sul da Bahia indicam sobre as ocupações urbanas no Brasil?
Você não pode prever uma chuva como a que aconteceu em Petrópolis. Mas as consequências se deram em áreas de encosta, onde há famílias em situação de risco, e isso está ligado a prevenção e planejamento. Não dá para prever, mas dá para, ao menos, tentar, evitar algumas coisas. A urbanização das periferias precisa acontecer porque quem vive nesses locais também precisa ter qualidade de vida. As pessoas não vivem em favelas porque querem Estão porque não conseguem ir para outro lugar. Isso é ainda mais evidente neste período de pandemia, em que muita gente perdeu emprego, perdeu a casa. Vi, recentemente, a notícia de uma família que foi morar em um ônibus. Vão porque não tem outro lugar para ir. Há também a questão racial, porque a população negra — sem oportunidades para conseguir um emprego melhor e para comprar uma casa melhor — é quem mais mora nesses locais. Então, esse processo de urbanização precisa considerar todas essas particularidades.

Erosão no Sol Nascente, no Distrito Federal, e deslizamento em Petrópolis, no Rio: faltam planejamento e qualidade de vida
Erosão no Sol Nascente, no Distrito Federal, e deslizamento em Petrópolis, no Rio: faltam planejamento e qualidade de vida (foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

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. (foto: Carl de Souza)


Em termos mais técnicos, o que considerar?
Várias disciplinas técnicas são consideradas na urbanização de periferias. Precisa-se saber se essa favela está em uma encosta, na beira de um córrego, sobre um rio, e fazer um trabalho de cadastramento de famílias. Ou seja, verificar a severidade da área de risco e quais trabalhos precisam ser feitos para que os moradores tenham o mínimo de segurança, além de mobilidade, lazer e outras questões ligadas à qualidade de vida. Nesse sentido, a contenção de encostas é uma das coisas principais, assim como a abertura de ruas para que possam trafegar ônibus e pequenos caminhões para a coleta de lixo, por exemplo. Se o lixo não é coletado corretamente, vai para o córrego, que enche na chuva. Da mesma forma, se não há saneamento, o esgoto vai umedecendo o solo, e a encosta umedecida acaba caindo quando vem uma chuva forte.

De que forma a pavimentação ecológica pode ajudar nesse processo de urbanização?
Desde o começo da minha carreira, acompanho e fiscalizo obras de pavimentação de áreas de periferias. E são nesses locais que a gente encontra os maiores desafios. Lá no início dos anos 2000, a gente queria pavimentar mais ruas, agilizar o trabalho, usar a sobra da construção civil, das casas demolidas, por exemplo, para fazer a base do pavimento. Esse material pode ser reciclado e chegar a uma granulometria similar à de um material que você vai comprar em uma pedreira. Fica muito mais barato e dá ao pavimento a mesma propriedade de um material convencional. Trabalhamos isso junto com um sistema de drenagem. Então, você tem uma calçada porosa que vai direcionar a água da chuva por uma espécie de filtro. Ela consegue ir drenando a água para evitar inundações. Em uma ladeira que vai dar em um córrego, por exemplo, o solo chupa a água mais rapidamente e devolve mais demoradamente. Muitos parques e periferias aqui de São Paulo têm essas calçadas drenantes.


Há aí, também, a possibilidade de uma urbanização mais ecológica…
Sim. Para se ter uma ideia, a base de um pavimento mais leve tem aproximadamente 15cm. Imagine o quanto de material retirado do lixo utilizamos para fazer uma rua simples, de 4m de largura e 1km de extensão. Sem falar na geração de empregos. Tem uma usina específica de material reciclado, os catadores, os ferros-velhos… E a gente pode usar materiais reciclados em qualquer tipo de pavimentação, contanto que todos os agregados utilizados sejam submetidos a análises e misturas para que tenham a qualidade do pavimento convencional. É possível baratear a pavimentação sem perder a qualidade.


Entram aí planejamento e vontade política…
É melhor e mais econômico fazer um planejamento de urbanização quando o local está começando a ser habitado e ir acompanhando o crescimento das cidades. Elas, geralmente, vão crescendo ao seu redor, como acontece com Brasília. No início de uma cidade planejada, já se tem uma noção de que ela vai crescer. Então, pode-se, e deve-se, ter um planejamento de pavimentação, de urbanização, de saneamento, para evitar problemas como inundações e surgimento de bairros em áreas de risco. As cidades crescem muito rapidamente. Se você não faz um plano e o coloca em ação imediatamente, quando vai executá-lo mais tarde, a situação já mudou. As cidades aumentam, assim como os perigos e os riscos.

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. (foto: AFP)

“Mulheres, gemer só de prazer. A realidade é outra. Chega de sofrer calada. Ligue 180. Machistas não passarão, acabou para vocês”


Elza Soares,
durante apresentação no Rock in Rio 2019. A cantora brasileira morreu em 20 de janeiro, aos 91 anos


“Não podemos dizer que amamos se somos nocivos ou abusivos. Amor e abuso não podem coexistir. Abuso e negligência são, por definição, opostos a cuidado”

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. (foto: Monica Almeida/The New York Times)

bell hooks, em seu livro Tudo sobre o amor: novas perspectivas. A escritora estadunidense morreu em 15 de dezembro, aos 69 anos

Recorte de cor


40,8% das crianças de 6 e 7 anos não sabiam ler e escrever, segundo seus responsáveis, em 2021. Dois anos antes, quando começou a pandemia da covid, a taxa era de 25,1%.


Considerando apenas as crianças pretas, a taxa sobe para 47,4% em 2021 e para 28,8% em 2019.
Considerando apenas as crianças pardas, a taxa é de 44,5% em 2021 e de 28,2% em 2019.


Considerando apenas as crianças brancas, os números são 35,1% e 20,3% , respectivamente.


Fonte: Nota técnica Impactos da pandemia na alfabetização de crianças, elaborada pela organização da sociedade civil Todos Pela Educação.

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. (foto: Ed Alves/CB/D.A Press )

Caminhos


Combate à evasão
Uma iniciativa lançada neste ano pelo Geledés Instituto da Mulher Negra, em parceria com o Instituto Unibanco, busca mapear e difundir projetos que ajudaram a manter os nossos pequenos na escola, durante a atual crise sanitária. O Prêmio Estratégias de Equidade no Enfrentamento à Evasão Escolar: implicações da covid-19 para a permanência na Educação Básica é aberto a gestores educacionais e escolares e também a representações estudantis. É preciso que as boas práticas tenham sido realizadas em 2020 ou 2021 e contemplem um ou mais dos seguintes recortes: cor/raça, gênero, territórios, deficiências e povos e/ou comunidades tradicionais. Inscrições até 7 de março. Mais informações no site https://www.geledes.org.br/ 


Oportunidade 
Prepare-se para o mercado publicitário


A plataforma de educação SOMA+ abriu 1 mil vagas para a segunda edição de um programa de capacitação gratuita de negros e indígenas moradores de periferias interessados em trabalhar no mercado publicitário. São três meses de formação nas áreas de atendimento, estratégia, produção e criação, com aulas quinzenais, a distância e ministradas por profissionais da agência AKQA SP, além de convidados pontuais. Quem conclui o curso entra em um banco de talentos que pode ser acessado por players interessados em oferecer oportunidades de trabalho. Na primeira turma, 87% dos alunos participaram de entrevistas e 40% já foram contratados. A iniciativa conta com o apoio do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e investimento global da WPP. Inscrições abertas até 14 de março, no site https://somosoma.com/ 

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