A VEZ DELAS

Protagonismo das mulheres nas empresas ganha força

Liderança feminina no mundo corporativo altera a história do patriarcado nas grandes corporações

Jáder Rezende
Mariana Albuquerque*
postado em 20/03/2022 06:00 / atualizado em 20/03/2022 06:00
Elas estão se destacando no mundo corporativo, assumindo cargos de gestão antes dominados por homens, embora a velha política do patriarcado ainda impere. A ordem é continuar na luta por mais direitos e espaços, também nas universidades e empreendendo. -  (crédito: Maurenilson Freire)
Elas estão se destacando no mundo corporativo, assumindo cargos de gestão antes dominados por homens, embora a velha política do patriarcado ainda impere. A ordem é continuar na luta por mais direitos e espaços, também nas universidades e empreendendo. - (crédito: Maurenilson Freire)

Elas estão se destacando no mundo corporativo, assumindo cargos de gestão antes dominados por homens, embora a velha política do patriarcado ainda impere. A ordem é continuar na luta por mais direitos e espaços, também nas universidades e empreendendo.

Cada vez mais mulheres estão se tornando protagonistas no mundo corporativo ao assumir cargos de gestão até então dominados por homens. Pesquisa da Page Executive, uma das maiores empresas mundiais em recrutamento especializado, revela que a presença delas na liderança cresceu 7% entre 2019 e 2020, passando de 30% para 37%. Mas a luta ainda continua para as que buscam um lugar de destaque.

Eleonora Menicucci:  "O protagonismo das mulheres visto hoje é fruto de persistência e de muita luta"
Eleonora Menicucci: "O protagonismo das mulheres visto hoje é fruto de persistência e de muita luta" (foto: Arquivo Pessoal)

Ativista em todas as frentes de luta pelos direitos das mulheres, a socióloga e ex-ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres Eleonora Menicucci foi presa política durante a ditadura militar e, desde que saiu da prisão, em 1974, atua com afinco pela igualdade de direitos. Ela observa que a visibilidade alcançada hoje pelas mulheres tem raízes nos movimentos do gênero. “O protagonismo visto hoje é fruto de muita persistência e de muita luta, desde a conquista do voto feminino em 1932”, diz, observando que esse comportamento ocorre também no mundo do trabalho

Menicucci pondera que a participação feminina no topo das empresas ainda é muito baixa em relação ao percentual da população do gênero, que chegou à marca dos 52%. “Somos maioria, mas ainda não existe salário igual para trabalho igual”, diz. Ainda segundo ela, essa disparidade, fruto do patriarcado e do capitalismo, foi agravada pelas políticas neoliberais implementadas globalmente e, no Brasil, depois do golpe de 2016, que retirou do poder a presidenta Dilma Roussef, resultando no esfacelamento de todas as políticas de direito.

A socióloga considera que, para haver mais mulheres protagonistas no mercado, assim como na política, é imperativo que elas não se calem ante às discriminações. “Todas devem continuar na luta por mais direitos e espaços, seja na rua, seja em casa ou no local de trabalho. Essa luta é constante, já dizia Simone de Beauvoir, Betty Friedan e Emma Goldman. Nos momentos de crise, as mulheres são as mais prejudicadas”, diz Menicucci.

Desconfiança e oportunidade

Para Giovanna Akemi, a falta de confiança constitui grande entrave para as mulheres
Para Giovanna Akemi, a falta de confiança constitui grande entrave para as mulheres (foto: Arquivo Pessoal)

Especialista em gestão de pessoas em empresa privada, Giovanna Akemi, da WizSoluções, argumenta que a falta de oportunidade, aliada à ausência de confiança, lidera as razões pelas quais ainda há poucas mulheres ocupando cargos de chefia. “Isso faz parte de um projeto mais que cultural. É a estrutura em que as mulheres são criadas, e isso só pode ser transformado por meio da comunicação e de estudos, para que elas, cada vez mais, almejem cargos de liderança”, diz.

Lívia Rigueiral acredita que mudança no cenário exige "exercício de adaptação e resiliência"
Lívia Rigueiral acredita que mudança no cenário exige "exercício de adaptação e resiliência" (foto: Divulgação)


CEO da Homer Parcerias Imobiliárias, Lívia Rigueiral avalia que, embora a participação feminina tenha crescido nos últimos anos, atingindo a marca de 45 mil mulheres no setor, apenas 16% das posições de não existe salário igual para trabalho igual”, diz. Ainda segundo ela, essa disparidade, fruto do patriarcado e do capitalismo, foi agravada pelas políticas neoliberais implementadas globalmente e, no Brasil, depois do golpe de 2016, que retirou do poder a presidenta Dilma Roussef, resultando no esfacelamento de todas as políticas de direito. A socióloga considera que, para haver mais mulheres protagonistas no mercado, assim como na política, é imperativo que elas não se calem ante às discriminações. “Todas devem continuar na luta por mais direitos e espaços, seja na rua, seja em casa ou no local de trabalho. Essa luta é constante, já dizia Simone de Beauvoir, Betty Friedan e Emma Goldman. Nos momentos de crise, as mulheres são as mais prejudicadas”, diz Menicucci. liderança são ocupadas por elas.

Rigueiral aponta como principal fator para o aumento da população feminina no ramo o acesso às universidades e a cursos técnicos, apesar da absorção dessa força pelo mercado ser ainda tímida. “Mas, quando o assunto é liderança, é importante lembrar que isso não ocorre por conta da mentoria, na maioria das vezes ocupadas por homens”, diz, apontando ainda o fator maternidade com grande entrave para a manutenção de mulheres em cargos elevados.

Para contornar esses percalços e ampliar a participação feminina no topo das empresas, Rigueiral aconselha o exercício de adaptação às mudanças. “Eu mesma já fui ignorada em situações, como reuniões, somente pelo fato de ser mulher. Para que haja uma mudança significativa nesse cenário, é preciso resiliência, manter a autenticidade. Aprendemos a conviver com formatos de liderança masculina, imponente. As mulheres são bem mais acessíveis, humanas, têm maior empatia e sensibilidade”, afirma. *Estagiária sob a supervisão de Jáder Rezende

Ketty Sanches: "Ser mulher e líder é um terno equilibrar de pratos"
Ketty Sanches: "Ser mulher e líder é um terno equilibrar de pratos" (foto: Milena yukie)

Diretora de gente e comunidade na empresa Neurotech de inteligência artificial no Brasil, Ketty Sanches, 41 anos, considera que ser mulher em um ambiente que lidera pessoas é um eterno “equilibrar pratos”. “A gente tem família, sonhos e se cuida como mulher”, explica. Para a administradora, as dificuldades acerca da ascensão feminina ainda são latentes nos dias de hoje. “O maior desafio é não conseguir enxergar inspirações em grandes cargos de poder. Além disso, é gritante a escassez no mercado de mulheres que venceram lacunas sociais”, diz.

A executiva observa que em pleno século 21 elas ainda enfrentam grandes dificuldades de enquadramento nas empresas. “Podemos querer ter filhos ou não, viajar ou não, sem contar que a mulher leva bem mais tempo para conseguir subir de cargos, por horários que brigam com a vida pessoal”, pondera.

A líder de recursos humanos lembra o desafio enfrentado ao experimentar a maternidade aos 18 anos, viver o mesmo processo aos 22 e, ainda assim, ter alcançado o sonhado doutorado em Valência, na Espanha. “Família é um combustível pra mim. Mesmo eu sendo vista como uma pessoa diferente, não preciso escolher entre a vida profissional e a pessoal. É preciso apenas conciliar”, afirma.

Ketty conta que já passou por situações desconfortáveis com colegas de trabalho, chegando a ser criticada apenas pelo fato de ser mulher. “O preconceito é velado, mas, muitas vezes, bem aberto. É comum escutarmos frases do tipo: ‘esse comportamento é de mulherzinha’, ao se sensibilizar com alguém ou alguma coisa, e até mesmo ser interrompida em uma reunião, não conseguindo ser ouvida em um ambiente majoritariamente masculino”, lamenta.

Executivas no topo

Yana Dumaresq  afirma que, mesmo em momentos descontraídos no ambiente de trabalho, a mulher sofre tentativas de ser calada
Yana Dumaresq afirma que, mesmo em momentos descontraídos no ambiente de trabalho, a mulher sofre tentativas de ser calada (foto: Sarah Noemi)

Para a executiva Yana Dumaresq, 37 anos, a discussão sobre gênero nas empresas deve ser vista por uma perspectiva distinta, dissociando a vida pessoal da profissional. “A verdadeira questão que, como sociedade, precisamos discutir é a sobrecarga imposta à maior parte das mulheres. Cuidar dos filhos, dos afazeres domésticos e de parentes que necessitem de assistência não é atribuição exclusiva da mulher, assim como cuidar da própria carreira e bem-estar não é direito apenas do homem”, analisa a responsável por gerenciar uma das maiores holdings do país, a Meta, controladora do Facebook, Instagram e WhatsApp.

Graduada em relações internacionais pela Universidade de Brasília (UnB) e pela Universidade de Cambridge, a brasiliense observa que a área em que atua é bastante misógina, ainda que de forma velada. “O ambiente para mulheres executivas ainda é hostil e bastante desafiador. Temos que comprovar, a todo instante, nossa capacidade técnica, gerencial e emocional. Muitas vezes, não há crítica direta, mas comentários travestidos de piadas machistas, um falar mais agressivo ou cético direcionado a nós, ou até mesmo uma postura mais ostensiva em nos ignorar, interromper ou corrigir”, relata

Ainda segundo Yana, até mesmo em momentos descontraídos no ambiente de trabalho, a mulher pode sofrer tentativas de ser calada. “Isso já aconteceu no meu dia a dia. Nem sempre os comentários têm teor positivo. Já passei por várias situações difíceis pessoalmente, bem como já presenciei outras mulheres passando por situações hostis”, lembra, descrevendo uma vivida recentemente. “Ao terminar um discurso em um evento internacional, um empresário que, até então, não me conhecia pessoalmente, foi até mim e disse: quando você subiu ao palco, eu pensei, nossa, o que essa menina tem pra falar? Mas, depois que a ouvi, fiquei muito impressionado. Além disso, um chefe em uma reunião de equipe disse que não poderia me promover por eu ser muito nova e meus subordinados, por serem homens, não iriam me respeitar”.

A internacionalista, que também já ouviu frases como: “A senhora é a primeira mulher a se sentar nesta mesa” e “Estamos felizes e orgulhosos junto com você”, afirma fazer questão de compartilhar episódios como esses para mostrar os percalços que as mulheres enfrentam.

O ambiente para mulheres executivas ainda é hostil e bastante desafiador. Temos que comprovar a todo instante nossa capacidade técnica, gerencial e emocional” Yana Dumaresq, executiva na empresa Meta

Luz, câmera, ação

A cineasta Érika Candido afirma não ser reconhecida em muitos projetos por ser mulher e negra
A cineasta Érika Candido afirma não ser reconhecida em muitos projetos por ser mulher e negra (foto: Arquivo Pessoal)

A cineasta Erika Cândido, 38 anos, que assina a produção de obras célebres, como A vida invisível, de Karim Ainouz, premiado no Festival de Cannes em 2019, e diretora do longa-metragem Elza Infinita, lembra que passou por muitos percalços até se firmar na sétima arte. “Uma mulher negra ocupando cargos de liderança em projetos afronta, e muito, qualquer estrutura. Esse questão de mulher negra que lidera, dirige, desenvolve narrativas, precisa ser reforçada, pois existe sempre um lugar que é estrutural e que trabalha para apagar nossas realizações. Por exemplo, não nos dar os devidos créditos, mesmo a gente tendo realizado o trabalho”, diz a diretora executiva da Kilomba Produções.

Para ela, o racismo é um agravante ainda maior quando envolve as mulheres. “Em muitos projetos, não me reconhecem, não apenas por ser mulher, mas por ser uma mulher negra. Preciso me apresentar, reforçar meu lugar de gestora mais vezes, pois o meu corpo não é reconhecido em lugares de liderança e potência”, afirma. Segundo ela, mais que estudo, é necessário esforço para encarar essas situações. “Acredito que as mulheres negras devam viver para o futuro e não lamentar as dores. Nesse contexto, minha família foi um componente importante para que eu chegasse aonde estou hoje”, completa.

Assédio e preconceito

Farda, fraldas e panos de prato fazem parte da rotina de Cristiane Simões, primeira mulher oficial do Corpo de Bombeiros no país
Farda, fraldas e panos de prato fazem parte da rotina de Cristiane Simões, primeira mulher oficial do Corpo de Bombeiros no país (foto: Arquivo Pessoal)

Tenente-Coronel do Corpo de Bombeiros de Brasília e mãe, Cristiane Fernandes Simões, 46, alcançou a façanha de ser a primeira oficial da turma de mulheres bombeiras militar no país. Há 29 anos na função, ela revela que sempre conseguiu conciliar a rotina doméstica com a do serviço, mas com a devida retaguarda. “Graças ao auxílio da minha mãe e de uma ‘ajudadora’. Sem essa rede de apoio, fica mais difícil para qualquer mulher agregar as missões de ser mãe e profissional.

No Brasil, a cada 10 engenheiros cadastrados no Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea), apenas um é do sexo feminino. Além disso, entre os 1,2 milhão de engenheiros registrados no país, somente 13,7% são mulheres. Engenheira de incêndio e pânico formada pelo corpo de bombeiros militar do Distrito Federal, Cristiane Simões conta como é atuar em uma corporação com poderio masculino predominante. “A instituição é uma parcela da sociedade. Então, se na sociedade há machismo, na instituição também haverá. Ao longo desses 29 anos, houve, sim, situações constrangedoras. Foi quando me vi obrigada a adotar algumas posturas para evitar o preconceito e o assédio”, diz, destacando a importância da implementação de projetos sociais que amparem a mulher em diferentes áreas. “As políticas de adequação são fundamentais para a inserção das mulheres em todos os ambientes de trabalho, inclusive nos militares”, afirma.

Fora da curva

Graciela Berlezi administra uma empresa com forte presença masculina
Graciela Berlezi administra uma empresa com forte presença masculina (foto: Bárbarah Queiroz)

A diretora de Vendas da TIM Centro-Oeste e Norte, Graciela Berlezi, alcançou um feito dificilmente vivido por outras mulheres em sua trajetória profissional. Mãe de duas meninas, foi promovida dentro da mesma empresa durante as duas gestações. “Quando recebi a proposta de direção, minha primeira reação foi de espanto, pois estava grávida. Isso me marcou muito, pois fomos educadas a ter preconceitos sobre nós mesmas. Na minha cabeça não fazia sentido, mesmo a gestação fazendo parte da vida de uma mulher”, recorda.

Greaciela se considera “um ponto fora da curva”, ou seja, que faz parte de uma minoria que foi apoiada por sua equipe e, mesmo não se achando a “mulher maravilha”, considera que era ela mesma que deveria ocupar o cargo, pois estava devidamente preparada para assumir aquela posição.

Graduada em administração de empresas pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), com MBA em negócios do varejo pela Fundação Instituto de Administração (FIA), uma das instituições mais bem avaliadas em rankings nacionais e internacionais de educação, "fomos educadas a ter preconceitos sobre nós mesmas. Na minha cabeça não fazia sentido", mesmo a estratégias de negócios digitais pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos Estados Unidos, Graciela atua em uma empresa com forte presença de homens, onde não se sente julgada. “Fui e continuo sendo muito bem acolhida”, diz a executiva de sucesso em um setor tradicionalmente masculino. “Sinto-me uma em um milhão”, afirma, ponderando que, apesar de ter consciência de que as mulheres são tão ou mais preparadas que os homens, elas acabam reféns da insegurança que culturalmente lhes é imposta.

*Estagiária sob a supervisão de Jáder Rezende

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