Eu, Estudante

NOSSOS MESTRES

Conheça Amelinha Araripe, diretora da Escola dos Meninos e Meninas do Parque

A jornalista Mariana Niederauer estreia a coluna Nossos mestres, do Correio, contando a história de Amélia Cristina Araripe, diretora da Escola dos Meninos e Meninas do Parque

Nasceu Amélia Cristina Araripe. Virou Cris. Depois, Amelinha. Hoje, se encontra em Amelinha Cris. A diretora da Escola dos Meninos e Meninas do Parque viveu vários momentos transformadores que a trouxeram até o ponto onde está hoje. Foram encontros e descobertas improváveis, mas que tornaram possível realizar sonhos que às vezes nem ela mesma sabia que tinha.

A infância marcada por histórias de pobreza, na pequena Itaguaí, interior do Rio de Janeiro, a fez vislumbrar trabalhar com assistência social. Os caminhos da sua vida se desenhariam para culminar na realização desse desejo, de uma forma inesperada. Ainda criança, percebeu que a avó, que a cuidou e carregou como que dentro do ventre, amarrada ao seu corpo, bebê prematuro, lutando pela vida desde o nascimento, não sabia ler. Escrevia o próprio nome, Alice, mas nada mais sabia daqueles documentos que chegavam da escola da neta.

Carioca da gema, por muito tempo ganhou a vida como guia de turismo. Conciliava o trabalho com o curso de ciências sociais quando teve um encontro que mudaria seu destino para sempre. No percurso para uma das aulas, esbarrou em um auditório cheio. Um homem barbudo, de cabelos grisalhos, vestindo blazer falava. Perguntou quem era. "Como é que você não conhece? É Paulo Freire!", bradou a interlocutora.

"Eu mudei o meu curso no outro dia para pedagogia, de tão encantada que eu fiquei de ouvir aquele homem", conta Amelinha. Avisou ao pai e comprou livros para mergulhar na obra do patrono da educação brasileira. "Meu pai falou: 'Minha filha, você tem que ser contadora'. E eu respondi: 'Pai, eu serei contadora de histórias'", recorda-se. Foi aí que nasceu a educadora em Amelinha. A preparação formal veio aos poucos, interrompida por um grave acidente de carro que exigiu longo período de recuperação. "Eu sempre brinco que fiquei mais tempo na pedagogia do que se tivesse feito medicina, por exemplo."

Encontrou Brasília por meio de um pedido para integrar a equipe do então ministro da Educação, Jorge Bornhausen. Pouco depois, o político deixou o cargo. Ela, então, terminou o curso de pedagogia no Ceub e logo encontrou trabalho no Indi Bibia, no Lago Norte, e, em 1995, entrou para o quadro de professores do Arvense, na Asa Norte. Em 2001, passou a integrar a equipe de professores da Secretaria de Educação do DF.

E a chegada à Escola dos Meninos e Meninas do Parque, que atende a pessoas em situação de rua, veio como um presente para a menina que sonhava em trabalhar com assistência social. Em 2022, completa 20 anos de uma parceria de sucesso. "Trabalhar com o conhecimento formal sem ver a pessoa por inteiro não tem como", analisa. "Você precisa ver o sujeito enquanto cidadão, cidadã, que tem de ter os seus direitos à educação garantidos. Isso está muito claro no currículo e nas estratégias da EJA (Educação de Jovens e Adultos)."

E os resultados vêm como recompensa de um trabalho humanizado. "A nossa escola é campeã desde 2014 no Circuito de Ciências das Escolas Públicas do Distrito Federal, na modalidade EJA", orgulha-se Amelinha.

Mariana Niederauer/CB/D.A. Press - .

Hoje, aos 57 anos, ela exibe o sorriso e exala a energia de quem cumpriu muitas missões. O abrigo para a mente e a alma são os haikais. Amelinha adora uma conversa, e sabia que, se fosse para escrever, precisava encontrar uma estratégia de concisão. A poesia com poucas sílabas acabou como o abrigo perfeito para essa intenção.

De tão acostumados que estão de vê-la em sala de aula ou pelos corredores de uma escola, alguns se espantam ao ouvir que ela não pretende seguir os trilhos da educação para o resto da vida. O objetivo para um momento futuro é vender dindin gourmet em qualquer lugar que a permita ouvir o som do mar. "Acho que isso explica um pouco a pessoa que eu sou. Eu sou uma pessoa intensa, eu preciso viver as coisas intensamente."

 

  • A coluna Nossos mestres será publicada todo último domingo do mês neste caderno. Não perca a próxima edição!