"Não queremos mais esperar", responde Tom Mendes (foto) quando questionado sobre a presença de negros e negras em cargos de liderança. O diretor financeiro-administrativo do Instituto Identidades do Brasil (ID_BR) avalia que há uma maior abertura, por parte das organizações, para diversificar os quadros — muito pressionadas por questões internacionais, como os desdobramentos nos mercados do movimento Vidas Negras Importam. Porém, enfatiza que ainda são grandes as resistências para diversificar esses espaços de poder.
Entre as saídas indicadas para "quebrar os paradigmas" estão sensibilizar os funcionários para questões ligadas à temática racial e fazer com que essa pauta tenha lugar garantido na mesa de "todo o CEO". Essas são algumas das atividades desenvolvidas, há seis anos, pelo ID-Br com empresas parceiras de setores diversos. Tom contou à coluna o que fizeram e o que aprenderam nessa caminhada.
Quais são critérios considerados pelo instituto para dizer que uma empresa é antirracista?
Falamos em empresas que estão em uma jornada antirracista. Essas empresas têm metas, métricas, investimento e prazos voltados para a pauta racial. Ou seja, elas têm que saber o seu cenário atual, entender aonde querem chegar, avaliar o tempo inteiro como têm atuado nesse propósito, se estão dentro do previsto e investirem na mudança. Não existe diversidade e inclusão, não existe uma jornada antirracista, se você não investe dinheiro nisso. Quando as empresas falam em compliance, em processos, elas investem. Mas quando se fala em diversidade racial, é sempre um grande empecilho, é sempre com pouco investimento, com improviso. Esse panorama está mudando um pouco, mas tem muito a melhorar. Pensando em questões mais práticas, é preciso, por exemplo, ter lideranças engajadas na pauta racial. Quando falo de lideranças, falo em alta cúpula. Hoje, há uma conversa, ainda bem inicial, sobre a participação de negros em cargos de conselho, o que é quase nulo aqui no Brasil. Além disso, é preciso treinar os funcionários, de ponta a ponta, para as questões ligadas à diversidade. Todos precisam estar sensibilizados.
Os programas afirmativos de trainee podem, de fato, ajudar nessa construção de uma cultura empresarial menos racista?
Essa é uma questão delicada. Quando falamos de políticas ou programas destinados a pessoas pobres, muito vulneráveis, tem um apelo muito grande por parte dos empresários. Geralmente, essas ações têm a intenção de tirar uma pessoa de uma situação ruim para uma menos pior. Atuar nesse lugar da pobreza é bacana, claro, mas tem um limite. Essa pessoa que foi ajudada, provavelmente, não entrará na empresa de quem a ajudou. Quando se fala em programa de trainee, é diferente. A Magazine Luiza, por exemplo, selecionou 19 pessoas que podem transformar a própria vida ficando ou não na empresa. Há um negro em um posto de liderança que vai ter acesso a lazer, terapia, cultura, vai melhorar a moradia, a vida dos pais, dos filhos, dos netos. Ou seja, há uma quebra de paradigmas. Esses trainees começam também a disputar espaços de poder, a se destacar em um Brasil racista. Para alguns, quando essas iniciativas crescem, elas passam a ser um problema. Os programas são maravilhosos, mas acho que, em algum momento, eles podem encontrar resistência inclusive por parte de pessoas, de empresários, que os apoiaram inicialmente.
Como se preparar para isso?
É um desafio, vamos precisar de muitas forças. A gente precisa da força do entretenimento, da comunicação e da educação para reverberar os casos de pessoas negras em postos de lideranças, no sentido de normalizar essa condição. O negro que chega aos cargos de poder, de poder de caneta, não pode ser mais exceção. Hoje, a pauta racial tem que estar na mesa de todo o CEO do Brasil.
Na mesa de quem pode recrutar, também..
Sim. Para cargos de liderança, geralmente, não há processo seletivo, são indicações. Uma pergunta que sempre faço para as pessoas é: "Se você fosse uma pessoa não negra ocupando um cargo de liderança e tivesse que escolher alguém para te substituir ou ser um par, quem você escolheria?" A nossa tendência é indicar alguém de confiança, do ciclo de amizades. Aí, eu pergunto também: "Mas qual é a cor dos seus amigos? Quem você convida para ir à festa de aniversário dos seus filhos?" Essas nuances são as piores de serem enfrentadas. Tem uma projeção feita pelo Instituto Ethos indicando que vai demorar 150 anos para igualarmos o número de executivos negros e brancos no Brasil. Temos que encurtar esse período, e o papel do ID_BR é isso. A cada ano, andar 10, 15 anos. Não queremos mais esperar.
E no caso de cargos menos gerenciais?
Nas seleções, sabemos quem foi privilegiado, quem teve que trabalhar e estudar ao mesmo tempo, quem fez intercâmbio com 12 anos de idade. Ainda têm a questão de vincular negros e negras a determinadas profissões e o entendimento generalizado que somos inferiores intelectulamente. Esses vieses fazem parte da seleção de emprego, que, na maioria dos casos, é feita por pessoas brancas. Não importa o quanto você é qualificado, sempre encontram um problema que não está no seu currículo. O grande objetivo do instituto é romper isso. Queremos gerar investimentos e oportunidades.
O negro que chega aos cargos de poder, de poder de caneta, não pode ser mais exceção. Hoje, a pauta racial tem que estar na mesa de todo o CEO do Brasil
Premiação
No próximo dia 28, o instituto divulgará os vencedores da quinta edição do prêmio Sim à Igualdade Racial. A iniciativa reconhece pessoas, empresas, iniciativas e organizações com atuações de destaque considerando três pilares: cultura, educação e empregabilidade. A cerimônia será transmitida no canal do ID_BR no YouTube, às 18h.
Recortes de cor
85% das empresas brasileiras aceleraram os esforços, nos últimos 12 meses, em iniciativas voltadas à igualdade e à inclusão.
14% reconhecem que as políticas foram, de fato, efetivas.
69% indicam que o principal obstáculo é transformar a intenção em iniciativas pragmáticas, mostra pesquisa da consultoria Korn Ferry com 250 organizações de setores e portes diversos.
39% dos profissionais pretos e pardos brasileiros já foram discriminados no trabalho por causa da cor da pele.
61% decidiram não denunciar por medo.
48% dos crimes foram cometidos por superiores, revela levantamento da empresa de tecnologia para recursos humanos InfoJobs.
Sim às cotas
UNE finaliza clipe
A União Nacional dos Estudantes (Une) segue firme na campanha em prol da manutenção das cotas nas universidades federais, lançada em março. Mês que vem será divulgado o clipe Cotas abrem portas, gravado na Universidade de São Paulo (USP) com estudantes, integrantes do movimento negro, indígenas e populares. "Queremos impactar a sociedade para lutar e comemorar as cotas, essa política pública que tem garantido a popularização da universidade. Quem ganha com as cotas é o Brasil", diz Bruna Brelaz, presidente da UNE, que participou das gravações (foto). Também estão previstos debates em universidades e o mapeamento da postura de parlamentares no Congresso Nacional quanto à revisão da lei, com validade até agosto.
Auxílio permanência na UFF
A Universidade Federal Fluminense (UFF) vai conceder uma ajuda financeira a aprovados, no primeiro semestre deste ano, pelo sistema de cotas que estejam em situação de vulnerabilidade socioeconômica. Ao todo, 1.100 graduandos deverão ser beneficiados, ainda neste mês, com um auxílio único de R$ 500. "O nosso objetivo, mais do que nunca, é possibilitar a permanência do estudante no ensino superior e contribuir para a redução das taxas de evasão e retenção na universidade", enfatizou, em comunicado, Leonardo Vargas, pró-reitor de Assuntos Estudantis da instituição de ensino.
Educação
Desaprendendo o racismo
A roda de conversa começa de forma provocativa: "Por que temos cores de pele diferentes?". Ao longo de uma hora, usando vídeos, desenhos infantis, campanhas de conscientização e as próprias vivências, o professor André Lúcio Bento ajuda jovens a compreenderem que o racismo é uma ideologia e uma prática que se aprende culturalmente. "A ideia é fazer com que os alunos percebam que certos comportamentos, palavras e brincadeiras têm fundo discriminatório do ponto de vista racial; e que tudo isso é fruto de aprendizagens", diz. Um dos encontros ocorreu, no último dia 2, no Centro de Ensino Fundamental 4 de Brasília, na Asa Sul (foto). A próxima edição das "Aulas para entender e desaprender o racismo" ocorrerá na próxima quarta-feira, no Centro de Ensino Fundamental 3 de Brazlândia. Amanhã, às 8h30 e às 13h30, André Lúcio comanda, no Centro Interescolar de Línguas do Gama, uma conversa com professores e professoras da cidade sobre os baobás, a tradicional árvore africana que tem exemplares espalhados pelo DF, também em uma perspectiva antirracista. Que venham novos bate-papos!
Cultura
Sempre Elza
Que Elza Soares é eterna, não há dúvidas. E não faltam motivos para reforçar a potência dessa brasileira. No último dia 26, o documentário Elza infinita foi premiado no tradicional New York Festivals TV & Film Awards. Dirigido por Erika Candido e Natara Ney, da Kilomba Produções, o filme recebeu o troféu de prata na categoria documentário/biografia. Quatro dias antes, chegava às plataformas digitais um single póstumo da cantora — uma versão inédita de Meu guri gravada no Theatro Municipal de São Paulo, dois dias antes de sua morte. A música de Chico Buarque faz parte do disco e DVD Elza ao vivo no Municipal, que foi lançado na última sexta-feira.
Participe
Top Cufa DF
Estão abertas até o próximo dia 26 as inscrições para o concurso de moda da Central Única das Favelas (Cufa) do Distrito Federal. A sexta edição é aberta a jovens com 15 a 29 anos, residentes em favelas e/ou comunidades do DF e do Entorno. Os interessados devem acessar o site https://topcufadf.com.br e escolher entre as categorias fashion, direcionada para passarelas, ou street style, voltada para outras áreas como a publicidade. A final do evento Top Cufa DF está prevista para o fim de junho, com atrações musicais, feira de produtos e serviços de beleza, estética, moda e turismo.