Vulnerabilidade

Erradicação do trabalho infantil é missão quase impossível

No Dia Nacional de luta contra essa modalidade de ocupação, entidades chamam a atenção para a necessidade de políticas públicas eficientes

Jáder Rezende
postado em 12/06/2022 00:01
 (crédito: Jáder Rezende/CB/D.A Press)
(crédito: Jáder Rezende/CB/D.A Press)

A pandemia de covid-19 instaurada no planeta afetou em cheio o mercado de trabalho, provocando efeitos estarrecedores, sobretudo em famílias de baixa renda. Os índices de pobreza e desproteção social culminaram em ainda mais crianças e jovens nas ruas, em busca de complementar a renda familiar. Neste 12 de junho, marcado pela luta contra o trabalho infantil, entidades que atuam na erradicação dessa modalidade de mão de obra alertam que, sem estratégias de prevenção, sobretudo governamentais, o número de crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil tende a aumentar ainda mais.

Para marcar a data, o Ministério Público do Trabalho (MPT), a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI) e o Programa de Combate ao Trabalho Infantil e Estímulo à Aprendizagem da Justiça do Trabalho lançaram a campanha nacional "Proteção Social para Acabar com o Trabalho Infantil".

A ação reforça a necessidade da ampliação de políticas públicas para redução da pobreza e da vulnerabilidade socioeconômica das famílias, visando a redução das principais causas que levam crianças e adolescentes ao mercado informal. De acordo com a Constituição, o ingresso no mercado de trabalho é proibido no Brasil para quem ainda não completou 16 anos, como regra geral, mas, na condição de aprendiz, é permitido a partir dos 14 anos, desde que não seja noturno, perigoso e insalubre .

O último levantamento da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), mostra que em 2019 havia 1,8 milhão de crianças e jovens trabalhando, 1,3 milhão em atividades econômicas e 463 mil em atividades de autoconsumo. Por faixa etária, o levantamento mostra que uma a cada cinco tinha 5 a 13 anos; uma a cada quatro de 14 e 15 anos e a maioria entre 16 e 17 anos.

Aos 16 anos, o adolescente N.S começou a vender panos de chão nas ruas de Brasília para ajudar no sustento da família. Há, pelo menos um ano, passa a maior parte do dia nos semáforos da Asa Sul oferecendo o produto. O adolescente, que abandonou os estudos na 8ª série, afirma não ter "vontade nem tempo" para retornar à sala de aula.

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"Sei ler e escrever, mas vendendo panos no sinal dá para garantir o suficiente para ajudar lá em casa", diz. Sem ter tomado ainda uma única dose da vacina contra covid, NS segue sua rotina entre o Plano Piloto e Santa Maria. Se recusa a usar máscara e enfrenta quatro horas de ônibus para ir e voltar para casa. "Só faço trabalhar, não tenho tempo nem para me divertir", conta.

Entidades como a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e o Banco Mundial (Bird), no entanto, afirmam que os números são bem maiores. De acordo com o Bird, até sete vezes mais. O secretário de Políticas Sociais e Direitos Humanos da CUT, Ismael José César, observa que o estudo do IBGE não contempla as milhares de famílias afetadas durante a pandemia.

"Com certeza, temos hoje pelo menos 2,3 milhões de crianças e adolescentes nessa situação. E a tendência é aumentar ainda mais, levando-se em conta, principalmente, o desemprego crescente. São milhares de famílias sem perspectiva alguma, em situação de flagelo. O quadro do Brasil é alarmante", diz César, frisando que a geração de emprego e a efetivação de políticas sociais são os principais fatores a serem equacionados para reverter esse quadro.

"É melhor trabalhar do que roubar"

Organização Internacional do Trabalho chama a atenção para "banalização" do trabalho infantil no Brasil e no mundo

Coordenadora do Programa de Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho no Escritório da Organização Internacional do Trabalho para o Brasil (OIT), Maria Cláudia Falcão observa que a redução expressiva dos números relacionados ao trabalho na infância, indicada pelo IBGE, dificulta o combate a essa prática. No início dos anos 90, o instituto contabilizava 8 milhões de jovens atuando informalmente no mercado de trabalho. "Como qualquer outro fenômeno social, quanto menor as taxas, mais difícil se torna o enfrentamento", diz Falcão, observando ser fundamental a formulação de políticas públicas específicas, sobretudo na esfera municipal.

"É preciso analisar cada um desses públicos e ter políticas direcionadas. O IBGE é um órgão reconhecido mundialmente, que detém a maior base de dados em relação ao trabalho. Mas há determinadas formas que ficam ocultas, difíceis de serem capturadas e que devem ser aprimoradas, como a exploração sexual e o tráfico de drogas", afirma Falcão.

Ainda segundo ela, a naturalização do trabalho infantil é outro ponto a ser combatido. Ela aponta como exemplo o velho jargão "é melhor trabalhar do que roubar ou estar na rua". "Deve-se investir em famílias com crianças, garantir escola, trabalho para os pais, chamar a atenção para essas famílias", alerta.

Falcão observa que na 5ª Conferência sobre Eliminação do Trabalho Infantil realizada em maio em Durban, na África do Sul, foi evidenciado que a meta do Brasil estabelecida junto à Organização das Nações Unidas (ONU), de erradicar o trabalho infantil até 2025, dificilmente será alcançada.

Para a ONU, é iminente o risco de crianças e adolescentes em situação de trabalho não concluírem os estudos. Aos 17 anos Rafael Ciqueira foi mais um a abandonar a escola para trabalhar como camelô nas ruas do DF. Há um ano ele deixou a pequena Dianópolis, no Tocantins, para "mudar de vida", segundo os passos dos três irmãos.

Com 18 anos recém-completados, Rafael conta que sua meta é economizar R$ 30 mil para comprar um carro e "virar patrão". O adolescente, que abandonou a escola antes de concluir o segundo ano do ensino médio, diz não ter se arrependido dessa decisão. "Vendendo panos de chão, de prato e sacos de lixo, consigo ganhar até R$ 2.500 por mês. É melhor ficar na rua do que trabalhar de garçom", gaba-se. "Já juntei R$ 6 mil e, quando tiver meu carro, vou colocar gente em vários lugares para trabalhar para mim", sonha.

O adolescente costuma vender seus produtos sempre na W3, altura da 703 Sul, e afirma que os pais não se importam com o fato dele ter abandonado os estudos para trabalhar longe de casa."Para eles, o que importa é que eu estou me virando", afirma.

 

 

 

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    . Foto: Jáder Rezende
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  • O adolescente NS, 17 anos, vende panos de chão e sacos de lixo na W3 Sul: sem tempo para diversão
    O adolescente NS, 17 anos, vende panos de chão e sacos de lixo na W3 Sul: sem tempo para diversão Foto: Jáder Rezende/CB/D.A Press
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