Proteção

STF amplia prazo de licença paternidade

Decisão inédita do Supremo Tribunal Federal beneficiou pai solteiro Marco Antônio Alves Ribeiro, que teve filhas gêmeas geradas nos Estados Unidos por meio de fertilização in vitro e barriga de aluguel

Diogo Albuquerque*
postado em 19/06/2022 00:01
 (crédito: Arquivo pessoal)
(crédito: Arquivo pessoal)

Uma decisão recente e sem precedentes na história do país garantiu a um pai solteiro o direito à extensão da licença maternidade por seis meses, além do benefício previdenciário de salário-maternidade também por 180 dias. A deliberação do Supremo Tribunal Federal (STF) vale agora para todos os casos semelhantes e beneficiará outros pais solos. 

No último dia 12 de maio, o STF decidiu, por unanimidade, que o direito da licença não é da mãe nem do pai, mas sim da criança, que necessita da presença das duas figuras paternas nos primeiros momentos de vida. A decisão veio após o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) recorrer da decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), que concedeu a licença de 180 dias ao pai solteiro Marco Antônio Alves Ribeiro, em 2014.

Ribeiro, 58 anos, é médico e teve filhas gêmeas por meio de fertilização in vitro geradas em barriga de aluguel. Ele conta que, inicialmente, ficou três meses nos Estados Unidos para tentar a fertilização in vitro, na expectativa de que os gêmeos fossem nascer com 32 semanas de gestação, durante o seu período de férias. No entanto, elas nasceram duas semanas antes.

Na época, ele ainda não tinha o passaporte das filhas e precisou viajar às pressas para Estados Unidos, se vendo obrigado se a afastar do trabalho subitamente. O médico procurou, então, o advogado Biovane Ribeiro para tentar o direito à licença de seis meses. A defesa conseguiu, em primeira instância, uma liminar garantindo o direito à licença e ao salário. Em seguida, a procuradoria do INSS recorreu, e Marco perdeu a causa na segunda instância. Neste ano, o advogado impetrou recurso extraordinário no STF, que garantiu, por unanimidade, a licença de 180 dias a Ribeiro, abrindo, assim, precedente para casos semelhantes.

Na audiência, o procurador geral da República, Augusto Aras, destacou os princípios da isonomia e proteção integral da criança que, segundo ele, devem ser tratados com absoluta prioridade. Aras afirmou, ainda, que crianças que só tenham um genitor não podem ficar desprotegidas. "O estado deve, portanto, considerar a possibilidade de um pai solo exercer a parentalidade", declarou, acrescentando que "em outros países não existe mais distinção entre licença-maternidade e paternidade e, sim, fala-se em licença parental, para conciliar ambos os direitos de pais assistir à sua prole de forma extensiva."

O relator do processo, ministro Alexandre de Moraes, citou o artigo 227 da Constituição Federal, que garante proteção integral à criança com absoluta prioridade, destacando que "a licença-maternidade prevista na Constituição estende-se ao pai, genitor monoparental, em respeito ao princípio de isonomia de direitos entre o homem e a mulher".

Interpretação

Também votando favorável ao pai, o ministro André Mendonça argumentou que os tempos são outros e que atualmente o que se espera é o compartilhamento das responsabilidades em relação à educação dos filhos. "Uma visão mais adequada, hoje, é interpretarmos essas licenças de maternidade e paternidade não como um direito do pai ou da mãe, mas como uma forma de cumprimento dos deveres dos pais em relação aos filhos e à criação desses filhos", frisou o ministro.

Ribeiro conta que as crianças ficaram internadas na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) por dois meses e teve que enfrentar uma série de contratempos mesmo depois de levá-las para casa. "Estava sozinho, sem ajuda, e precisava alimentá-las de duas em duas horas", recorda o médico, que precisou permanecer nos Estados Unidos por mais tempo que o planejado, se vendo obrigado a vender todos os bens que tinha no Brasil para cuidar das filhas. Segundo ele, foram dois anos de dedicação extrema, até que as crianças pudessem embarcar para o Brasil. "Entrei em um quadro de depressão e acabei me afastando pelo INSS", relatou.

O retorno, no entanto, não foi bem o esperado. Ele conta que sofreu e ainda sofre preconceito e discriminação no trabalho, pelo fato de ser homossexual e, principalmente, por ter conquistado na justiça o direito a permanecer com as filhas por mais tempo. "A perseguição foi tamanha que até mesmo os atendimentos que fazia deixaram de ser agendados. Dessa forma, não podia sequer computar minha entrada e saída no trabalho", conta, revelando que ainda hoje essa discriminação persiste. 

Ele acredita que o Poder Judiciário no Brasil está se modificando e se adaptando ao momento atual, já que as famílias estão ficando cada vez mais diversificadas. "Aquela sociedade patriarcal não existe mais. É fundamental esse tipo de tratamento para qualquer cidadão, no sentido de isonomia. A licença é para cuidar de alguém que precisa da gente", ressalta Ribeiro, mais uma defender que o homem deve participar com afinco do processo de criação dos filhos desde a mais tenra idade.

Segundo o advogado Solon Tepedino, especialista na área de trabalho, ainda que a medida tenha sido concedida a um servidor público, ela cria novas decisões e vale também para casos semelhantes de pais solo que não sejam servidores, inclusive em empresas privadas.

Renato Couto, 33 anos, advogado e consultor jurídico legislativo, reforça que a proteção social prevista no artigo 227 da Constituição Federal demanda o entendimento de que, independentemente da forma de família, o principal interesse é o da criança, que merece proteção especial, sobretudo nos primeiros momentos da vida, quando demanda maior atenção e cuidado. Por isso, o direito deve ser concedido, para que o pai possa cuidar da criança e promover a assistência necessária. (D.A.)

 

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    . Foto: Arquivo pessoal
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    . Foto: Arquivo pessoal
  • Marco Antônio segurando os gêmeos
    Marco Antônio segurando os gêmeos Foto: Arquivo pessoal

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