Entrevista

"Faculdades fomentam a cultura do litígio"

Autor de estudo sobre negociações trabalhistas malconduzidas, o juiz Rogério Neiva vê falhas gritantes nas formulações de propostas tanto da defesa do funcionário quanto da companhia

Jáder Rezende
postado em 26/06/2022 00:01 / atualizado em 28/06/2022 20:33
 (crédito: Awrquivo pessoal)
(crédito: Awrquivo pessoal)

Em sua pesquisa, o senhor mostra que as empresas podem ter prejuízo bilionário ao ano por não negociar de forma correta acordos trabalhistas na fase de conciliação. Quais São as principais falhas das empresas nesse processo?

Considero que são duas falhas distintas. Uma corresponde ao não aproveitamento da oportunidade de solucionar o processo por meio do acordo. O dado apurado levou em consideração a proposta certa apresentada pela parte contrária, ou seja, o trabalhador, e o resultado final do processo estabelecido pela sentença. Portanto, estamos falando de uma possibilidade certa de solução que a empresa tinha na mão, pois a proposta estava na mesa, que foi descartada.

O senhor afirma, ainda, que em apenas 21% dos casos o trabalhador perde ao não aceitar a proposta da empresa, ou seja, acaba recebendo um valor superior ao final do processo, rejeitando o acordo. O que levaria a defesa do funcionário a falhar?

Na grande maioria das vezes, o trabalhador toma uma decisão otimizadora ao rejeitar a proposta da empresa. Mas quanto a esses casos em que o trabalhador rejeita a proposta e, ao final, recebe menos, a falha também seria na avaliação adequada dos riscos do resultado. No fundo, o que a pesquisa mostra, é que as partes e advogados estão falhando na formulação das propostas de acordo e na análise dos riscos do resultado do processo. Isso pode ser compreendido pelo fato de que no Brasil a cultura é do litígio, da briga, da disputa. Os advogados são formados para o embate, e não para buscar uma solução melhor para o seu cliente, que não decorra da disputa, mas, sim, do acordo.

O senhor vê alguma falha no processo de formação de advogados no país?

As faculdades e os advogados formados focam na capacitação para a disputa. Buscam estudar para litigar, por exemplo, sobre como fazer a melhor petição, o melhor recurso, a melhor estratégia de ataque, de defesa e etc. Mas não estudam sobre como resolver, por meio de acordos, por exemplo, como construir uma proposta e como fazer uma análise de risco do resultado do processo. Além de perderem boas oportunidades e de resolver conflitos de maneira mais eficiente, fomentam a cultura do litígio, comprometem a pacificação social e sobrecarregam o Judiciário, que precisa sempre estar sendo ampliado e é mantido com recursos públicos. Isto é, todo mundo sai perdendo. Precisamos entender que solucionar processos por meio de acordos, além de contribuir com uma sociedade mais harmônica, pode ser mais eficiente para todos.

Pontua, em seu estudo, que a reforma trabalhista trouxe resultados positivos para ambas as partes, empresa e empregado. Como ocorrem esses faotres?

A reforma estabeleceu a regra de que o valor da causa deve ser real. Isso significa que ele deve corresponder ao valor que realmente está sendo demandado. Antes da reforma não havia consequências nem imposição expressa para que o valor da causa tivesse a mencionada característica, pois o advogado poderia lançar um valor qualquer de forma aleatória, sem relação alguma com o que estava sendo demandado. Por exemplo, numa ação em que se buscasse uma condenação de R$ 10 mil, colocar como valor da causa R$ 100 mil. A reforma acabou com isso, o que a pesquisa mostrou ter sido positivo, melhorando a qualidade das propostas de acordo.

Como chegou à conclusão da estimativa de prejuízo para as empresas por não negociarem corretamente acordos trabalhistas,
da ordem de R$ 2 bilhões
ao ano?

Primeiro que trata-se de uma estimativa e projeção. Para isso, foi considerado o universo de casos em que a empresa leva a pior e em qual tamanho é esse prejuízo. Essa estimativa foi aplicada ao universo de valores que são pagos anualmente aos trabalhadores, fornecido no relatório estatístico da Justiça do Trabalho.

 

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