O Brasil é detentor da maior parcela de investimento em empresas de tecnologia educacional — as edtechs — da América Latina e do Caribe (ALC). Entre 2010 e 2021, o setor movimentou US$ 474 milhões, o que representa pouco mais da metade do financiamento total para esse tipo de startups em toda a América Latina.
Os dados, constatados pelo estudo Tecnologia Educacional na América Latina e no Caribe, publicado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) no fim de junho deste ano, fez com que a instituição classificasse o país como o maior e mais maduro ecossistema de tecnologia educacional da região. Apenas em 2021, o investimento de capital privado em soluções tecnológicas em educação registrou cresceu seis vezes mais no Brasil e nas outras nações da ALC. São 1,5 mil edtechs latinas, 886 (62%) em solo brasileiro.
O cenário revela um setor de oportunidades para quem deseja ter lucro e sucesso profissional por meio do empreendedorismo, mas se tornou menos intenso em outros setores devido a crise econômica vivida no país.
"O investimento em empreendedorismo na educação só tem aumentado. Acredito que nos próximos cinco anos crescerá ainda mais. Quem quiser entrar no ramo pode ter certeza de que haverá muita oportunidade", disse a co-fundadora da Eleva Educação, maior grupo de educação básica do Brasil, Duda Falcão, durante debate sobre o assunto promovido pelo Festival Led — Luz na Educação, patrocinado pela Fundação Roberto Marinho e Organizações Globo, em 8 e 9 de julho, no Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro. O evento reuniu mais de 100 palestrantes e empreendedores em ensino, que discutiram e fomentaram soluções inovadoras em educação com a sociedade.
Entre os nichos mais oportunos para empreender na área, especialistas apontaram inovações em estratégias de ensino — como a gameficação —, ensino com currículo focado para competências socioemocionais e suporte tecnológico para instituições de ensino tradicionais. No entanto, segundo eles, a facilitação do acesso à educação ainda é a área de maior sucesso no setor — ensino a distância, aprendizagem customizada e reforço escolar são alguns exemplos na área.
Em relação às etapas educacionais, o ensino superior foi apontado como o que recebe maior investimento no Brasil, com 38% dos recursos injetados em edtechs, que propiciam graduação em algum nível ou soluções tecnológicas para instituições de ensino tradicionais. A educação básica é o segundo setor que recebe maior investimento, com 30% dos financiamentos. Empresas voltadas para capacitação de força de trabalho (31%) e pré-escolas (1%) são os outros setores que recebem investimento de capital privado.
Financiamentos
Para aqueles que desejam apoio para começar a empreender na área, buscar grupos de investimento é um dos melhores meios para tirar do papel o projeto — os investidores podem oferecer, no mínimo, entre R$ 100 a R$ 500 mil para edtechs no início das atividades. Outra forma de dar o start no empreendedorismo é a inscrição em editais da iniciativa privada ou mista. A Fundação Roberto Marinho, por exemplo, premiou, no último mês, seis soluções inovadoras em educação, com R$ 200 mil cada. A fundação afirma que tem intenção de lançar o edital de suporte financeiro anualmente.
Mudar o mundo
Duda Falcão pontua que o nicho de empreendedorismo das edtechs deve ir além da realização pessoal de um fundador ou de um grupo investidor. Segundo ela, deve representar uma forma de promover mudança social no país. "Em outras palavras, empreender em educação é ter a missão e ter a possibilidade real de mudar o Brasil", afirma a empresária, que coordena o empreendimento educacional em diversos estados do país e no Distrito Federal, nos colégios Sigma e Ideal.
A constatação da empresária está alinhada às conclusões do relatório do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), que apregoa que investir nas edtechs é uma das formas mais eficazes de promover "um sistema educacional forte e resiliente, essencial para uma região onde os níveis de desigualdade são os mais altos do mundo".
"As edtechs têm papel fundamental no Brasil ao falar de desigualdade crônica. Ao chegar no ensino médio, então, começamos a ter indicadores onde ficamos atrás até da média da América Latina", aponta Duda. Ela afirma que as empresas educacionais "democratizam a educação" por oferecer soluções para problemas educacionais antigos, receber capital para oferecer bolsas para quem não pode pagar os estudos e proporcionar educação tecnológica e mercadológica para adultos — a forma mais rápida de equipar a chamada força de trabalho para diminuir o desemprego e a pobreza.
Edu Lyra, fundador da ONG Gerando Falcões, que promove educação e assistência social nas favelas do Rio de Janeiro, concorda com a missão social do empreendedorismo educacional. "Empreender é uma missão, é responder qual é o problema que você quer resolver no mundo", declarou ele, no Festival LED. "Se existe tecnologia para mandar alguém para Marte e fazer com que Elon Musk prometa colonizar esse planeta até 2054, existem maneiras de erradicar a desigualdade social. E educação é a principal maneira de fazer isso", frisa.
Formação a distância para o Enem
Há 11 anos, a edtech Descomplica inaugurou o setor de tecnologia educacional com foco na educação a distância, visando o atendimento a estudantes do ensino médio. A ordem foi garantir acesso a cursinho preparatório para vestibular e o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), com dinamismo e a qualidade de grandes instituições de ensino. "O máximo de educação a distância que a gente conhecia era a televisão, com os telecursos. Empreender em educação era um negócio no país, mas não havia as edtechs", explica o diretor executivo de aprendizagem do Descomplica, Rafael Cunha.
Idealizado por Marco Fisbhen, fundador e CEO da startup, o Descomplica figura no relatório do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) como a maior empresa de educação on-line do Brasil. A ideia, segundo ele, é oferecer educação de qualidade para pessoas de baixa renda e atacar o problema histórico da desigualdade no acesso à educação.
"Em 2011, um cursinho pré-vestibular nesse nível custava em torno de R$ 2 mil. Hoje em dia, seria muito mais. Naquela época, oferecemos o Descomplica por R$ 5,90 por mês. Era uma diferença brutal, e com professores super gabaritados", lembra Cunha. Neste ano, a startup passou a oferecer planos de até R$ 19,90 e bolsas para estudantes em situação de vulnerabilidade social.
A startup adotou o edutainment, um design de aprendizagem que mescla o ensino com entretenimento. "A ideia é fazer com que o conteúdo seja materializado em elementos do cotidiano, como forma de ser mais absorvido pelo aluno", detalha Cunha. O resultado, segundo ele, é um alto desempenho nos exames vestibulares: alunos, bolsistas e não bolsistas, obtêm, em média, notas 8% a 31% mais altas ao se prepararem com o Descomplica.
Inovação brasiliense
Em 2020, a administradora de negócios Nathália Kelday, 33 anos, decidiu usar o conhecimento obtido em gestão e empreendedorismo educacional para criar uma edtech que proporcionasse desenvolvimento pessoal e profissional de adolescente para resolver problemas sociais.
O resultado foi a criação da Edstation, uma startup brasiliense de ensino não formal que oferece, em um curso de seis meses a um ano, capacitação em empreendedorismo tecnológico. Voltada para alunos do 7º ao 9º ano, a edtech oferece 15 módulos de ensino remoto, nos quais os participantes são estimulados a criar soluções inovadoras para responder um problema do mundo. "Eles passam por uma jornada de ideação, validação e lançamento de uma startup de verdade que ganha dinheiro", detalha Kelday.
Todo o processo é feito em equipe, uma forma de fazer com que o desenvolvimento social dos estudantes seja estimulado, e é acompanhado por um psicólogo. Ao fim, afirma Kelday, os estudantes se formam mais empoderados e conscientes. "Trabalham em projetos, desenvolvem competências socioemocionais, se libertam do livro didático e vivem uma lógica de mercado de trabalho ainda no ensino básico. Isso é educação do século 21. Oferecer isso era meu objetivo desde o começo", declara a empresária.
(A repórter viajou a convite da Globo)