"Que nenhum livro de uma mulher preta fique mais tanto tempo na gaveta." Eis um dos lemas do evento literário Encontro Julho das Pretas que Escrevem, idealizado e organizado pela jornalista e escritora Waleska Barbosa (foto). A segunda edição ocorrerá no próximo sábado, dia 23, no Museu da República, em meio à programação do Festival Latinidades.
À coluna, Waleska conta que o objetivo é superar o número de inscritas no encontro do ano passado, que reuniu cerca de 30 escritoras, e tentar diversificar as falas e as letras. "A ideia é juntar as pessoas também da oralidade, do rap, o pessoal das regiões administrativas", indica. O tema deste ano é Existimos. Você nos lê, nos vê? As homenageadas são tatiana nascimento, Cristiane Sobral e Nanda Fer Pimenta.
Como surgiu a ideia do encontro?
Ano passado, por essa época, fui convidada para participar de uma feira literária. Como era julho, perguntei se as escritoras pretas foram lembradas, se o pessoal estava sabendo que era o julho das pretas. Eles não sabiam. Então, pensei: vou tentar fazer o nosso. Tinha uma semana até o dia 25 de julho, fui falando com as pessoas, falando com pretas e pedindo a indicação de outras, foi toda uma força de conexão (...) À época também, vários eventos estavam sendo criticados pela não presença de mulheres. Se a gente fizer a interseção e for para as mulheres pretas, tem muito menos. Então, também nesse sentido, pensei em nos juntarmos. O objetivo era, e ainda é, ser um encontro. Nesse teor da palavra mesmo: juntar e se olhar, se conhecer. Criamos um grupo, e várias foram fazendo coisas juntas depois do ano passado. Algumas têm uma carreira já consolidada como escritora. Outras, não. Como eu, que tenho um livro. Outras não têm livro e não têm coragem de publicar. É essa energia também — de sair desse espaço de solidão, do medo, do não saber por onde começar — que eu quero ajudar a romper fazendo esses encontros.
E a literatura negra tem força para romper esses silêncios…
Essa literatura de autoria negra é um caminho de cura, de cura pessoal. Para mim, também foi isso. Eu comecei a escrever um blog em 2017, o Um por dia, que tinha a pretensão de ser um texto por dia. A partir dali, nesse lugar terapêutico da escrita, fui me fortalecendo, me conhecendo, me reconhecendo. Tanto que o meu livro, o Que o nosso olhar não se acostume às ausências, é uma seleção dos textos do blog. É um livro feminino, feminista. Está sempre colocado na palavra da mulher. Seja ela a minha ou de mulheres que me contaram histórias e eu reconto ali. Como diz Conceição Evaristo sobre as escrevivências, tem muito disso, de as escritas serem, muitas vezes, uma escrita autobiográfica. Isso vai fortalecendo a gente. E também é um ponto de crítica. Os críticos literários, homens brancos, têm colocado que essa presença mais forte das mulheres nas publicações está muito identitária, está chata.
E o que você acha?
Em 2019, estive na feira do livro de Frankfurt e tinha um escritor que falava da boa literatura. Aquilo mexeu muito comigo. Era um homem branco, premiado, falando em boa literatura. O que eu defendo é que a boa literatura, no caso das mulheres pretas, é a literatura que a gente consegue fazer, faz e publica de alguma forma. É a literatura que a gente tira de dentro da gente, porque isso quebra um silenciamento histórico, vai fazendo uma retomada de lugares. A gente sabe que as mulheres pretas, a população preta de uma forma geral, são representadas na mídia em sublugares. É o bandido, a empregada doméstica, a gostosa. Esta é a chance de a gente ser protagonista não porque alguém escolheu, mas porque a gente escolhe ser protagonista. Não só com um personagem, mas também dizendo de si.
Há um público cada vez mais interessado por essa literatura também. Como você enxerga isso?
Pensando nas escritoras, eu escuto muito esse depoimento do medo. Eu passei por isso também, me perguntava: "O que eu escrevo é literatura?" Aí, eu queria alguém que lesse e dissesse que sim, que era bom. Até que chegou uma hora em que eu prescindi disso. Não quero saber se é literatura, se é boa, se é ruim, só quero saber que quero escrever isso, que me faz bem e que vou publicar. Então, você vê muitas pessoas jovens dizendo que tem um livro na gaveta. O encontro pode ser uma força para tirar as pessoas dessa sensação de que estão sozinhas. Conceição Evaristo tem esse depoimento. O primeiro livro dela ficou mais de 20 anos na gaveta. A gente quer que nenhum livro de uma mulher preta fique mais tanto tempo na gaveta.
Participe
Preencha o formulário de inscrição disponível no @julhodaspretasqueescrevemdf. O evento ocorrerá, no próximo sábado, das 16h às 19h, no Espaço Literário Maria Firmina dos Reis, no Museu Nacional.
Seleção aberta
Educação antirracista
O Instituto Identidades do Brasil (ID_BR) vai organizar um material de referência em práticas de educação antirracista. Para isso, convida educadores de todo o país a enviarem relatos de suas experiências, que serão submetidas a uma avaliação. A ideia é chegar a oito iniciativas que farão parte de uma espécie de cartilha do programa intitulado Professores Pelo Sim à Igualdade Racial. Ao longo de dois anos, profissionais da educação participarão de atividades de letramento racial tendo o material referendado como suporte. Interessados precisam apresentar as suas atividades até o próximo dia 25, pelo link https://pt.research.net/r/BPCT8QM . A divulgação do nome dos selecionados está prevista para 25 de agosto.
Nas redes
Descobriram a diva
Dona de uma carreira artística com mais de 50 anos, a estrela Zezé Motta foi "descoberta" pela indústria da beleza. Recentemente, a diva negra compartilhou que é estrela de uma campanha internacional e contou que se surpreendeu ao receber o convite aos 78 anos. A experiência não foi a primeira. A artista chegou a fazer um comercial mais novo, mas a peça não foi ao ar. "Achavam que pelo fato de eu ser negra o produto não venderia", escreveu em sua página no Twitter.
A partir desta edição, esta coluna será publicada quinzenalmente