PARCERIA

Amizade como principal ingrediente para garantia de bons negócios

Brasilienses criam empresa que hoje é destaque no mercado, quando ainda eram estudantes do ensino médio

Diogo Albuquerque e Mariana Andrade*
postado em 24/07/2022 06:00 / atualizado em 24/07/2022 06:00
Além de gerar bons dividendos, a sociedade entre Matheus Henrique e Adrielle Gomes resultou em uma paixão fulminante -  (crédito: Arquivo Pessoal)
Além de gerar bons dividendos, a sociedade entre Matheus Henrique e Adrielle Gomes resultou em uma paixão fulminante - (crédito: Arquivo Pessoal)

Amigos, amigos... negócios à parte. O velho dito popular, pelo visto, não se enquadra nas relações modernas. Muito pelo contrário, o convívio afetivo vem se tornando cada vez mais comum no mundo dos negócios. Grandes multinacionais, por exemplo, nasceram de grandes parcerias. Uma das mais bem-sucedidas é a mundialmente famosa Apple, fundada em 1976 pelos colegas Steve Jobs e Steve Wozniak. No próximo sábado é celebrado o Dia Internacional da Amizade — data instituída há 11 anos pela Organização das Nações Unidas (ONU) com o intuito de inspirar a união entre os povos, países, culturas e indivíduos.

E o que não faltam são exemplos de parcerias bem-sucedidas mais próximo do que imaginamos. Em 2019, três estudantes do ensino médio com veia empreendedora criaram uma empresa de design e social media, visando a gestão de redes sociais. Instalado no Gama, região administrativa de Brasília, o empreendimento bombou e se tornou referência no DF.

Segundo dados do relatório empreendedorismo, realizado pela MindMiners, empresa de tecnologia, mostram que entre as empresas que têm sócios, cerca de 29% são amigos. Os sócios amigos só ficam atrás por sociedades entre familiares.

Idealizada por Matheus Henrique, Matheus Siqueira, Felipe Sidrone, e Gabriel Rios, a Digidraw'art foi pensada enquanto eles estudavam no Centro de Ensino Médio Integrado à Educação Profissional e Técnica do Gama (CEMI). Os jovens foram orientados e incentivados por um professor a fundar a empresa antes mesmo de concluírem o wensino médio, por meio do extinto Projeto Empresa, que viabilizou os contatos com os primeiros empreendedores.

"Foi esse processo que impulsionou nossa vontade de aprender", conta Matheus, recordando que, durante o período escolar, vendia doces no intervalo das aulas para materializar a ideia da nova empresa. Os amigos também colaboravam como podiam, comercializando camisetas personalizadas na escola, como forma de dar mais visibilidade a ideia.

A Digidraw'art inciou sua trajetória com a produção de artes comerciais, com conhecimentos básicos adquiridos em programas de edição. Devido a falta de experiência, prossegue Matheus, muitos desafios vieram à tona. "Passávamos de porta em porta para tentar vender nosso trabalho", lembra.

Após cinco anos de atuação, o rapaz conta que passou a colher bons frutos. Conforme foram crescendo, diz Matheus, o grupo passou a adaptar a oferta de serviços, oferecendo gerenciamento e acompanhamento de marketing de redes sociais a empresas, sobretudo restaurantes e bares, com fotografia profissional, artes, informativos e direcionamento para atendimento on-line. "Fazemos as redes sociais se tornarem uma vitrine para o comércio, dando um toque profissional, organizado, para que o cliente consiga ter facilidade", diz.

Matheus Henrique e Adrielle Gomes, foram além da amizade e da sociedade. Acabaram ficando noivos e pretendem se casar em breve. Matheus considera que trabalhar com amigos, além de tornar as atividades mais prazerosas e descontraídas, é fator essencial para o aprimoramento de ideias. "Eles são as principais pessoas que incentivam, que tomam o projeto como deles também", conta.

Adrielle é mais uma a celebrar e também aconselhar essa experiência. Para ela, trabalhar em equipe com pessoas próximas e queridas fortalece toda e qualquer empreitada. "Essa parceria é fundamental, não é como um funcionário qualquer, porque todos compram a mesma briga juntos", diz. De outro lado, analisa, a amizade e o compromisso de trabalho podem se confundir eventualmente. "Às vezes pode ser difícil trabalhar com pessoas que são muito próximas, pois essa intimidade pode confundira as coisas", afirma.

Matheus conta que hoje os colegas não integram mais da empresa, já que, para alguns deles, o empreendedorismo não era o foco para o futuro profissional. Felipe Sidrone, que participou ativamente no início do processo, afirma que a experiência de empreender entre amigos foi boa. "Isso me possibilitou abrir um pouco a mente, já que no ensino médio a gente não aprende muito sobre as coisas práticas da vida", diz. Felipe explica que abandonou a sociedade por entender que o empreendedorismo não fazia parte de seu planejamento principal de vida. "Abracei a oportunidade de participar desse desafio, mas sempre tive clareza de que seria passageiro para mim. Por isso, deixei nas mãos de quem realmente quer levar o empreendedorismo como meta de vida", conclui.

A empresa possui hoje quatorze clientes multinacionais e cerca de 25 clientes no Gama, onde funciona a sede. Matheus afirma que desde que a empresa foi criada, o trabalho tem se expandido cada vez mais, principalmente depois da pandemia. "No início, faturávamos, no máximo, R$ 1 mil. Com o aperfeiçoamento do serviço prestado, o faturamento já chegou a quase R$ 50 mil. Mas não vamos parar por aqui, pretendemos ampliar os serviços a regiões centrais de Brasília", revela, completando que já contratam freenlancers, que recebem por produtos comercializados.

Elo para vida toda

Gioconda e Dayanne bombam no mercado com o Manifesto do Amor
Gioconda e Dayanne bombam no mercado com o Manifesto do Amor (foto: Carlos Vieira/CB/D.A.Press)

Criada em 2017 por um trio de amigos jornalistas cansados de exercer a profissão, mas com o desejo pulsante de transformar o mundo, a marca Armária revolucionou o cenário da moda brasiliense, com práticas sustentáveis, respeitando o equilíbrio entre o ser humano e a natureza

Atualmente, Dayanne Holanda, 40, e Gioconda Bretas, 49, se encarregam de todos os trâmites, desde a criação das peças, contratos com fornecedores e marketing de toda a produção. O terceiro amigo, Anderson Falcão, optou por dar um tempo do projeto, mas continua prestando apoio e torcendo por elas, mesmo a distância.

Unidas há décadas, elas sempre atuaram na mesma área, tinham amigos em comum e integravam um grupo de debates sobre comunicação pública. Nesse cenário, afirmam, foi inevitável o surgimento de uma parceria comercial, que se mostrou, num curto espaço de tempo, bastante promissora.

Segundo Dayanne, antes mesmo de oficializar a marca, muita gente chegou a duvidar de que elas seriam capazes de administrar um negócio sem precedentes no mercado mantendo inabalável a sinergia que sempre houve entre elas. Porém, asseguram as parceiras, desde o início a amizade foi fator preponderante. “A nossa parceria nos negócios foi firmada antes de ser oficializada. Por isso, nos dedicamos para não haver nenhuma rusga antes de a loja realmente sair do papel”, diz Dayanne

Mesmo com uma sólida união, ambas reconhecem ser normal haver alguns episódios fora da ordem, como pequenas discussões ou problemas corriqueiros do dia a dia, mas asseguram não trocar por nada nem mesmo esses momentos. “A amizade é uma relação de lealdade, possibilita que a gente se sinta mais confortável para criar coisas maravilhosas juntas, que vão muito além do bônus de convívio”, filosofa Gioconda

Com o passar do tempo, a dupla foi apelidada por amigos e clientes de “meninas armárias”. Hoje para elas, a marca virou sinônimo das duas. O nome Armária pode soar estranho, mas elas explicam que, por se tratar de uma marca sem definição de sexo, optaram por usar a palavra armário no feminino.

Como os milhares de comerciantes e pequenos empresários afetados pela pandemia da covid-19, as já oficializadas meninas armárias se viram obrigadas a fechar as portas no primeiro dia de lockdown. Elas mantiveram uma loja física por mais de três anos numa quadra comercial da Asa Norte. Após essa decisão, o objetivo foi consolidar a marca no mercado digital e no imaginário nacional.

Para elas, experimentar essa parceria estreita entre amizade e negócios foi atípica, mas bastante construtiva. “Ninguém passa 24 horas por dia convivendo com seu sócio. Almoçamos juntas, curtimos as mesmas séries, dividimos contas e também o mesmo teto. Qualquer tipo de relacionamento dá certo ou errado à medida que a convivência distancia ou aproxima”, diz Dayanne.

Confinadas e sem ter como fugir da quarentena, as duas tiveram que aprender a conviver entre quatro paredes, “entre tapas e beijos”. “Brigas e discussões fazem parte da rotina de quem convive diariamente, mas isso faz parte da normalidade, pois onde tem gente junta vai sempre existir algum problema, por menor que seja”, diz Gioconda, lembrando que durante esse período também aprenderam até mesmo a jogar frescobol juntas no Parque da Cidade, atividade que estreitou ainda mais a amizade.

A parceria das meninas armárias ultrapassa a barreira profissional. “Não é uma relação fria, vai muito além. Envolve outros afetos. Nossa amizade se reflete nos negócios e, consequentemente, nas peças que criamos juntas, pois disseminamos o amor”, afirma Gioconda, revelando que até mesmo a idealização das frases estampadas nas camisetas é fruto de diálogos casuais entre elas.

Esses momentos de descontração, afirmam, são os favoritos da dupla. A relação delas criou um espaço no qual é possível brincar de montar poesias e músicas sem julgamentos ou barreiras, sempre desfrutando de um bom vinho. “Nossos produtos são uma criação íntima e cheia de amor”, diz Dayanne. “A Armária é a terceira parte do elo que me liga a Day e vice-versa”, completa Gioconda.

Foi em uma dessas situações inusitadas que o Manifesto do Amor da marca ganhou vida. “A ideia surgiu em uma dessas saídas. Com uma taça de vinho do lado e com aquele pensamento de salvar o país na cabeça, ao final do dia tínhamos criado uma coleção inteira”, conta Dayanne, reforçando que mesmo com o manifesto viralizado na internet, a ideia inicial não foi produzi-lo para as redes, mas sim para expressar a reflexão da marca a respeito do cenário atual do Brasil.

Para Dayanne, o processo de criação das frases nas camisetas da marca ocorreu de forma espontânea e natural.

“É possível empreender com brother?”

Américo José da Silva Filho, diretor da Cherto
Américo José da Silva Filho, diretor da Cherto (foto: Divulgação/Cherto)

Empreender é um processo que demanda o desenvolvimento de diversas competências. De acordo com diretor da Cherto, maior consultoria em franquia da América Latina, Américo José da Silva Filho, 65 anos, ao administrar um negócio com amigos é necessário se dedicar ainda mais para garantir relações de trabalho e interpessoais saudáveis. “Os envolvidos devem colocar em cheque todas as expectativas para o empreendimento, delimitando com clareza os papéis e funções de cada um. Para evitar, assim, um possível desconforto”, recomenda Américo.

O diretor, ainda, defende que é possível gerenciar um negócio entre amigos, principalmente se a relação for pautada na prática do alinhamento. Para Américo, essa característica é a base para desenvolver uma boa relação entre os parceiros de negócios, o conselho serve tanto a pessoas sem ligações afetivas quanto com ligações afetivas. Ele pontua que a maioria dos conflitos surgem com a omissão de assuntos relacionados à empresa e ausência de dedicação equivalente.

Américo percebe uma certa banalização na função de amizade na sociedade brasileira. Segundo ele, atualmente qualquer pessoa recebe o título de amigo, o que pode implicar em expectativas que nem sempre são atingidas. “As pessoas confundem o conceito da palavra. O amigo é aquela pessoa que podemos contar com a ajuda sempre que for preciso. Em uma amizade de verdade, não existe a mesma cobrança que entre sócios sem vínculos pessoais, mas sim um entendimento das fraquezas e competências do outro”, diz.

Segundo o diretor, outra prática que enfraquece a amizade é o repasse de críticas. “Ninguém gosta de ser criticado, essa é a verdade. Dar e receber feedbacks não é uma tarefa fácil. Portanto, é necessário se preocupar em repassar sugestões de maneira construtiva, sempre colando a crítica ou sugestão como foco e não o indivíduo”, afirma

Cesar Rissete, gerente de Competitividade do Sebrae
Cesar Rissete, gerente de Competitividade do Sebrae (foto: Erivelton Viana)

O gerente de competitividade do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), Cesar Rissete, confirma que diversos empreendimentos nascem de relações interpessoais próximas, seja entre a família ou amigos. Porém, para ter um negócio sem futuras complicações é necessário separar o relacionamento pessoal do empresarial, independentemente da longevidade de amizade.

De acordo com Rissete, empreender com amigos pode ser prazeroso e realizador. A solução para manter uma boa relação com seu parceiro de negócios é planejar com antecedência, seguindo todos os acordos formais e informais. Além de delimitar as participações no investimento, na retirada de lucro e repartição de prejuízos.

Para ele, um dos pontos positivos em montar sociedades entre amigos é a resolução de problemas durante momentos de “turbulência” no empreendimento. “Essa sociedade é mais um momento para reforçar os laços. A gente gosta de trabalhar com pessoas que nos identificamos, mesmo que existam diferenças, esse contato é capaz de fortalecer a confiança fora e dentro do território empresarial”, diz Rissete.

 

*Estagiários sob a supervisão de Jáder Rezende

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