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Era uma vez… Conheça a história da professora Adriana Maciel

Professora na rede pública de ensino, Adriana Maciel conta a trajetória até encontrar a chave para encantar crianças e adultos, levando-os ao universo da fantasia

Mariana Niederauer
postado em 28/08/2022 06:07 / atualizado em 28/08/2022 11:07
Adriana Maciel no CEI 07, de Taguatimga -  (crédito: Fotos: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
Adriana Maciel no CEI 07, de Taguatimga - (crédito: Fotos: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

"Bom dia pra quem é de bom dia! Boa tarde pra quem é de boa tarde! Boa noite pra quem é de boa noite!" É assim que a professora Adriana Maciel, 49 anos, se acostumou a recepcionar os alunos durante a pandemia. Ela não sabia a que horas cada um assistiria aos vídeos de contação de histórias que deixava gravados semanalmente, e percebeu que a melhor maneira era englobar a todos logo nas boas-vindas, sem distinção.

A frase de impacto virou marca registrada da educadora, e quem ouve de longe já sabe que vem coisa boa em seguida. "Era uma vez… E não era uma vez…", segue a contadora de histórias, dando um nó na cabeça dos pequenos e os convidando a abrir as portas da imaginação. O magistério, a literatura e a arte se misturam na vida de Adriana, e para alcançar um nobre objetivo: levar as crianças ao mundo dos sonhos.

Essa é a potência que ela descreve enxergar nos livros. E a habilidade de resgatar a prática tradicional ela trouxe de casa. Filha de um pernambucano contador de histórias e de uma cearense artesã, a brasiliense vivenciou desde cedo essas duas faces da arte. O pai, Egídio Barbosa Maciel, que morreu aos 45 anos, era exímio contador de anedotas. "Ninguém conseguia conversar com ele, porque só ele falava", brinca. A influência foi tamanha que ela acabou, indiretamente, tornando o talento do pai uma profissão, e conta que nunca teve dificuldades em falar em público. "Eu aprendi com ele. Foi o meu primeiro contador de histórias", diz.

Da mãe, Raimunda Alves de Oliveira, 85 anos, herdou a inquietação causada pela produção artística. A matriarca fazia bonecas de pano, uma das chaves para a entrada no "universo da fantasia", conforme descreve a professora. "Quem pintava as bonecas, fazendo o olho e a boquinha, era eu. Enquanto pintava, eu conversava com as bonecas", relembra. "Dela veio, por exemplo, gostar de contar histórias brincando com lenços, tecidos e bonecos."

"Eu cresci num lar onde a arte reinava. A arte do artesanato, do boneco; e a arte da palavra. Acho que juntei os dois", reflete Adriana, que tem sete irmãos - cinco deles do primeiro casamento do pai.

A carreira no magistério teve a largada em 1998, quando foi aprovada no vestibular para o curso da Universidade de Brasília (UnB) e também no concurso da Secretaria de Educação do DF - já havia concluído a Escola Normal. "Consegui me formar na UnB, em ensino especial. Levei seis anos, e exerci por um tempo função na área, mas não me realizei lá', conta Adriana. "Sempre tive uma pegada muito artística."

Assim que entrou para a secretaria, optou por trabalhar na Regional de Ensino de Brazlândia. Como não havia sala de aula disponível para que lecionasse, ficou responsável pela biblioteca. Dentro da proposta pedagógica adotada à época na instituição, da chamada Escola Candanga, esse era um dos carros-chefe, detalha a professora.

"Para mim, foi o par perfeito. Assumi a biblioteca da escola e comecei a desenvolver projetos de leitura", relata. A arte de contar histórias ela lapidou também nesse período, ao longo de uma oficina pedagógica oferecida aos profissionais da regional. Durante dois anos, trabalhou a proposta com estudantes do 1º ao 5º ano do ensino fundamental.

  • Adriana Maciel, professora e contadora de histórias. Com o pai, Egídio Arquivo pessoal
  • Adriana Maciel, professora e contadora de histórias. Com as filhas, Clara e Micaela Arquivo pessoal
  • Adriana Maciel, professora e contadora de histórias. Arquivo pessoal
  • Adriana Maciel, professora e contadora de histórias. Arquivo pessoal

Autoconhecimento

A distância de casa - à época ela morava em Taguatinga - levou à mudança para uma escola do Recanto das Emas e a um desafio comum a muitos professores. "Lá, eu entrei na sala de aula e não consegui me adaptar ao ritmo de novo. Fiquei seis meses na educação infantil e logo consegui me deslocar para trabalhar na área de leitura da regional, onde fiquei um ano mais ou menos", relembra. Em seguida, passou mais dois anos em sala de aula, trabalhando com alunos do 5º ano, com foco na literatura. Mesmo carregando consigo a paixão pelos livros, a nova função não representou realização profissional, e Adriana entrou num processo de adoecimento.

"Comecei a entrar em depressão, porque eu realmente sentia falta de estar com o livro literário", revela. Recém-casada e com uma filha de 1 ano, ela tinha dificuldades em encontrar sentido e prazer na carreira. "Eu adoeci, entrei em crise de fibromialgia, fiquei dois anos afastada da secretaria, sem entender o que estava acontecendo. Por que eu estava sentindo dores?", questionava-se.

Duas coisas ajudaram nesse processo. Uma delas foi a terapia. "Quando você fala dos seus projetos, da literatura, seu tom de voz muda, a sua expressão corporal muda, seu olho brilha", observou a terapeuta em uma das sessões. "A partir dessa chamada dela, eu comecei a prestar atenção que realmente contar história me dava um prazer inenarrável", detalha.

A segunda, foi fruto do acaso. Certo dia, assistindo a um programa da TV Cultura, chamado Hora da História, apresentado por um casal que contava histórias e cantava, ela viu os olhos brilharem novamente. Era o início do projeto Matrakaberta. Ao lado do marido, Marcelo Tibúrcio, começou a percorrer o Distrito Federal em apresentações para o público infantil. Ela na interpretação e na contação; ele, no violão. Hoje, os dois estão separados, mas a parceria no trabalho continua. A filha mais velha, Clara, tem 20 anos, e cursa a faculdade de Artes na Universidade de Brasília (UnB). A caçula, Micaela, tem 15.

Paralelamente, Adriana seguiu dando aulas na rede pública. "Em cinco anos, desenvolvi um calo nas cordas vocais. Fui, então, readaptada para voltar à biblioteca, de forma a usar a voz apenas para contar histórias." Ela é a responsável, agora, pela biblioteca do Centro de Ensino Infantil (CEI) 7 de Taguatinga. A casa sonolenta (Ática) e Bruxa, bruxa - Venha à minha festa (Brinque-Book) estão entre as obras preferidas de Adriana para contar aos pequenos. Mulheres que correm com os lobos (Ricco) ela considera a mais importante para a trajetória de autoconhecimento.

  • Adriana Maciel, professora e contadora de histórias. Arquivo pessoal
  • Adriana Maciel, professora e contadora de histórias. Arquivo pessoal
  • Adriana Maciel, professora e contadora de histórias. Arquivo pessoal
  • Adriana Maciel, professora e contadora de histórias. Arquivo pessoal
  • Adriana Maciel, professora e contadora de histórias. Em live. Arquivo pessoal
  • Adriana Maciel, professora e contadora de histórias. Arquivo pessoal
  • Adriana Maciel, professora e contadora de histórias. Arquivo pessoal
  • Adriana Maciel, professora e contadora de histórias. Arquivo pessoal
  • Adriana Maciel, professora e contadora de histórias. Arquivo pessoal
  • Adriana Maciel, professora e contadora de histórias. Arquivo pessoal

Ressignificação do espaço

"A figura do velho contador de histórias, embaixo da árvore, deu lugar a um contador de histórias que está entrando na casa das pessoas", avalia Adriana. A transformação é fruto, na visão dela, dos dois anos de pandemia. "Reinventamos a contação de histórias usando o digital, as plataformas, a nosso favor."

Para amenizar a distância das dinâmicas na escola, ela gravava vídeos semanais que eram distribuídos aos alunos. Foi daí que surgiram os bordões que já viraram marcas registradas da educadora. Cercada de pratos, panelas e outros utensílios da casa, ela mostrava, na prática, como era possível dar asas à imaginação mesmo entre quatro paredes. E se, no começo, foi difícil até mesmo para os professores, imagina como não ficou a cabeça dos alunos? "A dificuldade no início era tanta que eu ia fazer live e pendurava um boneco ao lado da câmera para saber que tinha alguém ali me assistindo", conta, aos risos.

"Para mim, foi desafiador demais, mas foi uma outra linguagem que a gente aprendeu a usar durante a pandemia. Acabamos alcançando parentes, famílias e até crianças que saíram de Brasília e mantiveram o contato", observa. A volta ao presencial também tem se mostrado desafiadora, mas até nesse momento a contação de histórias contribui para a integração no espaço escolar.

Qual não foi a surpresa de Adriana quando ouviu as turmas responderem em coro ao seu "Era uma vez…" Lembrando dos vídeos gravados na pandemia, os alunos devolviam: "E não era uma vez!" "E aí eu percebi o quanto que eles tinham se envolvido, a alegria. 'Tia, eu te vi na televisão da minha casa, no meu computador!', alegra-se ela, e emenda: "Hoje, não preciso mais do boneco (ao lado da câmera)".

  • 24/08/2022 Crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press. Brasil. Brasilia - DF - Coluna Nossos mestres, professora Adriana Maciel que trabalha no Centro de educação infantil 07 - CEI 07 - Área especial Qsd Taguatinga Sul Marcelo Ferreira/CB/D.A Press
  • 24/08/2022 Crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press. Brasil. Brasilia - DF - Coluna Nossos mestres, professora Adriana Maciel que trabalha no Centro de educação infantil 07 - CEI 07 - Área especial Qsd Taguatinga Sul Marcelo Ferreira/CB/D.A Press
  • 24/08/2022 Crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press. Brasil. Brasilia - DF - Coluna Nossos mestres, professora Adriana Maciel que trabalha no Centro de educação infantil 07 - CEI 07 - Área especial Qsd Taguatinga Sul Marcelo Ferreira/CB/D.A Press
  • 24/08/2022 Crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press. Brasil. Brasilia - DF - Coluna Nossos mestres, professora Adriana Maciel que trabalha no Centro de educação infantil 07 - CEI 07 - Área especial Qsd Taguatinga Sul Marcelo Ferreira/CB/D.A Press

Gente grande também sonha

"Às vezes, o adulto esquece que é bom ouvir história", confidencia Adriana. "Hoje mais do nunca o mundo está precisando de contadores de histórias, artistas e pintores", elenca. "O dia a dia nos faz entrar no piloto automático e esquece da capacidade que a literatura tem de levar a gente para o mundo dos sonhos, do espaço em que tudo é permitido."

Esse é, inclusive, um dos projetos que a professora pretende expandir depois da aposentadoria, no próximo ano. Em alguns encontros com mulheres que tem promovido percebe como o ato de contar histórias pode ser transformador. "Contar para crianças é muito gostoso, mas contar para adultos é disruptivo, é adentrar num lugar que parece meio calcificado."

  • Adriana Maciel, professora e contadora de histórias. Com grupo de adultos Arquivo pessoal
  • Adriana Maciel, professora e contadora de histórias. Com grupo de adultos Arquivo pessoal

 

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