Ao redor do globo, movimentos contrários ao modelo de trabalho tradicional ganham força com a participação ativa da geração Z. No ano passado, o governo chinês teve que enfrentar o tang ping, [ficar deitado], rebelião dos jovens contra trabalhos extremamente enfadonhos. Atualmente, o quiet quitting, [saída silenciosa], adentrou a lista de reivindicações dos mais jovens.
Os adeptos da saída silenciosa são os trabalhadores que apenas cumprem seus deveres de forma passiva, ou seja, fazem o mínimo necessário — previsto no contrato — e batem o ponto ao final do expediente. Entre eles, não existe o desejo de cumprir horas extras para garantir uma promoção, ou sequer estabelecer vínculos com corporações que não os representam.
Segundo especialistas, a falta de reconhecimento no ambiente corporativo, a pandemia, o fato de grande parte da geração Z priorizar o bem-estar ou princípios e enxergar o trabalho como um meio, podem ser fatores que impulsionam esse pensamento.
O assunto surgiu com a ajuda das redes sociais, em especial no TikTok, contando com mais de 137 milhões de visualizações na hashtag #quietquitting. O movimento, que está se escalonando em âmbito mundial, viralizou com o vídeo do desenvolvedor de software Zaid Khan, 24 anos, compartilhando sua interpretação do conceito.
Essa manifestação pode estar atrelada a outro fenômeno, o the great resignation, [a grande renúncia]. Entre janeiro e maio deste ano, o número de profissionais deixando cargos por contra própria aumentou 33,4% no Brasil. Segundo dados da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), com base no Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), foram registradas 2,9 milhões de demissões voluntárias — aumento de 32,5% em relação ao mesmo período de 2021.
Para o especialista em Gestão de Pessoas, Luiz França, o quiet quitting não é novidade no universo do trabalho. "Trouxemos um novo nome para um contexto que já existia dentro dos ambientes empresariais, mas que as pessoas não davam atenção ou não tinham coragem de falar a respeito", observa.
"O que determina se o funcionário vai aumentar ou não a contribuição é o estilo de liderança que existe na instituição, além do ambiente e o clima de trabalho. Estou muito feliz que esse contexto esteja vindo à tona, porque está chamando cada vez mais empresas a prestarem atenção na relação com seus colaboradores", afirma França.
Com a popularização da prática, ele percebe que as organizações estão levando "puxões de orelha" para valorizar seus colaboradores. Essa nova percepção, segundo ele, pode estimular uma presença e também a identificação com o ambiente profissional. "Os colaboradores vão estar lá não apenas fisicamente, como estimulando seus talentos e a própria saúde mental", diz.
A diretora de recursos humanos Távira Magalhães prefere a tradução "desistência silenciosa" a "desligamento silencioso", entendendo que a segunda terminologia pode causar confusão. Ela é mais uma a observar que o movimento não se enquadra como novo. Porém, destaca que a criação de uma palavra foi decisiva para as reivindicações dos funcionários, em especial os da geração Z.
Para os especialistas, quanto maior a influência da liderança para inspirar e preservar o bem-estar da equipe, maior é o nível de contribuição. "Uma liderança tóxica tende a desestimular as pessoas a se conectarem com o trabalho", alerta.
"O quiet quitting vem como uma consequência da falta de engajamento dos colaboradores", pondera Magalhães, atribuindo grande parcela dessa prática às lideranças das organizações "que cada vez mais se afastam de suas equipes". Ela observa que o modelo hierárquico ultrapassado seguido pelas "empresas tradicionais" ergue uma barreira que desvia o colaborador de suas atribuições, na maioria das vezes, acertadas durante o processo de contratação.
O gestor de pessoas reflete que alinhar o trabalho aos princípios e objetivos de vida é uma tarefa desafiadora. "Uma parcela da população se vê obrigada a estabelecer uma conexão com o ambiente apenas para garantir recursos financeiros visando sobreviver."
Pesquisa do aplicativo Survey Monkey, realizada em 2021, mostra que 36,52% dos profissionais estão infelizes com o trabalho que realizam, enquanto 64,24% afirmam que gostariam de trabalhar em algo diferente para atingir felicidade no âmbito profissional.
"As pessoas, agora, querem ser reconhecidas pelo valor que têm dentro daquele ambiente", argumenta França. Ele destaca que, ao não se sentir reconhecido, o profissional vai se negar a se submeter a horas extras, indo para os ambientes de trabalho dando o mínimo de si.
Segundo ele, é cada vez maior o número de colaboradores que se conectam a organizações de forma consultiva, ou seja, ofertando seus talentos em busca da remuneração adequada.
França avalia, ainda, que as pessoas devem conhecer a diferença entre seguir o quiet quitting e não cumprir tarefas. "É importante que todos os adeptos ao movimento caminhem em direção contrária à ideia da apologia ao ócio", declara.
"Nos Estados Unidos, o índice de desemprego chega na casa dos 3%. Lá, as pessoas mudam de lugar em busca de um espaço que possa satisfazê-las, alinhado com o propósito pessoal e profissional, o que facilita a conexão entre ambas as partes."
Problemas de todos
Ainda de acordo com França, o movimento promovido por jovens dos Estados Unidos, Europa e Ásia, estão levando as empresas a repensarem o modelo tradicional de reconhecimento. Ele vê nas redes sociais uma parceira importante dentro de transformações sociais, em especial, nas de contexto de inclusão e diversidade.
"Todas as juventudes, em diversas décadas, fizeram manifestos necessários para que houvesse mudanças e progredimos muito com essas ações. Os jovens de 20 anos atrás, que hoje falam da geração atual, também foram rebeldes durante a juventude", comenta o especialista.
Para ele, as organizações e dirigentes precisam amadurecer a forma como se comunicam nas redes sociais. "Não é apenas essa 'nova tendência' que eles precisam aprender, mas, sim, como utilizar isso para manter contato com o público em geral, e também com as novas gerações de funcionários", destaca.
O especialista em gestão de pessoas alerta que nem todos os profissionais estão dispostos a participar dessa transição, mas afirma que o movimento não é a única forma de corrigir o problema. Entre as práticas para se evitar o quiet quitting, ele destaca a introdução, com ajuda dos líderes, da escuta genuína de problemas e necessidades dos colaboradores, a promoção do equilíbrio da saúde mental e emocional entre os funcionários e também a adesão às tendências de flexibilização de trabalho.
Uma das práticas listadas por Magalhães para evitar o "desengajamento" é que a equipe responsável por conduzir contratações deixe claro aos candidatos aspectos como desafios do cargo, métodos de reconhecimento da empresa e quem integra a equipe. "É um processo de mão dupla. A empresa avalia as competências do profissional e o colaborador analisa os benefícios que vai receber em troca do seu trabalho", defende.
As demissões em massa aumentaram cerca 30%, de acordo com o levantamento da Firjan. Um dos motivos apontado pelos especialistas é a falta de vínculo de pertencimento ou compartilhamento de propósitos. A Sólides, figura entre as empresas de recursos humanos que adotaram o modelo de mapeamento de perfil de candidatos para reduzir o impacto nos processos de desligamento.
"No processo de pandemia, as pessoas ficaram mais reflexivas e começaram a estabelecer limites. Esse autoconhecimento é capaz de estabelecer limites capazes de diferenciar o trabalho e a vida pessoal", opina Magalhães.
Não se sentir pertencente ao ambiente de trabalho não é novidade. Desde o início, pessoas se viram obrigadas a trabalhar em algo distante da área de interesse, seja por questões de sobrevivência ou falta de oportunidades. Para Magalhães, o acesso à informação é melhor disseminado entre a atual geração em relação às anteriores, devido a internet e a globalização. "Os jovens estão buscando ser e não ter, como as pessoas da minha geração. Eles conseguem ultrapassar as 'leis' extramuros de forma positiva."
Ela conclui que o quiet quitting não é um fenômeno passageiro e pode proporcionar discussões importantes para o futuro das relações empresa-funcionário. "É importante lembrar que as figuras de liderança nas corporações, direta e indiretamente, devem desenvolver um olhar mais humanizado em relação a sua equipe."
*Estagiária sob a supervisão de Jáder Rezende