ESPECIALIZAÇÃO

Tech recruiter, a nova ocupação que desponta no mercado

Profissão chegou para aprimorar o processo de recrutamento e seleção de profissionais de TI dentro das empresas. Caminho é desafiador e demanda muito interesse e estudo, e remuneração é o principal atrativo

Mariana Andrade*
postado em 13/11/2022 06:00 / atualizado em 13/11/2022 06:00
Para Guilherme Amorim, o profissional não deve apenas saber de tecnologia -  (crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press)
Para Guilherme Amorim, o profissional não deve apenas saber de tecnologia - (crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press)

Nos próximos três anos, a área da tecnologia demandará 797 mil profissionais brasileiros, segundo estudo Demanda de Talentos em TIC e Estratégia TCEM, realizado pela Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) e de Tecnologias Digitais (Brasscom). Para isso, é preciso ampliar a formação de talentos e superar o déficit que prevê um total de meio milhão de profissionais na área.

Dados da TIC mostram que são formados, por ano, cerca de 53 mil pessoas em cursos de perfil tecnológico para suprir uma demanda média anual do mercado de em torno de 159 mil profissionais. Entre as diversas ramificações da área, de acordo com recente pesquisa do LinkedIn, intitulada LinkedIn Economic Graphic, realizada na própria plataforma, foram elencados os 10 empregos em alta em 2022.

Entre eles, está o tech recruiter, profissional responsável por recrutar e selecionar exclusivamente profissionais da tecnologia. Em meio ao cenário de busca incessante por profissionais de TI qualificados, a presença desta modalidade no quadro de funcionários das empresas está cada vez mais requisitada. Mesmo compartilhando funções com a equipe de recursos humanos ou gestão de pessoas, a principal diferença está presente no processo de contratação.

Para filtrar esse banco de talentos, o tech recruiter tem a vantagem de ter conhecimentos na área da tecnologia e saber como funciona o mercado. Para contratar o candidato ideal para a empresa, é realizada tanto a análise de habilidades técnicas como também das habilidades comportamentais.

A especialista em gestão de pessoas, Ana Camila Oliveira, afirma que o tech recruiter sabe “exatamente como encontrar, abordar e atrair esse público”. Segundo ela, o fator de crise sanitária aflorou a necessidade de evoluir o desenvolvimento tecnológico dentro de empresas, que se viram obrigadas a aderir ao home office e perceberam diversos gaps na estrutura tecnológica. Para ela, ter um profissional desse porte entre os funcionários posiciona a empresa estrategicamente à frente do mercado.

Ana Camila observa que a formação de pessoas na área de tecnologia não conseguiu acompanhar a demanda no mercado. A especialista enxerga o processo de contratação do TI ideal como “uma caça ao tesouro”. “As empresas notaram a dificuldade. Então, a procura por tech recruiters aumentou para suprir o desenvolvimento de um posicionamento estratégico em seus mercados”, afirma.

Posição polivalente

Desde 2020, o brasiliense Guilherme Amorim, 22 anos, trabalha com recrutamento e seleção. Ele confessa que à época não conhecia as funções de um tech recruiter. Atualmente, concilia a faculdade de psicologia no Centro Universitário Iesb com o emprego de analista de atração e seleção – especializado em recrutamento e seleção de profissionais na área de tecnologia – na Dafiti Group.

 

Guilherme: "Algo sempre muito importante na nossa atuação é reconhecer que nunca saberemos tudo"
Guilherme: "Algo sempre muito importante na nossa atuação é reconhecer que nunca saberemos tudo" (foto: Minervino Júnior/CB)

Para Guilherme, a paixão pela profissão de tech recruiter chegou para valer em 2021, quando foi contratado por uma consultoria, onde recebeu treinamentos específicos na área. “Foi aí que me apaixonei pela atuação. Percebi que era bem diferente de um recrutamento tradicional, e a sensação de desafio cumprido me motivou a pesquisar sobre as tecnologias, os perfis e as diferenças de cada área e profissional”, comenta.

Do latim curiositas, a palavra curiosidade é definida como “desejo por conhecimento” ou “desejo por informação”. Seguindo ao pé da letra o significado, Guilherme acredita que se manter curioso pode estimular a procura e o entendimento das novidades do mercado. “Algo sempre muito importante na nossa atuação é reconhecer que nunca saberemos tudo e que perguntar não ofende. Então, se a pessoa se deparar com algo novo, que não conhece, a ordem é perguntar, pesquisar e buscar entender”, aconselha.

De acordo com Guilherme, de modo geral, o que as empresas buscam são profissionais com boas hard skills, para execução técnica, e boas soft skills, para os relacionamentos e resultados.

“O desempenho de um profissional e de um time vão além do conhecimento técnico em si. Então, não é apenas ‘saber fazer’, mas buscar entender o quão colaborativa, prestativa, resiliente e agregadora essa pessoa será para a equipe”, conta. “Vai além de trazer um candidato com experiência. Buscamos pessoas que estejam alinhadas com nossos comportamentos, valores e energia”, completa.

Ele afirma que oferecer uma boa remuneração não é o único atrativo que mantém o colaborador dentro de uma empresa, “apesar do salário ser um fator muito importante na vida de qualquer um”.

Para o futuro, Guilherme planeja expandir as habilidades para continuar atuando no ramo e implementar metodologias ágeis dentro do processo de recrutamento e seleção. “Um tech recruiter não deve apenas saber de tecnologia. É importante saber negociar, ter bons relacionamentos e conseguir lidar com as frustrações da área”, diz.

Vanessa Santolin foi pioneira do projeto para inserir o "novo cargo" na empresa
Vanessa Santolin foi pioneira do projeto para inserir o "novo cargo" na empresa (foto: Arquivo pessoal)

No mercado de tech recruiter há quase três anos, Vanessa Santolin, 42, formada em administração de empresas com especialização em gestão de pessoas, integra a equipe de recrutamento da Oi. Depois de oito anos atuando na área de RH, optou por se profissionalizar em tech recruiter após enxergar mudanças do mercado de trabalho de tecnologia.

Pouco antes da pandemia, Vanessa foi pioneira do projeto para inserir o “novo cargo” na empresa. “O primeiro passo era saber por onde começar a se especializar. Surgiu, então, a oportunidade de participar de cursos de tech recruiter para conhecer o mundo e métodos ligados ao recrutamento de profissionais da tecnologia”, compartilha. Os cursos citados por ela foram oferecidos pela empresa como um “test drive” para analisar as receptividade dos colaboradores. Após essa análise, o treinamento foi replicado com toda a equipe de RH.

Como a demanda no mercado é maior que o número de profissionais de TI, muitas vezes o recrutamento é realizado com funcionários já contratados. “Existe muita competitividade entre empresas para conseguir encontrar o candidato ideal para a posição disponível”, conta.

A maioria das vagas ofertadas pela Oi, segundo Vanessa, é para área da tecnologia. Por mês, são contratados, nacionalmente, entre 40 e 45 especialistas em TI. Um dos meios de realizar o “hunt”, ou melhor, a caça de talentos, são os grupos de tech recruiters, com informações retiradas de benchmarking entre empresas.

Para ela, essa troca de informações agrega a rotina de aprendizado do recrutador especializado. Também defende que o tech recruiter deve seguir uma rotina diária de estudo na área. “O aprimoramento é diário  para ser capaz de se movimentar estrategicamente no mercado", diz. “O tech recruiter é um profissional resiliente e não pode desistir apenas por ouvir um ‘não’ da sua proposta. Recebemos diversas respostas negativas. A paciência é a peça chave. Não é fácil encontrar o profissional ideal para cada posição”, completa.

Além de se diferenciar de um processo de contratação comum, realizado na maioria das vezes pelo RH, o recrutamento é mais longo. De acordo com Vanessa, a ida e volta de propostas e respostas ocupa grande parte do tempo. Segundo ela, um dos motivos é que existe uma vontade maior entre os candidatos de conhecerem mais a respeito dos detalhes da vaga e o ambiente institucional.

A psicóloga Emilie Mendes se especializou  na carreira por "curiosidade"
A psicóloga Emilie Mendes se especializou na carreira por "curiosidade" (foto: Arquivo pessoal)

A psicóloga Emilie Mendes, 30, entrou no ramo de tech recruiter "por curiosidade no mercado de trabalho” e atua há três anos no cargo. Hoje é funcionária da Deloitte, empresa de prestação de serviços de audit & assurance, consulting, financial advisory, risk advisory, tax e serviços relacionados.

Ela prioriza a qualificação na área para continuar atuante no mercado e selecionar os melhores talentos para as necessidades da empresa. “Uma área como a tecnologia vai estar em alta crescente durante muitos anos. Por isso, reservar 15 a 30 minutos por dia para estudar e aprimorar habilidades é essencial para o tech recruiter ou quem busca se especializar”, afirma.

A dica de Emilie para os profissionais de TI é mostrar bem suas qualidades e disposição. De acordo com ela, geralmente, o processo parte de uma análise de perfil técnico, as hard skills. Após essa “peneira”, são analisadas as soft skills, “que pesam muito no recrutamento”.

“A bagagem na tecnologia nos proporciona um olhar específico que vai além do dia a dia de analisados pelo RH. Então, é dessa forma que selecionamos os profissionais que, além de estarem alinhados com os propósitos da empresa, têm habilidades fantásticas”, expõe.

Emyle Silva sonha com a possibilidade  de retornar à área de tech recruiter
Emyle Silva sonha com a possibilidade de retornar à área de tech recruiter (foto: Henrique Santos)

A pouca idade da recifense Emyle Silva, 26, esconde uma vasta experiência em recrutamento e seleção. No total, são oito anos atuando como gestora de recursos humanos, somados a pouco mais de 1 ano como tech recruiter.

Atualmente, ela ocupa o cargo de payroll analyst JR na área de departamento pessoal da empresa Deloitte. Enquanto isso, caminha em direção a tão aguardada entrega do diploma em administração pela Faculdade Frassinetti do Recife (Fafire), a jovem ainda sonha com a possibilidade de retornar à área de tech recruiter.

Emyle coleciona certificados em cursos na área da tecnologia para compreender as demandas e linguagens do “universos deles”. “O mercado estava demandando a especialização, que seria mais um braço para quem trabalha em RH", diz.

Para ela, o maior desafio é manter o colaborador dentro da instituição, uma vez que a procura por profissionais contratados ou não é comum no ramo. “Tudo que um recrutador não quer é selecionar alguém que fique por pouco tempo na empresa. Então, é importante conversar com os candidatos para entender bem seus propósitos e planos para o futuro”, diz.

Mirando um futuro próximo, o ano de 2023 deve marcar o retorno a posição de tech recruiter que tanto admira. O processo de migração de cargo deve ocorrer internamente. “É um universo encantador. Uma das áreas que tenho experiência que mais gosto, e onde desejo ser reconhecida”, sonha.

Benefícios no bolso e na carreira

Ana Camila:"A tecnologia é como uma língua viva em constante transformação"
Ana Camila:"A tecnologia é como uma língua viva em constante transformação" (foto: Arquivo pessoal/Estúdio Lage)

Para aqueles que desejam seguir no ramo de tech recruiter é importante frisar que o caminho é desafiador e demanda muito interesse e estudo. Mas aspectos como remuneração e estar em contato com o mercado podem atrair mais pessoas para se especializarem na área.

Um tech recruiter recebe, em média R$ 4 mil, valor que pode variar dependendo da região, senioridade e expertise do profissional, podendo chegar a até R$ 20 mil. Segundo Ana Camila, há um volume expressivo de tech recruiters contratados do exterior, mas que atuam no Brasil e, devido a isso, recebem em dólar, euro ou em outras moedas.

Ainda de acordo com Ana Camila, as empresas buscam colaboradores que dominem, preferencialmente, habilidades de gestão de recrutamento e seleção, além de entenderem de software e ferramentas usados por profissionais da tecnologia.

“A tecnologia é como uma língua viva em constante transformação. Acompanhar as novidades, tendências, destaques do mercado é imprescindível para conseguir atrair os melhores profissionais e, com certeza, o maior desafio”, expõe Oliveira. “É extremamente importante que esse profissional se mantenha altamente atualizado, pois o mercado de TI tem uma velocidade de atualização bem alta”, completa.

Para ampliar as áreas de domínio e continuar atualizados constantemente pelas transformações do mercado tecnológico, ela recomenda a procura de bons cursos para se especializar em tech recruiter, além de participar de comunidades ou grupos de desenvolvedores e de outras áreas de TI para aprender a lidar com as ferramentas do LinkedIn, pois esta será sua principal ferramenta de trabalho.

Para “dar match” entre empresa e profissional de TI e, consequentemente, formar o relacionamento ideal, é necessário que o tech recruiter em questão monte uma proposta atrativa para cativar os candidatos. Ao traçar um bom plano de carreira, assim como um pacote de benefícios, o processo de recrutamento fica mais simples. É importante também analisar a compatibilidade dos propósitos de ambos.

Outro fator crucial é desenvolver o networking. É necessário que o tech recruiter invista em estabelecer conexões internas e externas na área da tecnologia. Contato com equipes de RH’s, multinacionais, startups, veteranos, professores e pessoas da área podem facilitar o processo de recrutamento e contratação de profissionais do perfil buscado pela empresa que trabalha.

 

*Estagiária sob supervisão de Ana Sá

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