BRASILEIROS NO TOPO DO MUNDO

Otimismo e perseverança, as chaves do sucesso

Aos 67 anos, a empresária Sílvia Caetano superou a morte do irmão, seu sócio, a grave crise financeira mundial e construiu a Light Design, referência em Portugal em projetos de iluminação

VICENTE NUNES Correspondente
postado em 04/12/2022 06:00 / atualizado em 04/12/2022 06:00
A empresária Silvia Caetano em almoço com a equipe de arquitetos da lighting designers -  (crédito: Arquivo pessoal)
A empresária Silvia Caetano em almoço com a equipe de arquitetos da lighting designers - (crédito: Arquivo pessoal)

Lisboa — Única mulher de quatro irmãos, Sílvia Caetano, hoje empresária de sucesso, aprendeu, desde criança, a se defender de qualquer ataque que viesse a receber, seja físico ou verbal. Se, na brincadeira de casa, a opção fosse por futebol, ela sempre era escolhida como goleira, para levas as boladas. Nas disputas entre caubóis e índios, sempre ficava no segundo grupo, para levar as flechadas. Mas encarava tudo e todos. Sabia que precisava se impor. Não havia espaço para medos ou fragilidades pelo simples fato de ser do sexo feminino. Veio desse período, inclusive, a força para construir a Light Design em Portugal, projeto iniciado em 2005 e concluído quatro anos depois. O ambiente hostil de outro país, sem conhecidos para lhe estender as mãos, não a intimidou. Hoje, tem certeza de que valeu a pena tanto esforço.

“O fato de conviver em um ambiente puramente masculino, com irmãos e primos, me ajudou a encarar o mundo. Não me intimido”, diz. “Trabalho no setor de iluminação, que se insere no mercado da construção civil, muito masculino. Mas consegui conquistar meu espaço. E sou muito respeitada”, afirma. A trajetória de Sílvia, 67 anos, como empresária remonta há 1988, quando ela e o irmão, Marco Caetano, compraram uma franquia da Light Design, que abriu as portas em Recife e, atualmente, atua em Brasília, Goiânia, Campo Grande, Natal, Caxias do Sul, Teresina e Lisboa. Dois anos depois, deram um passo maior e se tornaram sócios de uma fábrica de luminárias com sede no Rio de Janeiro. O negócio havia sido criado pelo sueco Nils Ericsson, uma lenda no setor, mas andava mal das pernas.

Apesar dos problemas de gestão, os irmãos viram potencial no empreendimento. Pernambucanos de nascimento, Sílvia e o irmão decidiram abrir uma nova fábrica, mas no Recife. Faltava, porém, capital para a empreitada. “Tivemos de percorrer bancos para levantar os recursos. Mesmo sendo um bom projeto, que garantia a criação de empregos, houve rejeição. Mas não desistimos, até que houve um sinal verde de uma instituição financeira pública”, relembra. A indústria saiu do papel e deu o salto que todos esperavam.

A unidade do Rio, porém, sofria nas mãos do então sócio. Foi então que os irmãos resolveram comprar a totalidade das ações da unidade fluminense, fechada tempos depois. Nils ficou como peça estratégica, fazendo o que ele mais gostava: desenhar luminárias. “Sou muito grata a ele, pois fez a diferença com seu talento, criando produtos inovadores”, diz.

Tudo estava caminhando como o previsto. Sílvia, morando em Brasília e cuidando das relações e do marketing da empresa, e o irmão, vivendo no Recife, administrando o caixa e o chão da fábrica. Foi então que veio o grande baque. Marco, que era mergulhador, descobriu um câncer no pulmão. A doença o consumiu rapidamente. Em questão de meses, morreu. Tinha apenas 45 anos. “Fiquei com a fábrica sem saber o que fazer. Nunca tinha atuado diretamente na gestão do dia a dia da empresa”, conta. Para piorar, os empregados começaram a fazer operação padrão e a boicotar a produção. Sílvia teve de agir rapidamente.

Pedido de ajuda

Na companhia dos filhos, Manoel e Marcella Caetano, e os dois netos, Gustavo e Filipe Caetano, em  sua casa em Lisboa, em 2020
Na companhia dos filhos, Manoel e Marcella Caetano, e os dois netos, Gustavo e Filipe Caetano, em sua casa em Lisboa, em 2020 (foto: Arquivo pessoal)

“Chamei todo mundo para uma reunião e disse: o Marco morreu e, realmente, não tenho experiência de fábrica, mas, com a ajuda de vocês, tenho certeza de que conseguirei levar o negócio adiante. E quero dizer que é o momento de vocês decidirem, se querem ficar do meu lado ou prejudicando a fábrica, quebrando máquinas, destruindo peças”, relembra Sílvia. Três funcionários decidiram abandonar o barco por não acreditarem na capacidade da executiva de levar o empreendimento à frente. “Mas houve quem disse que aceitaria ficar mesmo que, por algum tempo, não recebesse salário. Foi gratificante esse apoio”, ressalta.

Como acontece em várias empresas familiares, os conflitos entre os parentes se escancaram. A filha do irmão de Sílvia tinha assumido parte da administração da fábrica depois da morte do pai. A saúde financeira começou a degringolar. “A situação ficou muito confusa. Tínhamos bons projetistas, mas os produtos não estavam sendo bem fabricados”, frisa. Algumas pessoas próximas, mais céticas, levantaram a possibilidade de Sílvia desistir do negócio. “Isso nunca me passou pela cabeça. Sou uma leoa para brigar”, destaca. Abraçou de vez a fábrica, cuja unidade original havia sido fundada pelo sueco em 1974.

No aniversário de 30 anos da indústria, Portugal entrou em definitivo no caminho da Light Design. “Tinha clientes pernambucanos com empreendimentos no país europeu. Fui atendê-los pessoalmente, para fazer uns testes de luz em um hotel na Marquês de Pombal — área nobre de Lisboa. O projeto de iluminação era nosso”, conta a empresária. Durante a execução do trabalho, Sílvia percebeu que havia um nicho a ser explorado na capital portuguesa. “Naquela época, quem fazia os projetos de iluminação em Portugal era o engenheiro eletrotécnico, o nosso engenheiro eletricista, sem o olhar atendo do light designer, um criador que vê a luz de forma artística”, detalha.

Certa de que não tinha concorrência em território luso, Sílvia, que é formada em direito e jornalismo, fiou-se na ideia de que, se montasse uma empresa como a dela naquele país, o negócio daria certo. Entre os portugueses, o serviço de iluminação era vendido por meio de catálogos. Os ofertantes batiam de porta em porta de escritórios de arquitetura para mostrar os produtos. Tudo era escolhido pelo design, mas não pela função. “Ou seja, tínhamos algo muito diferente para oferecer. Ninguém em Portugal fazia o que era nossa especialidade, projetos personalizados de iluminação”, afirma. Em 2005, ela montou seu primeiro show room na LX Factory para sondar o mercado. Essa prospecção viabilizou, quatro anos depois, a abertura efetiva da Light Design na capital portuguesa.

Mas não foi tão fácil como o imaginado inicialmente. A despeito de as peças estarem entrando nos eixos, veio a crise financeira mundial, cujo estouro se deu em setembro de 2008, com reflexos grandes nos anos seguintes. “Abrimos a nossa empresa e nem o telefone tocava. A crise parou tudo. Pedi para os funcionários trazerem água e café de casa. Mas não demiti ninguém”, relembra. O jeito para financiar o negócio recém-aberto foi transferir dinheiro do Brasil para Portugal. “Falei, não vou desistir. Vou ficar para ver o que acontece. Contudo, era complicado ver o país naquela situação, a população lotando as ruas, em fila, para pegar um prato de sopa, pois ninguém tinha o que comer”, acrescenta. O respiro só veio em 2013, com a vitória em uma concorrência promovida por uma grande companhia de eletricidade.

Parceria da sobrevivência

Com o embaixador de Portugal no Brasil, António Franco, na inauguração da Light Design de Portugal, em Lisboa, em junho de 2009
Com o embaixador de Portugal no Brasil, António Franco, na inauguração da Light Design de Portugal, em Lisboa, em junho de 2009 (foto: Arquivo Pessoal)

Nenhuma das peças usadas pela Light Design em Portugal, porém, saía da fábrica de Sílvia do Brasil. As luminárias utilizadas nos projetos desenvolvidos pela unidade portuguesa eram adquiridas de um fabricante local, a Exporlux, instalado em Águeda, ao norte do país europeu. A parceria deu tão certo, que Sílvia propôs uma sociedade ao grupo na unidade de produção de Recife. “Fizemos uma joint-venture para a fábrica, não para a cadeia de distribuição, os shows rooms, que continuam nossos. Foi o que nos salvou, pois modernizamos toda a cadeia de produção”, ressalta. “Hoje, a Light Design é a segunda em faturamento do setor”, emenda.

A partir daí, em Portugal, a Light Design foi se transformando em um grande escritório de projetos. “Hoje, somos referência no que fazemos. Temos uma equipe muito boa, altamente especializada. Projetamos iluminação de quartos de bebês a aeroportos”, afirma. A empresa, que tem como sócio um dos filhos de Sílvia, Manoel Caetano, também comercializa luminárias dos principais fabricantes europeus. “Enfim, chegamos, nos instalamos, crescemos e ocupamos um espaço muito qualificado”, frisa ela, que nunca deu bola para preconceitos. “Quando ganhamos a nossa primeira grande concorrência, nossos competidores chegaram a dizer que tudo foi decidido na cama, pelo fato de eu ser mulher. Ignorei”, enfatiza.

Sílvia acredita que, com a parceria firmada com os portugueses para incrementar a fábrica de luminárias no Brasil e a solidificação da Light Design como desenvolvedora de projetos de iluminação, a situação do grupo está amarrada. Não à toa, o braço em Portugal está prestando serviços para vários países. E a tecnologia tem sido uma grande aliada nesse movimento de expansão. “Aqui, tudo é virtual, nada de papel. Temos um laboratório que produz todos os efeitos e cores, com resultados que impressionam. Entrego inteligência, não vendo só peças, que devem fazer a diferença. Somos únicos nesse processo”, gaba-se.

Verdade no que faz

Álbum de família: quando criança, com a mãe, Maria Luiza, e os irmãos Alex, Marco e Franklin
Álbum de família: quando criança, com a mãe, Maria Luiza, e os irmãos Alex, Marco e Franklin (foto: Arquivo Pessoal)

Num mundo altamente competitivo, em que, muitas vezes, o preço faz a diferença para os clientes, a empresária diz ter a confiança de que o que oferece vale o que é cobrado. “Não sou orçamentista, faço projetos”, diz Sílvia. E a estratégia tem dado certo. “Quando olho para trás, vejo que construímos uma ótima reputação. E o interessante é que muitos dos nossos contratos foram fechados em torno de uma boa mesa de almoço”, lembra. A empresária complementa que, hoje, já não trabalha mais 24 horas por dia, como no início da Light Design em Portugal. “Tenho outros interesses, estudo muito. Fiz, por exemplo, um curso de filosofia na Universidade de Lisboa. Conhecimento é tudo.”

Aos que pensam em empreender, Sílvia receita muito otimismo. É preciso acreditar no negócio, admitir falhas e trabalhar pesado para corrigi-las. “Tem que querer fazer. Empreender não é fácil, é saber compor equipes e conviver com as suas diferenças, motivá-las e mostrar que fazem parte do projeto. Sem uma boa equipe, você é somente uma razão social, não é nada”, ensina. “Uma empresa para ser boa tem de ter uma boa equipe. E os donos, além de conhecerem profundamente o negócio, precisam saber liderar e delegar decisões”, emenda.

Sílvia crê que, como empresária e na vida pessoal, uma de suas principais qualidades é ser agregadora, o que a faz desenvolver o que chama de lobby do bem, sempre ajudando quem está chegando em Portugal, dando dicas de como tudo funciona. “São 17 anos no país”, reforça. Muito desse desprendimento vem da criação. “Meus pais me deram valores morais que me sustentaram por toda a minha vida. Me ensinaram a não mentir, a ser verdadeira, transparente. Não abro mão disso”, diz.

 

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