Lisboa — Rodrigo Benardinelli tinha acabado de completar 40 anos. A trajetória profissional dele até aquele momento da vida era de fazer inveja a muita gente. O currículo como executivo incluía algumas das principais multinacionais de tecnologia do mercado. Mas, no íntimo, nada mais o satisfazia. A sensação era de vazio. O rendimento na empresa que lhe havia conferido importantes missões e passava por um processo de reestruturação estava aquém do esperado. As cobranças só aumentavam, mas o retorno não vinha. Como no mundo dos negócios complacência tem limites, Rodrigo acabou demitido. Foi um choque para ele, que nunca tinha passado pela experiência de ser dispensado de um emprego.
Num primeiro momento, prevaleceu o sentimento de que havia sido injustiçado. Mas não demorou muito para a realidade se sobrepor. "Descobri o quanto estava deprimido e o quanto não gostava mais do que estava fazendo", conta Rodrigo, hoje, com 44 anos. "Como executivo, digo, agora, que a decisão da empresa que me colocou para fora foi correta. Entendi isso tempos depois. Era um momento de transformação da companhia, e eu já não dava o meu máximo, e não percebia isso", acrescenta. Para sair do buraco emocional em que tinha se metido, foi procurar ajuda de um profissional. Era preciso colocar a cabeça em ordem para recuperar as forças. Ele tinha noção de seu potencial, mas não conseguia usá-lo a seu favor.
"Fui me tratar. Antes de começar qualquer coisa nova, precisava botar a cabeça no lugar. Ao longo desse processo, comecei a perceber, a olhar para trás, a ver meus erros e meus acertos", relata. Não era fácil se deparar com tantas fragilidades. "Cheguei onde eu queria como executivo, tinha uma boa vida, uma boa condição, um bom pé de meia, mas não me dava conta de quão depressivo eu estava. Por mais que eu gostasse de mostrar que eu tinha um cargo, que tinha uma responsabilidade grande, cuidando de América Latina, de diversos países, só quando fiquei sem emprego me dei conta de como estava perdido", ressalta.
Felizmente, o tratamento deu certo. E o 'paulista' Rodrigo recuperou o gás. "Estava com a cabeça muito mais aberta para fazer o que precisava ser feito. Foi aí que eu decidi empreender. Quando a minha mente abriu, quando comecei a olhar de uma maneira mais clara, a ver que tinha um potencial para trabalhar, minha vida começou a mudar", frisa. Foi, então, que surgiu a ideia de criar a Digibee, uma startup que ajuda grandes empresas a integrarem seus sistemas. "A gente faz os sistemas comerciais conversarem com o sistema de relacionamento com o cliente, com o e-commerce, os sistemas financeiros e de registros. É uma maneira muito mais fácil do que, tradicionalmente, se faz na área de tecnologia", explica.
Exemplos em casa
O empresário conta que, até então, o único movimento que havia feito como empreendedor foi na adolescência, quando, apoiado pelo pai, abriu uma locadora de videogames em sociedade com alguns amigos em frente a escola em que estudava. Por sinal, as frustrações do pai em ter o próprio negócio o marcaram profundamente. "Meu pai sempre foi executivo de grandes empresas e, um belo dia, ele decidiu empreender. Abriu um negócio que não tinha nada a ver com a formação dele, no ramo de distribuição de alimentos, que, infelizmente, não deu certo. Depois, ele começou a trabalhar por conta própria, na área de tecnologia, mas também o negócio não vingou. Meu pai, então, voltou para o mercado de trabalho e eu, que pensava em empreender, desisti disso e segui a minha carreira", relata.
Formado em ciências da computação, Rodrigo começou a trabalhar como técnico, desenvolvendo softwares. Logo, estava empregado em uma multinacional. A capacidade de vender os sistemas de informática chamou a atenção dos chefes e de colegas. Não demorou muito para migrar para a área comercial. Era visível a capacidade com que ele convencia a clientela a embarcar nos produtos da sua empresa. Muito dessa capacidade vinha do gosto pela tecnologia, que ele desenvolveu desde cedo e se tornou uma marca da família. Além do pai, que está aposentado, os dois irmãos atuam no setor. "Desde pequeno, sempre fui muito curioso, mexendo em computador", relembra.
Tinha ali também muita paixão, sentimento que move o CEO da Digibee. "Este é o primeiro empreendimento de verdade que faço, uma transição de uma vida como executivo para o empreendedorismo", diz. A analogia que ele faz dessa mudança é esclarecedora: "Saí da business class (classe executiva) e fui para o Jardim Taboão, onde eu pegava o ônibus para voltar para casa depois da aula. Mudaram os conceitos e a visão de mundo. Mudou onde quero chegar e aquilo que me satisfaz. E é impressionante como não estava percebendo isso. Por mais que eu estivesse galgando posições como executivo de multinacionais, buscando ter um espaço, aquilo que eu achava estar me fazendo bem não estava".
Rodrigo reconhece, contudo, que, não fosse toda a sua história profissional, não teria construído a Digibee. "Trabalhar em várias grandes empresas, lidar com governos, tudo isso me ajudou muito. Tenho consciência", afirma. Valeu, sobretudo, para não seguir receitas já prontas na sua companhia. "Quando você está em cargos executivos de multinacionais, segue a cartilha das matrizes. As decisões são tomadas com base em um roteiro. Na Digibee, nós estamos criando o roteiro, criando a maneira de fazer, porque ninguém fez o que estamos fazendo. É uma coisa grande, e não é fácil", enfatiza.
Estados Unidos
Sucesso à parte, gerir uma empresa exige muita resiliência. "O dia 30 chega e é implacável", ressalta o empreendedor. "É quando se tem de pagar tudo. Quantas vezes chegou ao final do mês e eu tive de recorrer ao meu próprio patrimônio para honrar os salários dos funcionários. Não admitia a possibilidade de atrasar o salário de alguém. Isso veio das grandes empresas, essa seriedade para tratar as pessoas", destaca. Quase cinco anos depois e muitos percalços, ele tem certeza de que está no caminho certo. "Não consigo mais me ver de outra maneira. Olho minhas fotos de terno e gravata e digo: esse cara não sou eu. Não me arrependo de tudo que fiz de errado. São experiências da vida. Aprendi e não farei mais", assinala.
Os desafios são muitos. "Meu maior objetivo, agora, é fazer da Digibee uma empresa global, muito grande, que vire um exemplo para outras firmas. Aí tem várias coisas que nos conectam ao futuro. Vamos mostrar para todo mundo que, sim, é possível", acrescenta. Não por acaso, Rodrigo se mudou para os Estados Unidos. "Isso acontecendo e dando certo, quero contribuir devolvendo tudo que aprendi, participando de grupos de empreendedores. Por sinal, a Digibee é uma máquina de talentos, e todos deveriam sair sócios dos negócios, com capacidade para tocar outros empreendimentos. É esse tipo de situação, de formar pessoas e deixar um legado de empreendedores, que me fascina. Eu adoraria virar esse modelo e ajudar o ambiente de inovação, de empreendedorismo", reforça.
Enquanto esse momento tão especial não chega, o foco do CEO da Digibee é atrair mais investimentos para a empresa e, sobretudo, criar uma estrutura sólida para competir nos Estados Unidos. "O mercado norte-americano é muito competitivo, é 100 vezes maior que o mercado latino-americano inteiro. Portanto, a Digibee precisa ganhar autoridade, reputação, nos EUA. Precisamos daquilo que conquistamos no Brasil, onde somos referência. Queremos, nos Estados Unidos, nos posicionar como líderes do mercado que atuamos. E se a gente ganhar esse mercado, será a plataforma para o resto do mundo, como Europa e Ásia", conta.
Rodrigo ressalta que a primeira rodada de investimentos para reforçar o capital da Digibee já ocorreu. Foram US$ 25 milhões (R$ 133 milhões) obtidos no mercado, tendo como líder o SoftBank. Uma nova rodada de captação de recursos está a caminho. "As pessoas estão vindo para a Digibee. Isso aconteceu no Brasil e tem acontecido Estados Unidos. Com pegada global e sustentável, vamos ampliar nossos horizontes", diz. O dinheiro já captado deu fôlego para a empresa trabalhar nos EUA, um mercado muito caro.
"Somos uma empresa lucrativa no Brasil, geramos caixa. Mas é muito difícil investir nos Estados Unidos, pois a maior parte da minha receita é em reais. A diferença cambial hoje é muito grande. Como suporte, precisamos de mais receita em moeda forte para nos proteger dos riscos do Brasil", complementa o empreendedor. Ele afirma que tem aprendido muito com a empreitada norte-americana. "As despesas são certas, as receitas, não. Então, você investe para ter receita. Caixa é uma coisa importante. Uma empresa sobrevive a um produto ruim, a uma pessoa ruim, a uma estratégia ruim, mas não sobrevive se acabar o dinheiro. Pode pensar na estratégia que for, acabou o dinheiro, acabou a empresa", sentencia.
Humildade é vital
O sonho americano em nada afastará Rodrigo do Brasil. "Queremos ser uma empresa global, mas sem abrir mão das nossas origens", destaca. Ele reconhece, porém, que não está fácil ser empreendedor no país neste momento, especialmente por causa da polarização política que atormenta a todos. "Não é moleza ser empreendedor no Brasil, por tudo o que já se sabe. E, neste momento meio louco em que a gente vive, de polarização absurda, com alienação, complica mais. Às vezes, parece que estamos involuindo", afirma. "Mas tem uma coisa que eu botei na minha cabeça: estou fazendo a minha parte, aquilo que precisa ser feito, o meu lado da história", emenda.
Sobre o futuro, enfatiza: "Eu me pego várias vezes pensando no que vem depois, os próximos passos. Na hora em que esse negócio virar muito maior que eu, não servir mais, vou ficar em casa, não temos de perder clientes. Certamente, outras coisas virão". Quanto aos conselhos para aqueles que pretendem empreender, frisa que, nas adversidades, o caminho é se juntar aos bons. "Não aprendi isso de uma maneira trivial. Em grandes empresas, a gente aprende a ser arrogante e prepotente. Isso é fácil, o difícil é aprender a ser vulnerável, o difícil é aprender a humildade. Só assim vamos conseguir aprender mais."
O CEO da Digibee conta que, na empresa dele, não é problema errar. "O problema é não aprender nada. Tem aquela expressão que a molecada gosta de usar, 'não sabe brincar, não desce para o play'. Aprendizado é tudo", afirma. Ele reconhece que é difícil acreditar que um negócio vai dar certo. "Mas acredite. Obviamente, tem de manter os pés no chão". A dica é conversar muito com quem já empreendeu. "Abra o seu coração, abra sua mente, tente se desvencilhar de argumentos que você já comprou. Hoje, o mundo está assim, primeiro você confia no argumento, não importa o fato, depois, vai ver o que dará. Entenda o outro lado da história. Mostre-se vulnerável para aprender. Entenda que não sabemos tudo; por mais experiência que se tenha num determinado segmento, o mundo está em constante evolução", receita.