Lisboa — A mineira de Cambuquira Jussara Soares de Gusmão, 61 anos, mudou-se para a Suíça, mais precisamente para a pequena cidade de Nyon, nos idos de 2003, a fim de acompanhar o marido, o carioca Alexandre, 64, transferido para o país europeu. Passados os primeiros meses de adaptação na terra de alguns dos mais famosos queijos do mundo, Jussara já não aguentava mais de saudades da comida da sua terra. Para saciar sua vontade, decidiu, ela mesmo, pôr a mão na massa para cozinhar tudo o que mais gostava, em especial, o pão de queijo. Num primeiro momento, as delícias ficaram restritas à família. Depois, os amigos passaram a ser presenteados com as guloseimas. A produção caseira deu tão certo, que, hoje, os pães de queijo — ou boules d'or (bolas de ouro) — dos Gusmão estão à venda nos principais grupos de supermercados suíços.
"Quando chegamos à Suíça, com os filhos já crescidos, Jussara, sempre muito ativa, começou a preparar em casa coisas das quais sentíamos falta do Brasil, de Minas, pão de queijo, especialmente", conta Alexandre, que à época trabalhava no setor de tecnologia voltado para a aviação em aeroportos. A disposição em manter a tradição mineira em casa era tamanha, que um fazendeiro local perguntou a Jussara por que ela comprava tanto leite. Bem-humorada, ela respondeu: "Estou fazendo queijo em casa". Inconformado com o que acabara de ouvir, o homem disparou: "Como assim? Fabricando queijo? Mas a senhora está na Suíça, onde tem os melhores queijos do mundo". A mineira refutou, na brincadeira: "Aqui não tem um queijo tão bom como o queijo de Minas". A conversa se encerrou ali.
O questionamento feito pelo fazendeiro despertou a atenção de Alexandre. Ele, então, assuntou com a mulher se seria interessante fazer o tradicional pão de queijo usando ingredientes suíços. Melhor: um queijo suíço, o gruyère. Jussara decidiu fazer o teste. E não se arrependeu. "Ficou muito bom", afirma ela. A produção de pão de queijo foi crescendo na medida que o entusiasmo da mineira aumentava. "Em casa, já não dávamos conta de comer tudo o que ela fazia. Começamos a distribuir para os amigos, até que chegou um momento em que eles disseram que não queriam mais receber pão de queijo de graça. Que era hora de Jussara cobrar pelo que produzia", relembra o marido.
Devagarinho, a mineira começou a fazer sua clientela. Os amigos sugeriram que ela passasse a oferecer seu produto para mercearias da cidade. Como esperado, foi um sucesso entre os brasileiros e, muito mais, entre os suíços. "Isso começou entre 2005 e 2006. Mas sabia que não poderia vender pão de queijo sem a autorização da Vigilância Sanitária. Na Suíça, isso é muito rígido", diz Jussara. "Chamamos um fiscal, que foi em casa, expliquei como era o processo de fabricação dos pães. Ele ficou feliz em saber como tudo era feito e me deu o aval", acrescenta. Num segundo momento, quando Jussara e o marido decidiram ampliar o negócio, ela questionou o fiscal se poderia ofertar pão de queijo também em Genebra. "Ele quis saber por que eu ainda não estava fazendo isso. Fiquei tão animada que comecei a colocar nosso pão de queijo nas mercearias não só de Nyon e de Genebra, mas também de Lausanne."
Primeira fábrica
Nesse período, a produção era de 10 a 20 quilos de pão de queijo por semana. "Era tudo feito na mão, e eu era doida para ter uma máquina caseira", ressalta a empresária. Era preciso, porém, dar um salto no negócio. Afinal, o fato de não ter nada na Suíça parecido com o pão de queijo estava fazendo uma diferença enorme na aceitação do produto. Foi entre 2014 e 2015 que surgiu a ideia de abrir uma fábrica. "Meu contrato de trabalho havia terminado, e eu, com quase 60 anos, via dificuldades em me reposicionar no mercado. Tivemos de decidir entre voltar para o Brasil ou continuar na Suíça", detalha Alexandre. "Não só ficamos na Suíça, como colocamos nossas economias numa fábrica que não sabíamos se daria certo", emenda.
A decisão, cheia de riscos, foi acompanhada de uma pesquisa de mercado. O casal Gusmão conversou com donos de mercearias que vendiam os pães de queijo para entender o perfil daqueles que os compravam. Para surpresa dos dois, a maior parte dos clientes era de suíços. "Pensamos, se os suíços estão comprando nossos produtos, é porque estão gostando. E isso foi ficando cada vez mais claro nas degustações que fazíamos", assinala Alexandre. "Temos de lembrar que a Suíça tem uma cultura gastronômica muito voltada para o queijo", frisa.
Passada a empolgação, veio o choque de realidade. Jussara e Alexandre haviam aberto uma fábrica, em 2016, certos de que replicariam o modelo de venda às mercearias na Suíça inteira. A primeira barreira se deu na parte alemã do país. Não havia, naquela região, aqueles estabelecimentos internacionais, normalmente controlados por estrangeiros. "Quando partimos para Zurique, Berna e Basel, encontramos um sistema muito mais fechado. Começou a dar um desespero, porque o caixa da empresa, batizada de Boule d'Or, estava sendo consumido, tinha empréstimo bancário", relembra Alexandre.
O jeito, para sair das dificuldades, foi tentar colocar os pães de queijo nos supermercados. A aposta era que as portas se abririam rapidamente, mas o primeiro negócio efetivo saiu um ano depois. A rede de varejo, para aceitar os pães de queijo da família Gusmão, exigiu uma ampla auditoria na fábrica, para assegurar a higiene e a qualidade dos produtos usados. Era 2018. E o grupo Migros, com suas 500 lojas, aprovou a compra. Ao mesmo tempo, os supermercados Manor iniciaram os testes com os produtos. Depois, veio a rede Aligro.
"Inicialmente, a rede Migros colocou os pães de queijo apenas na Suíça francesa. E o sucesso foi enorme. Em 2019, passou a oferecer o produto em todo o país", afirma Jussara. Atualmente, nos meses de pico, são produzidas duas toneladas de pães por semana, o correspondente a 120 mil unidades. Por mês, a fábrica da Boule d'Or entrega à clientela de oito a nove toneladas, ou 500 mil a 600 mil pães de queijo. Na Suíça, as bolas de ouro servem de aperitivo, por isso, a demanda é maior em períodos de festas, como em dezembro e no mês da Páscoa. "Durante os períodos normais, produzimos 90 mil pães por semana ou 380 mil por mês", acrescenta Alexandre.
Rompendo fronteiras
São muitos os planos do casal Gusmão. O principal deles, ultrapassar as fronteiras suíças. E a primeira parada deve ser a Alemanha, para, depois, conquistar a Europa. "A Alemanha é o maior mercado de congelados da Europa. É cerca de 12 vezes o tamanho do mercado da Suíça", explica Alexandre. Ele e Jussara apostam nos laços afetivos dos alemães com o Brasil. "Mais de 7 milhões deles migraram para terras brasileiras no século passado, depois das duas grandes guerras. Estima-se que 4 milhões de pessoas falem alemão fluentemente no Brasil. Há muitas famílias na Alemanha com parentes no Brasil, e vice-versa", acrescenta ele. "Estamos até pensando na propaganda por lá: está com saudades, compre pão de queijo."
Nada, porém, será feito no afogadilho. "Temos de garantir qualidade. Foi assim que conquistamos o mercado suíço, que é muito exigente", avisa Jussara. "Conseguimos essa qualidade, porque usamos ingredientes muito bons", enfatiza. Ela lembra que, ao mesmo tempo em que se prepara para voos maiores na Europa, deve tirar do forno um pão de queijo com um sabor mais forte. É um pedido da clientela suíça, que anseia por um produto fora da linha família. É importante ressaltar, segundo Alexandre, que, tradicionalmente, o pão de queijo não pode ter um sabor muito acentuado, porque fica pesado e as crianças não gostam. Mas os suíços desejam essa nova versão como aperitivo. É possível que saia ainda neste ano.
Planos à parte, Jussara, que é formada em artes gráficas, se diz realizada. "Nunca pensamos em desistir do nosso negócio", assinala. Ela detalha que as atividades da empresa são muito bem divididas. A produção está sob os cuidados dela, assim como parte do marketing, que envolve as degustações nos pontos de venda, fundamentais para consolidar a clientela. Alexandre é responsável pela gestão, logística, importação de polvilho do Brasil — são 25 toneladas por vez —, estratégias de crescimento da empresa e finanças. "Não conhecia a Jussara como profissional até trabalharmos juntos. O que posso dizer é que ela é muito exigente com a qualidade, no que está certíssima, pois vai de acordo com a exigência dos consumidores", emenda Alexandre.
O casal Gusmão nunca empreendeu no Brasil, apesar do desejo de Alexandre de ser independente e ter o próprio negócio. "Isso só foi possível quando decidimos ficar na Suíça", reforça Jussara. Nem ela nem o marido ainda pensam em deixar o negócio, mas, em algum momento, o processo de sucessão chegará. A tendência, diz a empresária, é de que o neto Gabriel, hoje com 9 anos, seja o escolhido. "Meu filho mais velho trabalha no mercado bancário e está muito bem. O mais novo, voltou para o Brasil, onde é professor de yoga. Meu neto Gabriel, quando vai para a fábrica, se interessa por tudo, até se veste como funcionário", afirma ela. "Na Suíça, é possível trabalhar a partir dos 16 anos." Jussara e Alexandre estão juntos há 47 anos, com muitos sonhos pela frente.