EMPODERAMENTO

Protagonismo feminino na ordem do dia

Mulheres seguem lutando pelo protagonismo no mercado. Brasil ocupa o quarto lugar no ranking da liderança feminina, à frente da média da América Latina

Jáder Rezende
postado em 05/03/2023 06:00 / atualizado em 05/03/2023 06:00
Às vésperas de mais um Dia Internacional da Mulher, exemplos de desbravadoras modernas expõem expectativas sobre o futuro e lembram suas trajetórias até atingir o protagonismo num mercado ainda dominado pelo patriarcado. À frente do seu tempo e cada vez mais empoderadas, elas comungam a expectativa da equidade de gênero e da garantia de direitos no mercado, em todas as suas nuances. -  (crédito: Arte de Maurenilson Freire/CB/D.A Press sobre fotos de Samuel Paz/Divulgação UCB; Fernando Santos/Divulgação; Arquivo pessoal; Samuel Lorenzetti/Divulgação e Minervino Junior/CB/D.A Press)
Às vésperas de mais um Dia Internacional da Mulher, exemplos de desbravadoras modernas expõem expectativas sobre o futuro e lembram suas trajetórias até atingir o protagonismo num mercado ainda dominado pelo patriarcado. À frente do seu tempo e cada vez mais empoderadas, elas comungam a expectativa da equidade de gênero e da garantia de direitos no mercado, em todas as suas nuances. - (crédito: Arte de Maurenilson Freire/CB/D.A Press sobre fotos de Samuel Paz/Divulgação UCB; Fernando Santos/Divulgação; Arquivo pessoal; Samuel Lorenzetti/Divulgação e Minervino Junior/CB/D.A Press)

Considerada primordial para otimizar a distribuição de renda, enfrentar o preconceito e alcançar a justiça social, a presença feminina em cargos de liderança no mercado de trabalho vem recuando no Brasil. Depois do avanço expressivo registrado ano passado, mesmo diante dos impactos da pandemia de covid-19, as mulheres perderam 1% dos postos executivos nas empresas brasileiras de médio porte, caindo para 38% em 2022. Ainda assim, no ranking global elaborado pelo International Business Report da Grant Thornton, o Brasil passou a ocupar o quarto lugar e mantém-se à frente da média da América Latina (35%) e da global (32%).

No que se refere aos aspectos medidos pela organização em relação à diversidade e inclusão, 60% das empresas afirmaram medir a igualdade salarial de gênero, e 40% se preocupam com a percepção dos funcionários sobre inclusão. No entanto, mostra a pesquisa, ainda é baixo o nível de monitoramento de questões como promoção das mulheres (34%), percentual de funcionárias (29%), e percentual de novas contratações femininas (38%). Mas isto não ocorre somente no Brasil. Globalmente, esses índices ficaram em 30%, 30% e 29%, respectivamente.

A pesquisa investigou, ainda, o impacto da pandemia de covid-19 na diversidade de gênero nas empresas. Nesse quesito, 86% disseram esperar que novas práticas de trabalho beneficiem a carreira das mulheres a longo prazo; 81% afirmam que estão adotando novas formas de trabalhar para criar um ambiente mais inclusivo para o talento feminino; 52% afirmam que estão sentido pressão dos stakeholders (clientes, reguladores, fornecedores, investidores e outros) na organização para alcançar e/ou manter o equilíbrio de gênero impulsionado pela pandemia; 50% concordaram plenamente que novas práticas de trabalho beneficiaram as mulheres durante a pandemia; e 50% afirmaram acreditar que não está claro qual efeito a covid-19 terá na carreira das mulheres.

Entre as mais de 250 empresas brasileiras pesquisas, 6% afirmaram não manter nenhuma mulher em cargos de liderança, muito abaixo dos 48% do Japão, 33% da Coreia do Sul e 22% da Grécia, por exemplo, e abaixo também das médias global (10%) e da América Latina (11%). No pico, em 2015, esse índice chegou a 57% aqui no país.

Pioneirismo

 Ana Paula Faure Administradora hoteleira do Hotel Fusion
Ana Paula Faure Administradora hoteleira do Hotel Fusion (foto: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)

Quando me candidatei ao meu primeiro emprego como gerente, disseram que eu era muito jovem e, por ser mulher, não dava muita conta de que esse argumento era absolutamente absurdo. Mas comprovei minha competência e deu tudo certo”

Primeira mulher a gerenciar um hotel em Brasília, Ana Paula Faure é hoje uma das principais executivas do setor no país. A diretora executiva e sócia-fundadora da Hplus — considerada pelo Fórum de Operadores Hoteleiros do Brasil (FOHB) como a maior rede de hotéis do Centro-Oeste —, Ana Paula é responsável por coordenar 850 colaboradores de 17 unidades, cinco em Brasília, uma em João Pessoa (PB), uma Palmas (TO), e nove apart-hotéis no Distrito Federal.

Ela lembra que no início de sua jornada como executiva enfrentou adversidades jamais imaginadas. "Foi difícil, mas encarei como grandes desafios. Agora, aos 56 anos, convivo com pessoas mais jovens e percebo como tudo era errado e não me dava conta disso", diz Faure, que é graduada em hotelaria, com pós-graduação em administração de empresas e MBA em hotelaria de luxo e atua na área desde 1987.

Desde então, Faure passou por diversos setores do ramo, entre reservas, vendas, eventos, recepção e gerência de hospedagem. "Quando me candidatei ao meu primeiro emprego como gerente, disseram que eu era muito jovem e, por ser mulher, não dava muita conta de que esse argumento era absolutamente absurdo. Mas comprovei minha competência e deu tudo certo", recorda.

A trajetória de Faure no ramo de apart-hotéis teve início em 1990, quando a modalidade ainda era uma novidade no setor imobiliário e de hospedagem. Em 1992, ela se radicou em Brasília para a implantação dos novos apart-hotéis de uma nova rede que seria criada pela Encol, construtora e incorporadora desses empreendimentos. Onze anos depois criou a Hplus, já com foco na valorização da mão de obra feminina. "Que me perdoem os homens, mas sou e sempre fui a favor das mulheres dentro da empresa", diz.

Ela conta que o processo de valorização de trabalhadoras ganhou impulso nos últimos dois anos, com o aprimoramento de dados de recursos humanos. "Embora haja predominância de mulheres na empresa, menos de 50%, considero ainda baixo o índice delas em cargos de chefia", ressente-se, considerando crer que essa lacuna se dê, sobretudo, "pela intimidação, talvez o fato delas não se sentirem preparadas para se candidatar a vagas abertas".

"É o tal sentimento de inferioridade, incapacidade, despreparo, que muitas mulheres ainda alimentam, mesmo com formação acadêmica, especializações", diz Faure, apontando como principais causas a dupla e até tripla jornada. "A responsabilidade que recai sobre nós é muito grande, além das jornadas diárias de trabalho, tem a casa, os filhos para cuidar, o casamento. Muitas não conseguem administrar isso, mas cada vez mais conversamos abertamente na empresa, alertando que elas não podem crescer profissionalmente se não houver o devido apoio dos parceiros", observa.

Para ela, essa valorização necessária ainda está longe de ser assimilada por eles. "Os homens trabalham o dia todo, mas a carga de criação, educação dos filhos, sempre recai sobre as mulheres, mesmo que elas cumpram a mesma jornada de trabalho e ainda ganhem menos. Infelizmente, o machismo ainda impera",lamenta. "Tudo, ainda, constitui um grande aprendizado, embora caminhemos a passos lentos para que haja o devido respeito e valorização. Mas sou otimista. Dando passos para frente e não para trás já está ótimo."

Faure aconselha as que ainda se sentem fragilizadas, vulneráveis, a rever suas posições. "É imperativo prosseguir no foco, ser destemida, lutar por seu espaço, se sentir capacitada para concorrer a tudo o que quiser", alerta.

Para ela, é passada a hora de as empresas colocarem em prática ações voltadas às mulheres. "Há centenas de ferramentas de recursos humanos que facilitam a vida dos gestores, que possibilitam políticas de inclusão nas empresas", afirma, lembrando que a adoção de políticas públicas é também fator preponderante para que haja avanço nas relações de trabalho. "Acredito que agora, com esse novo governo, voltaremos a ter essa devida atenção", aposta.

Ecossistema

Flavia Carvalho, diretora de relações com investidores e M&A da Viveo
Flavia Carvalho, diretora de relações com investidores e M&A da Viveo (foto: Arquivo Pessoal)

No mundo financeiro há muitos mais homens que mulheres. Quando era mais nova e meus interlocutores eram, basicamente, do sexo masculino, comumente eu era tratada como 'mocinha', 'menininha', e não via essa postura como algo adequado”

Diretora de relações com investidores e M&A da Viveo, Flavia Carvalho, lembra ter enfrentado barreiras no início de sua trajetória como executiva, aos 24 anos. Hoje, 15 anos depois, afirma se sentir mais segura e empoderada ao lidar com equipes majoritariamente masculinas. "No mundo financeiro há muitos mais homens que mulheres. Quando era mais nova e meus interlocutores eram, basicamente, do sexo masculino, comumente eu era tratada como 'mocinha', 'menininha', e não via essa postura como algo adequado", recorda, pontuando que a dominação dos homens no mercado, quando o assunto é protagonismo, ainda é discrepante. "Para se ter uma ideia, 60% das empresas no país não têm cargo de diretoria ocupado por mulheres", diz.

Responsável por um ecossistema, controlado pela DNA Capital, que reúne diversas empresas que atuam desde a fabricação e distribuição de materiais e medicamentos, até a gestão de seus clientes, Flávia Carvalho se ressente do fato de, até hoje, ter que provar sua capacidade de liderança, seguir rompendo preconceitos e provando ter capacidade de discutir mais a fundo, embora o conselho da Viveo seja constituído 20% de mulheres, enquanto até três anos atrás era formado apenas por homens. "A desconfiança ainda persiste e sempre há um ou outro preconceito a ser quebrado, principalmente pelas mais jovens, em início de carreira", afirma.

Para que as mulheres conquistem seu lugar ao sol, a executiva aconselha enfrentar as dificuldades com garra e coragem. "Não se deve ter medo, ficar acuada. O importante é estar sempre confiante, ter segurança e muita clareza nas informações a serem repassadas, sobretudo num mercado dominado por homens, onde impera a desconfiança", conclui, acrescentando ser ainda comum a participação inexpressiva de empresárias em conferências nacionais e internacionais.

No entanto, Flávia Carvalho considera que as empresas de capital aberto, embora lentamente, estejam evoluindo. "Há uma ´parte de empresas genuínas querendo melhorar esse quadro, acatando pressões de órgãos reguladores, bancos mundiais", diz. Para ela, é imperativo que essas ações sejam reforçadas pela sociedade, para que o cenário seja revertido mais rapidamente. "Há mulheres extremamente capacitadas no mercado, mas a mercê de políticas corporativas. É preciso haver um movimento contundente, pautado na diversidade e equidade, elevar as discussões a outros níveis."

 

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