Eu, Estudante

SEGUNDA CHANCE

Calouro de medicina aos 65 anos

Francisco Fabiano Bessa conquistou vaga no vestibular de uma faculdade particular do Maranhão

Natural de Taboleiro Grande, pequena cidade do interior do Rio Grande do Norte com pouco mais de 4 mil habitantes, Francisco Fabiano Bessa foi aprovado em medicina aos 65 anos, pelo vestibular tradicional da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco (UNDB), em São Luís (MA). Para ele, a conquista significa a realização de um sonho de vida.

Francisco começou a estudar para o vestibular no ano passado, depois de um período de 40 anos longe dos bancos escolares. Ao longo da preparação, Bessa precisou conciliar a preparação com o trabalho como garçom no restaurante da família. "Chegava de noite e ia estudar até as 22h. Depois, acordava por volta das 4h e ficava até  as 7h estudando. Estudava sozinho, por meio de conteúdos disponíveis na internet", conta.

Quando soube da aprovação, a sensação foi de uma "felicidade inexplicável", lembra. A comemoração de Francisco contou com tudo o que tinha direito, desde a raspagem completa do cabelo até a participação na calourada da turma. "Estou muito animado e não quero perder nem uma aula. Levanto todos os dias muito animado e espero servir de exemplo", diz.

Trajetória

Oriundo de uma família do interior rural, composta por 10 irmãos, Francisco afirma que as condições financeiras em casa não eram fáceis. "Durante a infância, todo mundo ajudava na roça, mas nossos pais sempre nos incentivavam a estudar. O sonho do meu pai era ter um filho médico", ressalta. Francisco destaca que a família Bessa é conhecida pelo legado na medicina, sendo atualmente formada por 50 médicos, entre formados e formandos.

Depois que concluiu o ensino médio, ele decidiu seguir na área tanto por influência da família, quanto pelo desejo de prestar um serviço social humanitário. "Desde jovem, percebia a forma injusta como as comunidades carentes eram tratadas. A maioria dos problemas que temos hoje provém da falta de assistência básica de saúde", relata o estudante.

No entanto, Francisco conseguiu aprovação, na época, apenas em medicina veterinária, sua segunda opção de curso. Por isso, depois ter sido aprovado em um concurso do Banco do Brasil, em 1980, o riograndense optou por seguir na carreira bancária, mas sem se esquecer do sonho. "Naquela época, o banco pagava muito bem. Então, continuei para ajudar a minha família", reforça. Desde então, Bessa seguiu na carreira por 17 anos e chegou a assumir como gerente-geral no banco.

Exemplo

Em 1997, Bessa decidiu deixar a carreira para abrir um restaurante, mas, com a pandemia, não conseguiu manter o negócio. Voltou, então, a estudar e retomou o sonho de infância. Hoje, aos 65 anos e com 9 filhos — dos quais dois cursam medicina no Paraguai —, Francisco se sente realizado. "A idade não atrapalha nem nos impede de irmos atrás dos nossos sonhos, de estudar e trabalhar", adverte.

Durante a preparação para o vestibular, Francisco admite que teve que lidar com o etarismo — discriminação contra pessoas baseada na idade — diversas vezes. "As pessoas acham que, por termos essa idade, estamos mortos. Percebia esse preconceito até mesmo de alguns amigos e familiares. Mas isso nunca me desmotivou. [Nelson] Mandela, por exemplo, passou 27 anos preso, mas saiu da cadeia para se tornar presidente, apesar da idade", enaltece.

Na faculdade, contudo, Bessa foi bem recebido pelos colegas. Apesar do desafio e das dificuldades com a tecnologia, o calouro se diz empolgado e espera servir de exemplo para os mais jovens. "Vejo muitos jovens de 20 anos achando que não têm mais tempo para estudar. Quero que eles me vejam como exemplo", conclui.

A história de Francisco ganhou notoriedade depois que o filho, Fabiano Junior, 30 anos, publicou vídeo dele nas redes sociais, comemorando a aprovação (disponível no instragram do site Eu,Estudante. "Fiquei muito feliz em ver que ele está concluindo a vida fazendo o que gosta e o que sempre sonhou. Estamos o incentivando e torcendo," disse o filho.

A idade não atrapalha nem nos impede de irmos atrás de estudar e trabalhar"

"As pessoas acham que, por termos essa idade, estamos mortos. Percebia esse preconceito até mesmo de alguns amigos e familiares

*Estagiário sob a supervisão de Ana Sá