Os obstáculos para fiscalização da legislação

Além da defasagem do Minsitério do Traalho, que está há 10 anos sem concurso público, a falta de verba para campanhas de conscientização também tem contribuído para a perpetuação de práticas abusivas no mercado de trabalho

Diogo Albuquerque*
Samara Oliveira*
postado em 19/04/2023 20:21
Procurador do Trabalho do Ministério Público do Trabalho (MPT) -  (crédito: Geraldo Magela/Agência Senado)
Procurador do Trabalho do Ministério Público do Trabalho (MPT) - (crédito: Geraldo Magela/Agência Senado)

O sucateamento do Ministério do Trabalho é apontado como um dos principais obstáculos que prejudica as fiscalizações do trabalho das domésticas. Com baixo efetivo no quadro de auditores fiscais do Trabalho, de servidores administrativos, poucos veículos e falta de verba para equipamentos, o Ministério se vê em apuros para arcar com toda a demanda de fiscalização. A auditora fiscal do Trabalho Terezinha de Lisieux Rodrigues lembra que quando começou a trabalhar como auditora, a pasta dispunha de um quadro com pouco mais de 3.200 auditores. Hoje, o número é inferior a 2 mil servidores, conta.

"Nosso trabalho é eficiente dentro do que podemos fazer, e o mérito disso é o esforço pessoal de cada um pela causa. Mas esse trabalho poderia ser melhor e, para isso, necessitamos de um novo concurso público urgente e de melhor aparelhamento da auditoria”, defende. Além da defasagem do Ministério do Trabalho, que está há 10 anos sem concurso público, a falta de verba para campanhas de conscientização também tem contribuído para a perpetuação de práticas abusivas no mercado de trabalho.

A presidente da Associação Brasiliense das Empregadas Domésticas Samara Regina da Silva Nunes, 53, destaca que as principais reivindicações da categoria hoje são o direito de recebimento do Programa de Integração Social (PIS); aumento de três para cinco parcelas de seguro-desemprego, conforme piso salarial e a volta do Programa de Recuperação dos Empregadores Domésticos (Redom), com dedução no imposto de renda para os trabalhadores domésticos. “Mesmo com a PEC, o que se observa ainda é muita informalidade, muitos empregadores que não assinam a carteira da empregada com aquela velha justificativa de que elas são da família”, argumenta.

Escravidão contemporânea

Por desconhecer seus direitos, muitas domésticas são convencidas por seus patrões a trabalhar sem carteira assinada, o que as coloca em uma posição de vulnerabilidade e insegurança, afirma Samara Regina da Silva Nunes, 53. “Em pleno século XXI, ainda há muito assédio moral, sexual, condições degradantes. Os próprios empregadores estimulam a informalidade, utilizando de má-fé. Falam que assinar a carteira pode fazer com ela perca benefícios, como o Bolsa Família, o que é totalmente falso, e alegam justa causa na demissão para negar o FGTS aos trabalhadores”, explica.

De acordo com o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, foram resgatados, nos primeiros 100 dias do governo Lula, 1.127 trabalhadores em situação análoga à escravidão. O procurador do Trabalho do Ministério Público do Trabalho (MPT) da região de Patos de Minas (MG), Thiago Lopes de Castro, 38 ressalta que, diferente dos trabalhadores rurais, as empregadas são exploradas por décadas, perdem completamente o vínculo com seus familiares e se encontram em estado mais vulnerável. “As denúncias são feitas geralmente por vizinhos ou pela assistência social. São pessoas que trabalham de domingo a domingo, com ausência total de remuneração e uma carga horária exaustiva. Então, esses trabalhadores ficam refém dos empregadores”, detalha.

A exploração das domésticas se inicia antes mesmo do fim da terceira infância, quando são levadas a acreditar em uma promessa de uma vida melhor na cidade. Logo, a escravidão contemporânea se faz presente por meio da chamada dívida de gratidão, em que a trabalhadora é tratada como membro da família. Os patrões agem para isolar a doméstica da sociedade, fazendo com que ela não pertença a lugar algum para assim não despertar a consciência de sua escravidão.

“Elas normalmente são tiradas das famílias cedo e não tem pra quem voltar, então a única sensação de pertencimento é aquilo que ela conhece, que é a patroa. Se ela conseguir eventualmente sair dessa patroa, ela vai para outra, é um ciclo vicioso” explica Gislene Alexandre, 28, escritora e ex-empregada doméstica.

Thiago e Gislene argumentam que a falta de legislação específica para proteger as trabalhadoras domésticas e a falta de políticas públicas para amparar aquelas que foram resgatadas de situações de exploração são questões preocupantes, e que este é um grande desafio do governo. “É necessário criar políticas públicas de assistência social integral às vítimas pós-resgate, como assistência de moradia, de alimentação, psicológica, médica, odontológica, assessoria jurídica, assessoramento financeiro, para inclusão digital e educacional”, aponta Thiago.

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