O transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH), assim como o transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), pode afetar sobremaneira a vida profissional, devido às obsessões e compulsões que interferem na concentração, na produtividade e nas interações sociais. Esses sintomas, alertam especialistas, podem resultar em atrasos na conclusão de tarefas, rigidez excessiva e dificuldade em lidar com mudanças inesperadas. O suporte no local de trabalho, incluindo um ambiente compreensivo, flexibilidade e adaptações razoáveis, pode ajudar esses indivíduos a gerenciar seus sintomas e a desempenhar suas funções de maneira eficaz.
De acordo com a psicóloga Nathalie Gudayol, especializada em neuropsicologia, a ansiedade é um transtorno comum que pode gerar um impacto bastante significativo na vida profissional. "Pessoas com ansiedade podem experimentar preocupações excessivas, medo e sintomas físicos como palpitações, sudorese e dificuldade de concentração", diz ela, detalhando que esses sintomas podem interferir na tomada de decisões, na capacidade de lidar com prazos, assim como em situações de interação social no trabalho.
A especialista observa que oferecer um ambiente de trabalho de apoio, práticas de gerenciamento do estresse e o acesso a recursos de ajuda, como terapia ou aconselhamento, são fatores que ajudam pessoas com ansiedade a enfrentar desafios nas empresas.
Para todas essas condições, afirma ela, é importante que os empregadores estejam abertos a fazer adaptações e ajustes razoáveis, visando acomodar as necessidades dos funcionários. "Isso pode incluir flexibilidade nos horários de trabalho, fornecer um ambiente adequado, pausas regulares, apoio emocional e também treinamentos sobre saúde mental e bem-estar", afirma.
Além disso, ela aponta como fator crucial a comunicação e sensibilização de toda a equipe. "Promover uma cultura de comunicação aberta e sensibilização sobre questões de saúde mental no local de trabalho é fundamental. Isso envolve educar funcionários e gestores sobre transtornos mentais, reduzir o estigma associado e criar um ambiente de acolhimento de forma que os funcionários se sintam à vontade para buscar ajuda e compartilhar suas necessidades", diz Gudayol.
Redes sociais
Pós PhD em neurociências, mestre em psicologia, tecnólogo em antropologia e filosofia com várias formações nacionais e internacionais em neurociências e neuropsicologia, Fabiano de Abreu Agrela Rodrigues observa que, devido ao aumento do uso excessivo de telas e redes sociais, muitas pessoas estão atribuindo características comportamentais aos traços do TDAH, realizando autodiagnósticos para justificar a falta de esforço ou recebendo diagnósticos equivocados por parte de profissionais pouco preparados.
Foi o que ocorreu com o professor Geraldo dos Santos Júnior, 41 anos. Ele conta que, há 15 anos, quando assistia ao Programa do Jô que exibia uma entrevista com uma pessoa que sofria com TDAH se identificou plenamente com os sintomas que ela relatava. "Achava que estava com problemas sérios nos estudos, no trabalho, perdendo a concentração", recorda.
Júnior relata ter procurado, no dia seguinte, atendimento especializado na rede pública, que confirmou sua suspeita, e foi orientado a fazer um tratamento à base de Ritalina — nome comercial de medicamento estimulante do sistema nervoso central —, que durou mais de 10 anos. Acreditando que estava devidamente assistido, o professor chegou a criar dependência à medicação.
No entanto, frisa ele, o diagnóstico errôneo foi um verdadeiro tiro pela culatra. "No início, me senti um super-homem, mas não demorou muito para constatar que essa droga alterou bastante o meu humor, até que tive um surto e fiquei um mês de licença por motivo de saúde. Estava em situação difícil no trabalho, sob muita pressão e, juntando com meus problemas pessoais, saí do ar. Trocando em miúdos, é um remédio que tem efeitos similares à cocaína. É muito estimulante. Não é por menos que se trata de uma droga largamente usada por concurseiros", relata.
Após o surto, o educador recorreu a uma nova avaliação psiquiátrica e foi submetido a vários exames, que detectaram se tratar de um problema pontual que nada tinha a ver com TDAH. "Meu autodiagnóstico confirmado pelos médicos e o uso indiscriminado do medicamento tarja preta me trouxeram muitos prejuízos", diz Júnior, que indica a todos a buscar profissionais sérios e comprometidos, sobretudo pais de crianças muito ativas. "TDAH é um diagnóstico da moda que pode estragar o cérebro de qualquer um. Mais vale ter a certeza de que não devemos brincar com a vida", alerta.
Estudo inédito realizado sobre a banalização do TDAH e a confusão no diagnóstico de pessoas com distúrbio das redes sociais realizado por Rodrigues, em parceria com a neuropsicóloga Nathalie Gudayol, a geneticista, bióloga molecular e microbiologista Susana Massaran e Rosele Espírito Santo Wagner, PhD em neurociências e psicológica, mostra que, cada vez mais, uma série de condições mentais tem se tornado mais presentes e os prejuízos à saúde mental são bastante frequentes.
Os especialistas chegaram à conclusão que TDAH, TOC e ansiedade têm se tornado comuns nas empresas. E alertam que, com isso, surgiu um movimento de banalização dessas condições, em especial do TDAH, o que cria confusões em diagnósticos. Segundo eles, os sintomas de TDAH são bem delimitados, como a dificuldade de se ater a detalhes e manter a atenção em determinadas informações, apatia a algumas situações, dificuldade em finalizar tarefas, em se organizar, além de realizar planejamentos, seguir instruções e facilidade para perder coisas mas, apesar de estarem bem estabelecidos, eles são comumente associados a comportamentos comuns do dia a dia, e que pequenos esquecimentos ou desatenções absolutamente normais são tidas como provas cabais da condição.
Esse tipo de banalização, conclui a pesquisa, está intrinsecamente ligada à cultura das redes sociais, excesso de informações e ao organismo "viciado" em dopamina, que tem cada vez mais necessidade da substância, o que faz com que muita gente encontre no diagnóstico de TDAH uma alternativa para suprir essas necessidades e compreender as limitações trazidas por essas alterações da sociedade.
Ansiedade, narcisismo e falta de foco
No Brasil, ainda são poucas as empresas que estão preparadas ou preocupadas em detectar e amparar funcionários com TDAH, afirma o neuropsicólogo Fabiano de Abreu Agrela Rodrigues. Segundo ele, trata-se de um movimento que caminha a passos lentos e bem pouco objetivo, generalizando como saúde mental praticamente todas as condições.
O especialista ressalta que esse tipo de apoio é fundamental para que o profissional possa apresentar os melhores resultados possíveis, enquanto mantém a sua saúde mental e evita problemas relacionados à produtividade. "No geral, esse tipo de apoio e adequação é benéfico para todos", afirma.
Rodrigues acentua que as redes sociais trouxeram mudanças significativas em um curto espaço de tempo e que esses impactos ainda precisam ser totalmente compreendidos para que estratégias e abordagens mais assertivas sejam utilizadas. "É bastante comum que pessoas com TDAH tenham dificuldade em manter a atenção. Seu cérebro tenta focar em várias coisas ao mesmo tempo, o que acaba gerando uma sobrecarga de informação, culminando em dificuldades em definir qual tarefa receberá a sua atenção por vez", diz.
Em alguns casos, sustenta, os impactos podem ser bastante profundos, gerando comprometimento da produtividade do trabalhador, mas se o TDAH for devidamente tratado, esse colaborador pode ter um ótimo controle, manter a atenção em suas tarefas e conseguir lidar com demandas.
A pressão por resultados imediatos também pode contribuir para o surgimento de sintomas característicos do TDAH. Rodrigues pondera que a sociedade atual tem uma velocidade, um fluxo de informações e demanda por resultados muito além do que usualmente era utilizado há alguns anos, fator que, em excesso, pode prejudicar a saúde mental do trabalhador e, aliado a um cérebro "viciado" em redes sociais, pode gerar o surgimento de diversos sintomas que erroneamente são atribuídos ao TDAH na maioria dos casos.
"Ansiedade excessiva, narcisismo e dificuldade em manter o foco também são sintomas muitas vezes confundidos com TDAH e que podem gerar diagnósticos equivocados, prejudicando o tratamento adequado quando, na verdade, a causa do problema é o uso em excesso das redes sociais, que devem ser usadas com parcimônia."
Cognição
O médico psiquiatra e sanitarista Ricardo Albuquerque Lins salienta que o grupo de transtornos de déficit de atenção é caracterizado por falta de perseverança nas atividades que exigem envolvimento cognitivo, além de caracterizar uma tendência de passar de uma atividade a outra sem a conclusão de nenhuma delas, associada a uma atividade global desorganizada, incoordenada e excessiva.
Linhares atenta que transtornos dessa natureza costumam ser acompanhados de outras condições médicas, que podem ser percebidas logo na infância, como ansiedade diante de situação sócio-familiar e epilepsia. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), crianças hipercinéticas são frequentemente imprudentes e impulsivas, sujeitas a acidentes, incorrendo em problemas disciplinares mais por infrações não premeditadas de regras — consequência dos impulsos incontidos — que por desafio deliberado.
"As relações com os adultos são, em geral, marcadas por uma ausência de inibição social, atividades da vida diária caracterizadas por mais impulsos e pouca reserva do comportamento normal e isso não pode ser confundido com as impulsividades associadas à infância e ao crescimento e desenvolvimento. É um transtorno que pode estar acompanhado de déficit cognitivo e de um retardo específico do desenvolvimento da motricidade e da linguagem. As complicações secundárias incluem um comportamento dissocial e a perda de autoestima", avalia.
Ele alerta que é preciso, ainda, diferenciar comportamentos dessa natureza aos associado a outras condições de saúde mental, como esquizofrenia , transtornos de ansiedade, do desenvolvimento, humor e também afetivo. "O TDAH é uma síndrome de desatenção, hiperatividade e impulsividade. Há três tipos de TDAH, os que são predominantemente desatentos, hiperativos ou impulsivos, e os combinados. O tratamento inclui medicação com estimulantes, terapia comportamental e intervenções educacionais. É considerado um distúrbio de neurodesenvolvimento, que são condições neurológicas que aparecem precocemente na infância, geralmente antes da idade escolar, e prejudicam o desenvolvimento do funcionamento pessoal, social, acadêmico e também o profissional", diz Linhares.
O psiquiatra, que comumente recebe em seu consultório pacientes com falso diagnóstico de TDAH, observa que esse tipo de distúrbio envolve dificuldades na aquisição, retenção ou aplicação de habilidades ou conjuntos de informações específicas, justamente por relacionar-se com a informação ao longo do crescimento. Segundo ele, as sequelas decorrentes do problema estarão, invariavelmente, associadas a comprometimento com a sociabilidade, relações afetivas, isolamento social e, até mesmo, o medo de expressar-se.
"O TDAH não é simplesmente 'mau comportamento', mas, sim, sofrimento. Infelizmente, algumas pessoas e até profissionais de saúde vêm confundindo os sintomas associados à falta de atenção e dificuldades acadêmicas, entre outras queixas, tendendo a orientar pacientes a fazer uso de Ritalina sem o devido diagnóstico clínico e nem mesmo as investigações necessárias", conclui.
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