Diploma

Refugiados buscam revalidação de diploma para mais oportunidades no Brasil

Painel desenvolvido pela Agência da ONU para refugiados (ACNUR) e pela ONG da Associação Compassiva revelou que 162 documentos foram deferidos

Rafaela Techmeier
postado em 23/07/2023 06:00 / atualizado em 23/07/2023 06:00
O ACNUR e as organizações parceiras apoiam a comunidade afegã no Brasil em diversas frentes, incluindo apoio para documentação e assistência jurídica -  (crédito: ACNUR/Miguel Pachioni)
O ACNUR e as organizações parceiras apoiam a comunidade afegã no Brasil em diversas frentes, incluindo apoio para documentação e assistência jurídica - (crédito: ACNUR/Miguel Pachioni)
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O venezuelano Keyluis Alberto Bonalde chegou ao Brasil em 2017, desviando-se da crise alastrada em seu país de origem. Formado em biomedicina pela Universidade de Oriente, em Ciudad Bolívar, seu primeiro destino no novo país foi Roraima (RR), após proposta de trabalho como atendente de loja de departamento. No ano seguinte, chegou a Brasília em busca da revalidação de seu diploma e de novas possibilidades de emprego.

"O Brasil foi uma oportunidade. Eu saí da Venezuela, porque lá está em crise. Quando decidi ir embora, recebi uma proposta de trabalho em Roraima. Então eu pensei que poderia ser um caminho para eu poder conseguir outras oportunidades", conta Bonalde.

Quando se chega em um novo país, os desafios são grandes. Mesmo com um diploma de biomedicina nas mãos, o migrante Keyluis não poderia atuar na área até revalidar o diploma no Brasil. Enquanto lidava com a burocracia do processo, o venezuelano trabalhou como frentista em um posto de gasolina em Brasília.

"Antes do diploma, é muito difícil trabalhar como migrante que chega em um país diferente, não fala o idioma e não conhece muitas pessoas. Até a revalidação eram 12 horas em pé e atendimento ao público, que não é fácil", explica. O venezuelano conta que a situação mudou após a revalidação. "Não é segredo para ninguém que às vezes o frentista é humilhado por clientes. É muito diferente quando você já tem um jaleco e você fala 'sou um doutor', o trato e o respeito são diferentes".

A revalidação do diploma veio após dois anos morando no Brasil, com ajuda da Associação Compassiva, pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Durante o tempo sem atuar na área de formação, o biomédico juntou economias para cursar pós-graduação em saúde estética e se especializar na área. "Eu sempre gostei muito de estética e quando cheguei ao Brasil, vi que tinha a oportunidade de trabalhar nessa área" disse o venezuelano, que hoje já abriu a própria clínica.

Adaptação

Cada vez mais refugiados chegam ao território brasileiro. Entre janeiro e junho de 2022, o Brasil recebeu 1.720 refugiados, sendo a maioria da Venezuela (55%), segundo dados do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP).

Novos dados sobre a revalidação de diplomas de Ensino Superior de refugiados foram divulgados, durante a Semana Nacional de Discussões sobre Migração, Refúgio e Apatridia, promovida pelo MJSP. O painel e o relatório, desenvolvidos pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) e pela ONG Associação Compassiva revelou que, dos 500 diplomas processados, 162 foram deferidos.

O diretor e presidente da Associação Compassiva, Caetano Aurélio Pinilha, acredita que esse projeto em parceria com a agência de refugiados contribuiu positivamente para o cenário de revalidação de diploma. "Apesar de ser um caminho difícil, traz muita satisfação quando se chega ao objetivo, que é o diploma na mão da pessoa. Nós estamos ajudando a pessoa a retomar a sua história, mas agora no Brasil", pontua.

A relação institucional entre o ACNUR e as instituições de ensino superior no Brasil iniciou-se em 2003, por meio da Cátedra Sérgio Vieira de Mello, que tem como objetivo aprofundar a cooperação acadêmica entre instituições de ensino superior e centros de pesquisa brasileiros e estrangeiros.

O Assistente Sênior de Proteção do escritório da ACNUR em São Paulo, William Torres Laureano da Rosa, está há cinco anos na agência e disse que muitas Instituições de Ensino Superior (IES) vêm adquirindo facilidades para o processo, mas ainda há questões a serem melhoradas.

"Muitas IES têm adotado facilidades para a população refugiada, sendo as principais identificadas por uma pesquisa realizada pelo ACNUR e Cátedra Sérgio Vieira de Mello: a substituição do procedimento por prova ou trabalho avaliativo; a dispensa de tradução; e a isenção de taxas. No entanto, ainda há algumas questões a serem enfrentadas, nos quesitos de documentação, normativa, custos, burocracia e vontade política" explicou o assistente da agência de refugiados.

Com esses benefícios oferecidos pelas IES, a revalidação através das universidades (54,3%) foi maior do que pela plataforma Carolina Bori (45,7%), ferramenta do Ministério da Educação (MEC - SESu e CAPES). A plataforma é um sistema informatizado para gestão e controle de processos de revalidação e reconhecimento de diplomas estrangeiros no Brasil. Salientando que, no Brasil, o processo de revalidação é ofertado apenas por universidades públicas.

Novas oportunidades

A advogada de direitos humanos e especialista em revalidação e reconhecimento de diplomas, Camila Suemi, foi voluntária na Compassiva como professora de português para refugiados árabes. Durante seu trabalho na ONG, ela pode ajudar de perto muitos refugiados.

"Um dos meus alunos veio me pedir ajuda para revalidar o diploma. Ele era formado em engenharia Mecânica, tinha mestrado em radioatividade nuclear, falava 4 diplomas fluentes e trabalhava na confecção de jeans no Brás, ganhando R$ 1.500 para sustentar a si e aos seis irmãos", conta.

Camila explica que por muitas vezes os refugiados, quando chegam no Brasil, por não poderem trabalhar na sua área de formação acabam fazendo trabalhos informais e até análogos à escravidão. "A revalidação do diploma não é só possibilitar um trabalho digno e acesso ao mercado de trabalho formal, mas se a gente pensar nesse público de refugiados, a revalidação é uma maneira de trazer parte da identidade dessa pessoa de volta".

A venezuelana Livia Vargas Gonzales foi uma das que conseguiu passar pelo processo. Ela chegou ao Brasil em 2017 e teve o diploma de graduação revalidado apenas dois anos depois, pela Universidade Federal do ABC (UFABC). A migrante é formada em filosofia pela Universidad Central de Venezuela e durante o tempo em que estava em processo de revalidação, dava aulas de espanhol.

"Não é simples a revalidação. Sobretudo para pessoas migrantes como eu, pessoas que vieram de países como a Venezuela. Não é fácil obter toda a documentação, de fato, esse era o problema que eu estava tendo", relata.

Em celebração ao Dia Mundial do Refugiado (20/06), o Brasil se comprometeu a manter a política pautada pela legislação nacional e por tratados internacionais que assinou para buscar acolher refugiados e imigrantes da melhor forma possível. O embaixador Carlos Cozendey, que representou o Itamaraty, também reafirmou o compromisso do governo de incrementar políticas para acolher venezuelanos, sírios, haitianos e outros refugiados cujos fluxos têm marcado o Brasil nos últimos anos.

William Torres, da ACNUR, explica como os refugiados podem procurar ajuda para o processo. "Para revalidar o diploma no Brasil, as pessoas refugiadas devem procurar informações junto às IES ou acessar a Plataforma Carolina Bori. Todas as informações sobre como os refugiados podem revalidar o diploma e os parceiros que podem buscar estão no site.

A TV Senado em Comissão Sobre Migrações Internacionais e Refugiados, informou que no dia 27/09 ocorrerá uma comissão em especial sobre a revalidação de diplomas de refugiados.

*Estagiária sob a supervisão de Denise Britto

  • Biomédico Keyluis Alberto Bonalde
    Biomédico Keyluis Alberto Bonalde Foto: Arquivo pessoal
  • Livia Vargas Gonzales
    Livia Vargas Gonzales Foto: Arquivo pessoal
  • Camila Suemi, advogada, acompanha os refugiados
    Camila Suemi, advogada, acompanha os refugiados Foto: Agência Elas
  • Equipe da Associação Compassiva. Presidente Caetano está abaixo de camisa vinho
    Equipe da Associação Compassiva. Presidente Caetano está abaixo de camisa vinho Foto: Arquivo pessoal
  • O ACNUR e as organizações parceiras apoiam a comunidade afegã no Brasil em diversas frentes, incluindo apoio para documentação e assistência jurídica
    O ACNUR e as organizações parceiras apoiam a comunidade afegã no Brasil em diversas frentes, incluindo apoio para documentação e assistência jurídica Foto: ACNUR/Miguel Pachioni
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