Saúde mental

Síndrome de Harry Potter: o burnout como único vilão

Especialistas desmistificam o burnout e falam sobre falsos diagnósticos da doença de trabalho que virou moda

Daniela Diniz Pedro Shiozawa
postado em 24/12/2023 06:00 / atualizado em 24/12/2023 06:00
. -  (crédito: Maurenilson Freire)
. - (crédito: Maurenilson Freire)
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Quem já leu os livros ou assistiu aos filmes de Harry Potter conhece de cor a história do garoto órfão de 10 anos que vivia infeliz até que, ao ingressar em Hogwarts, se descobre um protagonista que mudaria o mundo. Sem nenhuma pretensão de criticar a genialidade da autora J. K. Rowling, talvez a escola de bruxos seja a única onde adolescentes não têm outros problemas na vida a não ser combater o antagonista da série, o vilão Lord Voldemont, e seus cúmplices.

Saindo da ficção e entrando no mundo corporativo, percebemos que muitas pessoas têm agido como Harry Potter ao eleger o trabalho como seu Lord Voldemont, enquanto o estresse vivido pode ser fruto único e exclusivo da vida. Como consequência, temos uma multidão de pessoas rotulando seus problemas como burnout, o que nem sempre é verdadeiro.

Segundo uma pesquisa apresentada no livro Desvendando o Burnout, de Marcos Henrique Mendanha, Pablo Ferreira Bernardes, Pedro Shiozawa, em 73% dos processos trabalhistas julgados pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) em 2018, o termo não correspondia à definição científica do burnout, que, para começo de conversa, não é considerado uma doença.

De acordo com a 11ª Revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-11), uma espécie de bíblia da medicina, a síndrome do esgotamento profissional é visto como um fenômeno ocupacional, não como um transtorno psiquiátrico em si.

Na verdade, o burnout está estabelecido como uma síndrome conceitualizada como resultante de estresse crônico no local de trabalho que não foi gerido com sucesso e sendo caracterizado por três dimensões: sentimentos de esgotamento ou exaustão de energia; aumento da distância mental do trabalho ou sentimentos de negativismo relacionado ao trabalho; e eficácia profissional reduzida.

De maneira alguma, nossa reflexão aqui questiona a existência do burnout ou a possibilidade de o trabalho agir como detrator em nossas vidas. A questão central é entendermos a síndrome do esgotamento profissional como uma oportunidade para olharmos para todos os fatores em nossa vida que podem ser causas de estresse e endereça-las de forma mais apropriada. Por isso, citamos abaixo os cinco mitos mais comuns sobre burnout:

1. BURNOUT É UMA DOENÇA PSIQUIÁTRICA

Como já apontamos, o burnout é melhor compreendido como uma síndrome relacionada ao trabalho, mas não está incluída como transtorno mental, de acordo com o CID-11.

2. BURNOUT PODE COEXISTIR COM DEPRESSÃO OU ANSIEDADE

É possível que um transtorno psiquiátrico se origine em consequência às vulnerabilidades imputadas pelo burnout, mas a presença de um transtorno maior exclui o diagnóstico da síndrome de esgotamento profissional.

3. BURNOUT PODE SER CAUSADO POR ESTRESSORES EM DIFERENTES ÁREAS DA VIDA

O burnout tem como agente causador estressores limitados ao ambiente de trabalho. Se os estressores forem desencadeados em parte ou totalidade por problemas externos ao ambiente de trabalho, como problemas familiares, financeiros ou outros, não devemos chamar de burnout.

4. BURNOUT É MODA

O termo burnout foi cunhado nos anos 1970 pelo psicólogo alemão Herbert J. Freudenberger e tem sido aplicado desde então. No entanto, o interesse maior sobre o tema é recente, talvez fruto da decisão da OMS em reconhecer os efeitos do estresse crônico causado pelo ritmo de trabalho como parte de uma doença ocupacional que apresenta sintomas físicos e emocionais.

5. BURNOUT NÃO AFETA COLABORADORES DE ALTA PERFORMANCE

Um estudo recente da Forrester Consulting, Modern Health, destacou que 76% dos profissionais de alto desempenho se dizem entusiasmados com seu trabalho. No entanto, 53% desses mesmos funcionários também relataram sintomas compatíveis com o burnout.

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