Entrevista

O influencer é o novo jogador de futebol

Bárbara Carine, professora universitária e criadora de conteúdo digital, explica por que jovens passaram a enxergar nas redes sociais uma alternativa para ganhar dinheiro fora do mercado tradicional

Priscila Crispi
postado em 21/01/2024 06:00 / atualizado em 21/01/2024 06:00
Bárbara Carine transita entre a academia e as redes sociais e garante: estudar continua fazendo a diferença -  (crédito: Arquivo pessoal)
Bárbara Carine transita entre a academia e as redes sociais e garante: estudar continua fazendo a diferença - (crédito: Arquivo pessoal)
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Bárbara Carine é professora, escritora e palestrante. Doutora em química e pós-doutora em educação, atua como docente na Universidade Federal da Bahia e na escola de educação infantil Maria Felipa, criada por ela e primeiro colégio afro-brasileiro do Brasil. Além de acadêmica, é influenciadora digital. Em seu perfil no Instagram, @uma_intelectual_diferentona, que conta com mais de 400 mil seguidores, ela conversa com o público sobre política e raça. Transitando entre os dois mundos, a educadora observou o declínio do interesse dos jovens da chamada geração Z pelo estudo formal, o que ela credita a um deslumbramento com a possibilidade de fazer fortuna como criadores de conteúdos para as redes sociais. Em entrevista ao Correio, Bárbara comenta quais perigos uma geração que abandona os estudos pode enfrentar no mercado de trabalho.

Professora, na sua visão, estudar ainda é uma forma de ascender socialmente no Brasil?

O estudo sempre vai ser uma forma de ascensão social, não apenas na perspectiva individual, mas coletiva. Quando uma pessoa negra acende, ela possibilita uma cadeia de ascensões não só para sua rede familiar, mas para toda sua comunidade. Ela geralmente se torna o centro da família e ajuda outros familiares. É a história da minha vida. Minha mãe era empregada doméstica e, quando eu me formo, eu ajudo meu irmão a se formar em engenharia, ajudo minha irmã a formar em pedagogia, eu vou auxiliando todo meu contexto familiar nesse processo de ascensão social também. Mas não só a família, a gente também contribui para a comunidade, porque aquelas pessoas da sua rua passam a ter noção de que é possível alguém daquela localidade acessar uma universidade. Então, a educação sempre vai ser um caminho de ascensão social, porque ela está ligada a uma dimensão econômica, mas também ao acesso de outros repertórios culturais. Não significa que você vai abrir mão da sua origem. Eu, por exemplo, continuo amando a cultura da minha favela, mas acessei outros elementos culturais que me tornaram mais humana, que ampliaram meu repertório.

Que tipos de habilidades somente a formação acadêmica pode trazer?

A educação é importante para esse processo de desenvolvimento dos instrumentos do pensamento. O desenvolvimento da nossa intelectualidade é uma coisa de exercício, a gente vai exercitando nosso intelecto e vai se tornando mais inteligente ao longo do tempo. A atividade do estudo, para além da apropriação dos conteúdos específicos, de química, matemática, história, literatura, enfim, é uma atividade de desenvolvimento humano. A gente vai fazendo esse exercício do desenvolvimento cognitivo e vai se tornando mais gente, mais intelectual, mais racional, mais ativo, mais esperto para as situações diversas da vida, vai conseguindo compreender melhor a realidade social. É por isso que, para mim, a educação é uma via fundamental. Entretanto, para a comunidade periférica, que é majoritariamente negra no nosso país, sempre foi um trabalho muito grande acessar a universidade. Isso se agravou para muitos jovens na pandemia, porque a necessidade imediata obrigou que aquele adolescente, que só estudava, tivesse que passar a ajudar na composição da renda familiar. Com isso, houve um recuo do ingresso no ensino superior. As pesquisas que li sobre isso levam mais em conta esse aspecto financeiro, mas eu acrescento a isso o fator ‘redes sociais’. O trabalho nas carreiras tradicionais tem se tornado menos atrativo frente aos ganhos meteóricos que as redes sociais possibilitam. O que antes era possível só para quem tinha talentos específicos, como o futebol ou a música, agora é para qualquer um. É possível ganhar dinheiro postando o vídeo de uma dança. E isso em um contexto em que as carreiras tradicionais não apenas oferecem menores salários mas, muitas vezes, representam o risco de estudar, estudar e acabar sem emprego.

Nesse cenário, as redes sociais são, de fato, um espaço mais democrático, onde é possível ter a oportunidade que não se encontra no mercado formal?

Estamos observando uma retração do mercado, em todas as áreas, e isso se reflete também no trabalho de produção de conteúdo digital. Não é todo mundo que vai conquistar nas redes sociais, que vai conseguir encontrar um nicho, ser bem-sucedido e fazer dinheiro. Eu mesma não ganho dinheiro com a rede social, em si. Ganho com a venda dos meus livros, palestras… Porém, isso também tem a ver com o caminho que escolhi, eu não quis fechar contratos de publicidade que me identificassem com algo que não seja minha produção intelectual, eu prezo muito por isso. Mas, talvez, com atividades ilícitas seja muito mais fácil ganhar dinheiro. E aí, volto ao que falei sobre a educação nos deixar espertos para a vida: é o estudo que faz a diferença na hora de escolher entre caminhos que vão nos complicar lá na frente ou não. Também para ajudar a ter inteligência de gerir o dinheiro que se ganha, não ser passado para trás, não se deslumbrar e jogar a vida fora. Ninguém perde por estudar, por mais que você não vá usar os conhecimentos específicos da sua formação na atuação profissional.

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