
A dúvida sobre qual carreira seguir é comum em diversos momentos da vida profissional. Nesse contexto, os testes vocacionais surgem como uma ferramenta para auxiliar na escolha de qual caminho seguir. Segundo Rafael Cunha, diretor da Microlins, empresa de cursos profissionalizantes que aplica esse tio de exame, as avaliações são elaboradas com base em teorias científicas de psicologia e avaliam aspectos pessoais, como traços de personalidade, comportamento, atributos técnicos e preferências individuais, sendo "ferramentas de autoconhecimento e orientação."
Por outro lado, a psicóloga Valéria Noronha, especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) e mentoria de carreiras, alerta para os diferentes tipos de teste vocacional, afirmando que esse instrumento só é considerado um "teste psicológico" quando aplicado exclusivamente por psicólogos. "Os testes psicológicos são de uso exclusivo do psicólogo. Exceto quando são questionários, por exemplo, que não tëm essa validação do Conselho Federal de Psicologia (CFP). Então, são outras escalas que professores ou mentores aplicam", explica. Procurado, o CFP não se manifestou sobre o assunto até o fechamento desta matéria.
Escolha consciente
Rafael Cunha diz que a procura pelas avaliações é mais comum entre jovens que estão concluindo o ensino médio ou iniciando a graduação, mas observa que há aumento na demanda por profissionais inseridos no mercado, a fim de fazer uma transição de carreira ou conciliar, mais adequadamente, interesses e habilidades.
"Para os jovens que ainda estão decidindo, eles oferecem insights (compreensões) sobre áreas que combinam com seus talentos e gostos, reduzindo incertezas. Já para quem está trabalhando, os testes podem auxiliar no desenvolvimento de competências específicas ou na validação de suas escolhas", explica o diretor. Segundo Valéria Noronha, também há casos de profissionais que desejam investir em um sonho antigo ou iniciar o próprio negócio. "Muitas vezes, essas pessoas buscam planejar e estruturar mudanças de forma viável no curto e no longo prazos", pontua.
Um dos pontos destacados nos testes, de acordo com Cunha, está relacionado às competências exigidas pelo mercado de trabalho, que não requer só habilidades técnicas, mas também comportamentais, como trabalho em equipe, resolução de problemas, liderança, adaptabilidade e pensamento crítico. Assim, os resultados geralmente incluem perfis detalhados com sugestões de áreas de desenvolvimento e caminhos profissionais alinhados às demandas dos recrutadores.
Indecisão
Débora Cabral, 21 anos, trabalha com relações públicas e se sentiu confusa sobre qual caminho seguir após concluir o curso de ciências sociais. Ela, então, decidiu fazer um teste vocacional para ampliar as possibilidades no mercado de trabalho. "O teste me ajudou a ver uma luz no fim do túnel, enxergar novas potências e profissões que fariam sentido com o meu perfil", relata.
Já a profissional de comunicação Maria Fernanda Petrizzo, 22 anos, conta que sempre teve interesse pela área de linguagens, mas confessa que seus gostos eram "muito difusos", dividindo-se entre letras e psicologia. A indecisão a levou a buscar orientação profissional, por meio da Vetor Editora, e fazer um teste vocacional: "Eram muitas opções, e eu sentia que precisava de uma opinião menos enviesada do que a minha própria."
Segundo Maria Fernanda, em seu caso, os testes analisaram inteligências múltiplas e personalidade, e o relatório desenvolvido pelo psicólogo a ajudou a compreender melhor o mercado de trabalho e balancear suas opções para além do óbvio. "Na medida em que as opções eram apresentadas, eu precisava fazer um esforço ativo para reconhecer melhor cada uma das áreas, das profissões e da ramificação de cada uma delas", lembra.
Além de confirmar seus interesses, ela descreve que o resultado foi surpreendente, porque mostrou profissões que ela nunca imaginou que poderia seguir, como engenharias e ciências biológicas. Entre as opções, ela decidiu pelo jornalismo, área em que pretende se especializar.
Danyelle Silva, 21, também teve dúvidas sobre qual caminho seguir. Ela sempre soube que gostaria de trabalhar com leitura e escrita, e foi orientada pela professora de literatura do ensino médio a fazer a avaliação vocacional. Ela seguiu o conselho "de forma despretensiosa, mas acabou sendo um grande acerto". Hoje, ela está cursando jornalismo no Centro Universitário de Brasília (Ceub) e estagia na área de assessoria.
"O resultado do teste foi certeiro, e a decisão pelo meu curso foi instantânea a partir daí. Um mês antes de terminar o ensino médio, eu já estava matriculada na faculdade", expõe. Após concluir a faculdade, os próximos passos de Danyelle são atuar com jornalismo político e ser assessora de imprensa: "Quero trabalhar com minhas duas paixões."
"Fotografia de momento"
Apesar das contribuições dos testes vocacionais, em conformidade com as orientações do CFP, Rafael alerta: "Os resultados são mais efetivos quando combinados com acompanhamento profissional e reflexão pessoal". O professor de sociologia Bruno Borges concorda, observando que os testes são limitados quando aplicados de forma isolada, o que pode, equivocadamente, simplificar o processo de escolha profissional.
"O teste estabelece parâmetros genéricos e consegue atestar traços dos jovens, mas apenas isso não é suficiente para determinar suas trajetórias. É importante que eles saibam que se trata de um instrumento de caráter objetivo e que pode sinalizar indicadores importantes sobre a identidade profissional, mas não pode ser encarado como definitivo e único nesse processo complexo de escolha do futuro", defende Borges.
Outra questão levantada pelo professor relaciona-se à captura de uma "fotografia de momento", ou seja, os testes avaliam perspectivas dos jovens na hora em que respondem as perguntas, sem que se analise o seu desenvolvimento ao longo do tempo. Por isso, ele compara as trajetórias de vida a um filme, em que diferentes elementos participam, evidenciando que o acompanhamento profissional contínuo é essencial.
"As respostas têm como base sentimentos, impressões e elementos que marcaram determinada semana, mês ou ano que passou. E vale lembrar que a trajetória de uma pessoa não é só uma fotografia, mas também um filme. Então, a orientação profissional tende a complexificar esse debate, dialogando com os gostos e referências construídas ao longo da vida dos jovens", explica.
Pensando nisso, Bruno Borges é um dos professores que faz atendimentos individuais sobre carreira no Serviço de Orientação ao Vestibulando (SOV) do colégio Leonardo da Vinci, proporcionando um espaço aberto aos alunos para tirar dúvidas. Em alguns casos, as reuniões contam com profissionais que seguiram determinada área de interesse dos estudantes, para uma troca de experiências. De acordo com o professor, foram feitos mais de 1.200 atendimentos no ano passado, percebendo que "refletir sobre o futuro traz significado para o presente."
Autoconhecimento
Valéria Noronha reforça que a escolha da profissão é um processo que vai além de um simples questionário, ressaltando a importância de conhecer a si mesmo. "Os testes são instrumentos que podem ser aplicados não apenas por psicólogos, mas também por professores e psicopedagogos. Na prática clínica, esses testes não podem ser utilizados como base única para fazer diagnósticos, por exemplo. O autoconhecimento e o alinhamento entre valores pessoais e objetivos são fundamentais."
A psicóloga sugere que os testes podem ser complementados por sessões de psicoterapia ou mentoria. "Nesse caso, seriam menos sessões, mais direcionadas para a carreira. É importante entender as motivações e os objetivos da pessoa, além de avaliar possíveis vieses na forma como ela responde."
Para quem não tem acesso à psicoterapia, Valéria sugere alternativas práticas. Além de conversar com pessoas que atuam na profissão de interesse, com trocas de perspectivas, experiências e possíveis dores, é possível fazer uma atividade chamada "balança decisória".
"O paciente lista todos os benefícios e prejuízos, a curto e longo prazos, de optar por determinada profissão. Depois, coloca os prós e contras de não escolher. Em seguida, atribuímos um peso a cada item, considerando a importância que cada aspecto tem para o paciente. Por exemplo, se uma pessoa deseja ser piloto, precisará viajar muito e passar muito tempo longe da família. Então, teria de avaliar o peso tanto positivo quanto negativo disso para ela" , detalha.
Embora o exercício possa ser feito sozinho, Valéria explica que o acompanhamento profissional torna o processo mais rico. Ela ressalta, ainda, que vale a pena refletir antes de "bater o martelo", considerando que o ambiente de trabalho "é onde passamos a maior parte da vida". "Há muitos recursos, mas, certamente, o autoconhecimento será mais benéfico, tendo em vista a complexidade do tema e o impacto que terá na sua vida", conclui.
*Estagiária sob a supervisão de Marina Rodrigues
Para saber mais
Histórico
A história dos testes de vocação começou no início do século XX, quando psicólogos como James Cattell e Edward Thorndike começaram a desenvolver métodos sistemáticos para avaliar as aptidões e interesses dos indivíduos. Em 1908, o psicólogo americano Lewis Terman fez um avanço significativo ao criar o primeiro teste de inteligência, que mais tarde evoluiria para conceitos como o teste de vocação.
Riscos da automação
A utilização da inteligência artificial (IA) em avaliações de aptidão traz à tona uma série de desafios éticos que não podem ser ignorados. Em 2022, um estudo da consultoria empresarial McKinsey & Company revelou que 70% das empresas que implementaram ferramentas de IA para recrutamento e seleção relataram preocupações com "bias" nos algoritmos.
Por exemplo, se um sistema de IA foi treinado com dados que refletem um histórico de contratação tendenciosa, ele pode perpetuar discriminações contra grupos minoritários, resultando em uma sub-representação significativa em processos seletivos. Essa situação não apenas ameaça a igualdade de oportunidades no mercado de trabalho, mas também levanta questões sobre a responsabilidade das empresas em garantir um tratamento justo e imparcial a todos os candidatos.
A transparência no uso de algoritmos de IA também é outra barreira. Segundo pesquisa realizada pela multinacional PwC, 62% dos trabalhadores acreditam que as decisões sobre suas carreiras não devem ser tomadas por máquinas. Isso indica uma crescente desconfiança em relação ao uso de tecnologia nas avaliações de aptidão, o que pode afetar o engajamento e a satisfação dos colaboradores.
Fonte: PsicoSmart
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Histórico
A história dos testes de vocação começou no início do século XX, quando psicólogos como James Cattell e Edward Thorndike começaram a desenvolver métodos sistemáticos para avaliar as aptidões e interesses dos indivíduos. Em 1908, o psicólogo americano Lewis Terman fez um avanço significativo ao criar o primeiro teste de inteligência, que mais tarde evoluiria para conceitos como o teste de vocação.
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A transparência no uso de algoritmos de IA também é outra barreira. Segundo pesquisa realizada pela multinacional PwC, 62% dos trabalhadores acreditam que as decisões sobre suas carreiras não devem ser tomadas por máquinas. Isso indica uma crescente desconfiança em relação ao uso de tecnologia nas avaliações de aptidão, o que pode afetar o engajamento e a satisfação dos colaboradores.
Fonte: PsicoSmart