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Capital Gamer

Brasília se consolida na criação de jogos

Com estúdios emergentes e eventos especializados, o Distrito Federal ganha destaque no cenário nacional de desenvolvimento de jogos eletrônicos.

Cidade tradicionalmente conhecida por sua arquitetura modernista e pelo poder político, Brasília começa a se destacar em um cenário improvável: o universo dos games. A capital federal está se transformando em um polo de inovação nos jogos, atraindo jovens talentos para o mercado de eletrônicos, um setor que movimenta bilhões de reais por ano no Brasil.

Estimam-se que 82,8% da população brasileira consuma jogos, segundo a Pesquisa Game Brasil (PGB). O país figura entre os maiores mercados consumidores de games do mundo. A profissionalização do setor é acompanhada por torneios nacionais e internacionais, com premiações milionárias e contratos com grandes organizações.
Contudo, o mercado não sobrevive só de jogadores. Brasília caminha para a consolidação no polo de criação e desenvolvimento. Igor Rachid, presidente da Associação dos Desenvolvedores de Jogos Eletrônicos do Distrito Federal (Abring), comenta que o contexto para desenvolvedores de games está “bem próspero”, mesmo com o setor ainda em fase de amadurecimento.
Diante do caráter inovador da indústria, a Abring uniu esforços com outras associações nacionais para esclarecer o funcionamento da área. “A partir do Marco Legal dos Games, a forma como as pessoas veem os jogos eletrônicos mudou não só no DF, mas no Brasil”, explica Rachid. Ele se refere à Lei nº 14.852/2024, feita para estimular o ambiente de negócios e aumentar a oferta de capital para investimento em empreendedorismo.  

Estúdios Locais 

Divulgação/ Estarta Studio - Henrique, Mateus, Diego, Fernando, Fernanda e Gui são membros da Estarta
Brasília abriga diversos estúdios e empresas dedicadas ao desenvolvimento de jogos digitais. Fernanda dos Santos explica que, no design de jogos, a experiência completa é pensada para abarcar quem joga: “A profissão de desenvolvedor abrange duas áreas gerais: tecnologia e arte. A tecnologia permeia o campo da programação: desenvolvimento de sistemas para jogos, porting (transferir um jogo da plataforma que ele foi feito para outra), entre outros, e a arte: direção de arte, ilustração, modelagem 3D, animação…”.  
Ela e outros seis amigos estão dando os primeiros passos para fundar o próprio estúdio, chamado Estarta, focado em entretenimento. Animadora 2D e diretora de arte, ela comenta que, principalmente no início, é comum que jogadores tenham dupla jornada de trabalho. “Aqui na capital, temos muitos estúdios que estão dando seus primeiros passos. A área está caminhando para a consolidação”.  
A empresa nasceu com o propósito de realizar projetos pessoais de cada um dos membros. “Com o edital do “FAC Visual Periférico” de 2020, vimos uma categoria exclusiva para jogos eletrônicos e reunimos um grupo de amigos que tinham interesse em fazer a inscrição. Felizmente, passamos neste edital. Na época, alguns de nós não tínhamos feito nenhum jogo. Então, criamos um produto no período de duas semanas, Ghost Light, e ficamos felizes com a dinâmica do time”, afirmou Fernanda. O Fundo de Apoio à Cultura (FAC) é um programa do Distrito Federal para apoiar o setor cultural do DF. A edição de 2020, chamada Visual Periférico, foi lançada para fomentar produções de séries, filmes e jogos eletrônicos.  

Como se faz um jogo 

Reprodução/ Site Nintendo para Brasil - No Place for Bravery: Melhor Jogo na categoria Brasil, na Gamescom Latam em 2022
Divulgação/ Glitch Factory - Em desenvolvimento, To Kill a God será lançado no segundo semestre de 2026
O processo de criação de um jogo envolve união e criatividade. O profissional responsável pela ideia inicial e pelas regras do jogo é chamado game designer. Ele elabora o Game Design Document (GDD). “É como se fosse a nossa Bíblia”, diz Philippe Lepletier, CEO e fundador da Uruca Game Studio, ao explicar o processo criativo. O documento serve como um guia para o desenvolvimento do jogo, detalhando personagens, mecânicas, interface e outras especificações 
Ele explica que, após a elaboração do GDD, a equipe conversa com outros profissionais, como roteiristas, artistas (para criação visual e personagens) e programadores. Os responsáveis pelo áudio e trilha sonora  também entram no processo, geralmente do meio para o final, para criar temas e músicas. 
Sobre tempo e custo do desenvolvimento, ele afirma que é relativo: “Meu último jogo, Legacy of Evil, teve parte do seu financiamento custeado. Ao todo, deve ter custado por volta dos R$ 200 mil, levando em consideração a duração da produção e o número de pessoas que trabalharam. Sobre o tempo, pode variar de um ano ou mais de 10, dependendo do tamanho do projeto.” O desenvolvedor comenta que existem grandes diferenças entre um jogo produzido por um estúdio indie (independente) e grandes empresas, como a Microsoft Gaming: “O GTA 6, por exemplo, que está previsto para ser lançado esse ano, está em produção há muito tempo, com centenas de pessoas trabalhando no mesmo projeto”. O custo de produção do aguardado Grand Theft Auto 6 (GTA 6), ainda não foi divulgado, mas seu antecessor foi um dos jogos mais caros da época. 
Caio Hudson, desenvolvedor da Itsy Bitsy Game Studio, destaca a importância dos eventos entre a rede de profissionais, para fomentar o espaço dos desenvolvedores: “O Brasília Game Hub, por exemplo, é um espaço de coworking que abriram neste ano, onde vários estúdios desenvolvem seus jogos em uma infraestrutura compartilhada. Temos a oportunidade de entrar em contato e fazer networking com os profissionais da área de jogos daqui de Brasília.” 

Desafios 

Apesar de o ambiente promissor, os desenvolvedores da capital continuam a lidar com obstáculos. Igor Rachid destaca a questão tributária: “Basicamente, se vendermos um jogo, temos que dar um imposto para a loja que estamos vendendo. Também pagamos uma taxa para o país que essa loja digital está alocada, geralmente os Estados Unidos”. Isso leva estúdios a pararem suas operações no Brasil e se mudarem para países com bons incentivos tributários, como o Canadá, que pode devolver até 40% do imposto pago em projetos de desenvolvimento.  
O dono da Glitch Factory também mencionou a perda de profissionais qualificados para o exterior: “Acredito que não seja um problema só dos jogos eletrônicos, mas de empresas com foco em tecnologia. Perder profissionais por conta de salários e pela questão do home office”. O Brasil é visto por investidores estrangeiros como um local com mão de obra qualificada. No entanto, o exterior oferece questões mais atrativas, devido a salários mais altos (em dólar, euro ou libra) e à possibilidade de trabalho remoto (home office), que já era comum na indústria de jogos antes da pandemia.  
Empresas estrangeiras, com orçamentos muito maiores, tendem a  buscar profissionais para áreas específicas, como “fazer cabelos de personagem”, como citou Igor. Enquanto no Brasil, devido à falta de grandes estúdios, os profissionais precisam ser mais generalistas, desenvolvendo-se em múltiplas frentes.  

Setor em expansão 

Apesar das dificuldades, o futuro dos jogos em Brasília mostra sinais positivos. Hudson acredita que a área está em expansão: “Nosso mercado de jogos não só está mais perto de se consolidar, como também está com um potencial exponencial de crescimento.” 
Para Igor Rachid, o apoio do Governo do Distrito Federal (GDF) foi essencial: “Isso é resultado de projetos de capacitação, incubação e eventos, para fazer as pessoas se interessarem em entrar nesse meio. Essas iniciativas estão sendo renovadas e crescendo ao longo dos anos. Temos perspectiva de muito mais profissionais do que idealizei, junto com a Abring, muitos anos atrás” 
Para as novas gerações, Fernanda deixa um recado: “Trabalhar com jogos é diferente de jogar. É uma profissão que exige muito conhecimento técnico, mas pode ser uma das áreas mais gratificantes de participar” 

Onde se formar? 

Geralmente, desenvolvedores vêm de cursos diversos ou aprendem de forma autodidata, com tutoriais e projetos próprios. “O mais importante é montar um portfólio e participar de comunidades e eventos da área, porque o mercado valoriza muito a prática e a colaboração”, explica o presidente da Abring.
Cursos 
  • Iesb: graduação em jogos digitais. 
  • Gamifica (https://gamificadfibres.com.br), da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação do DF, que leva cursos gratuitos de criação de jogos para escolas públicas.
  • Crie Seus Jogos (www.crieseusjogos.com.br/, do desenvolvedor Wenes Soares, curso que ensina de forma descomplicada e prática como criar jogos do zero. »
  • Senac: (https://bit.ly/4o4JZaT) técnico em programação de jogos digitais. O curso, no momento, não está disponível. 
* Estagiária sob supervisão de Ana Sá