Para comentar sobre o avanço e os entraves do projeto, que tem como objetivo trazer segurança e estabilidade jurídica para os jovens e adolescentes em aprendizagem, o Correio Braziliense ouviu Antônio Pasin, superintendente da Federação Brasileira de Associações Socioeducacionais de Adolescentes (Febraeda) e conselheiro do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), que acompanha a proposta desde sua construção e defende o compromisso de não reduzir vagas, nem direitos dos aprendizes
Qual é o principal objetivo do Estatuto do Aprendiz na visão da Febraeda?
O Projeto de Lei nº 6.461/2019, conhecido como Estatuto do Aprendiz, tem como principal objetivo trazer segurança, estabilidade jurídica e modernização à Lei da Aprendizagem, que completou 25 anos em 19 de dezembro. Trata-se de uma das mais importantes políticas públicas de inclusão qualificada e protegida de adolescentes, jovens e pessoas com deficiência no mundo do trabalho formal, com todos os direitos trabalhistas respeitados. Há experiência prática, quando durante todo o tempo do contrato de trabalho pelo prazo determinado, o aprendiz frequenta uma formação teórica, de acordo com a atividade que ele desenvolve no estabelecimento que contrata esse aprendiz.
Por que o programa de aprendizagem é considerado uma política pública estratégica?
Porque é a única política pública preventiva e com reflexos intersetoriais que existe no nosso país hoje, voltada à essa faixa etária. Ela atua na geração de emprego e renda, é a principal ferramenta de combate ao trabalho infantil e às piores formas de exploração, além de contribuir diretamente para a qualificação profissional.
Quais outros impactos sociais o programa gera?
Pesquisas e indicadores mostram que jovens que passam pelo programa de aprendizagem têm 46% mais chances de mobilidade educacional, considerando o mesmo recorte de faixa etária e condição socioeconômica. Isso significa que concluem o ensino médio, seguem na educação profissional e tecnológica e chegam ao ensino superior. Na área da assistência social, o programa também fortalece vínculos familiares e comunitários, especialmente ao alcançar adolescentes e jovens em situação de maior risco e vulnerabilidade pessoal ou social.
Qual o objetivo do Estatuto do Aprendiz?
O Estatuto tem o objetivo de, ao longo desses 25 anos,- compilar as principais normas infralegais, como portarias, instruções normativas e decretos que regulamentaram a lei nesse período. A proposta busca trazer segurança jurídica e estabilidade para todos os atores envolvidos. Para o aprendiz, o compromisso é garantir nenhum aprendiz a menos. Para o estabelecimento cumpridor da cota de aprendizagem, o objetivo é que ela não seja vista apenas como uma obrigação, mas como um verdadeiro investimento em inovação e qualificação. Para a entidade formadora, o estatuto prevê estrutura de atendimento, infraestrutura física, tecnológica e assistiva, metodologia adequada, material didático qualificado e equipe técnica de referência. Esses pontos foram previstos, inclusive, na comissão especial que realizou 14 audiências públicas, encontros e seminários estaduais, além de diversos atendimentos, com o objetivo de que a lei fosse votada ainda em 2022.
O Estatuto discute mudanças na cota de aprendizagem?
Não. O Estatuto do Aprendiz não altera a cota. O que o Estatuto faz é trazer segurança, qualificar e criar novas oportunidades. Ele trata, por exemplo, da aprendizagem na administração pública direta, algo que nunca foi regulamentado nesses 25 anos. Também fala da possibilidade de contratação de aprendizes por segmentos que não são obrigados por lei.Assim, micro e pequenas empresas, ou estabelecimentos com menos de sete empregados, passam a poder contratar aprendizes. O texto mantém todas as garantias, já que o destinatário final do programa de aprendizagem é o adolescente e o jovem.
Então, por que o projeto ainda não foi votado?
Embora já esteja na pauta da Câmara dos Deputados, o projeto não foi votado na comissão especial e, neste momento, não consegue avançar para votação. Isso ocorre por um problema grave, de ordem política, aliado a interesses econômicos de segmentos que, ao longo desses 25 anos,nunca cumpriram a Lei da Aprendizagem. São setores que tentam aproveitar a revisão da lei para incluir emendas e destaques, ou até outros projetos de lei, com o objetivo de se desobrigar do cumprimento da aprendizagem. Entre eles estão segmentos como call center,telemarketing, transporte, transporte de valores e segurança.
Qual é a posição da relatora do projeto?
A relatora do projeto de lei é a deputada Flávia Moraes, que mantém compromisso com a aprendizagem. Ela não promove mudanças no texto final que, de alguma forma, prejudiquem o aprendiz. A deputada não cria obrigações novas, custos e não gera novas despesas. Também não reduz o número de vagas existentes desde os anos 2000.
Existe o risco do Estatuto do Aprendiz ser votado mesmo com prejuízo para os jovens?
A federação não defende que o projeto seja votado se for para prejudicar o aprendiz. Se for para diminuir vagas ou abrir precedentes perigosos de exclusão, não faz sentido avançar. Hoje, a federação reúne cerca de 700 mil adolescentes e jovens atendidos de forma direta. Considerando as famílias, são milhões de pessoas impactadas.
Que tipo de emenda pode comprometer o Estatutodo Aprendiz?
Há emendas que excluem funções da base de cálculo da aprendizagem, como motorista, vigilante, transporte de valores, atividades externas e outras categorias. Segundo dados oficiais do Ministério do Trabalho e da Auditoria Fiscal do Trabalho, apenas uma dessas emendas pode reduzir cerca de 400 mil vagas.
Por que a Febraeda considera que esse momento exige cautela?
Porque algo que foi pensado para ser um benefício, uma modernização e um avanço pode acabar se tornando um instrumento de prejuízo. Está muito claro porque a aprendizagem existe, para quem ela existe. É nesse público que deve estar o olhar final de proteção. Eles precisam dessa política pública.
Existe alguma solução para as empresas que alegam dificuldades para cumprir a cota?
Sim, e o estatuto traz soluções importantes. Uma delas é o cumprimento alternativo da cota, permitindo que a parte prática da aprendizagem seja realizada em entidades sociais, escolas ou organizações da sociedade civil. Outra possibilidade é a contribuição revertida para a contratação de aprendizes, quando comprovada a impossibilidade de cumprimento direto. Além disso, contratos administrativos de terceirização passam a prever a absorção de aprendizes pelo órgão contratante.
Qual é o próximo passo para que o Estatuto seja aprovado?
O objetivo é que os arlamentares retirem os destaques que prejudicam a política de aprendizagem, permitindo que o texto vá a voto sem alterações. Depois disso, o projeto segue para o Senado, onde esperamos o mesmo compromisso com o princípio de “nenhum aprendiz a menos”
Que recado o senhor deixa para os jovens que podem ser beneficiados pelo Estatuto do Aprendiz?
Que contem com a Febraeda e com todos que estão comprometidos com a defesa dos seus direitos. Essa é uma política pública que transforma vidas, não gera custos para o poder público e beneficia toda a sociedade. O aprendizado é porta de entrada para o mundo do trabalho, para a educação e para um futuro com mais dignidade. E é isso que vamos continuar defendendo.
*Estagiário sob a supervisão de Ana Sá
