
A comparação é inevitável. Bem diante dos olhos do jornalista Klaus Kufner, disfarçado de voluntário, as cenas lembravam o Holocausto. Por volta das 20h de quarta-feira (15h em Brasília), ele e a colega Michaela Spritzendorfer faziam uma reportagem dentro de um prédio em Roszke, o principal campo de refugiados da Hungria, na fronteira com a Sérvia. ;A primeira coisa que as imagens me trouxeram à memória foi um campo de concentração do século passado. As pessoas estavam sem esperança ali. Havia crianças pequenas, mulheres e idosos. Elas tinham muita fome e sofriam. O governo húngaro está espezinhando os direitos humanos;, relatou ao Correio, por telefone, Kufner ; repórter da revista alemã MV Times.
Tudo foi registrado por Michaela, que utilizou uma pequena câmera. ;Nós estávamos vestidos como membros da Cruz Vermelha. Ela conversava com médicos, fazia fotos e pequenos vídeos. Na galeria do primeiro andar, havia uma janela de vidro que dava vista para o porão. Lá embaixo, a polícia lançava pequenas sacolas de comida, e os imigrantes as pegavam ainda no ar;, disse Kufner. ;Era com se estivessem alimentando animais.; Os agentes usavam capacetes e máscaras cirúrgicas. O vídeo de Michaela e Kufner tornou-se viral na internet, chocou a comunidade internacional e intensificou as críticas ao governo húngaro. O premiê Viktor Orbán declarou-se publicamente contrário à entrada de muçulmanos no país, ordenou a conclusão de uma cerca de arame farpado na fronteira e mobilizou 4 mil soldados na região.
Também por telefone, Peter Bouckaert, diretor de emergências da organização não governamental Human Rights Watch (HRW), afirmou ao Correio ;que as imagens do vídeo falam por si;. ;As pessoas recebem comida em recintos fechados, como se fossem animais, sem qualquer assistência médica e sem receber informações sobre o que está ocorrendo com elas;, acrescentou. Segundo ele, as condições são ;horríveis; nos dois campos mantidos pela Hungria, o Roszke 1 e o Roske 2.
Orbán defendeu o tratamento dispensado pela polícia ao que classificou de ;migrantes rebeldes; e se recusou a comentar o vídeo. ;Eles não querem cooperar com as autoridades. Na realidade, se rebeleram contra a lei húngara;, admitiu, referindo-se aos refugiados que abriram passagem através de cordões policiais perto da fronteira com a Sérvia e que fugiram de um campo de cadastramento.
Também ontem, a cinegrafista húngara Petra Laszlo, filmada chutando crianças e idosos refugiados, afirmou ter entrado em ;pânico;. ;Quando assisto ao vídeo, não me reconheço. Lamento sinceramente o que fiz e assumo a responsabilidade;, escreveu em carta publicada no site do jornal húngaro Magyar Nemzet. ;Entrei em pânico. Não sou uma cinegrafista racista e sem coração.;