Marina Adorno
Especial para o Correio
postado em 15/07/2018 00:00

(foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
Nicolas Behr, 60 anos, teve o privilégio de chegar a Brasília quando a cidade era uma página em branco. Não existia um passado poético ou uma tradição literária. ;Tudo o que você fazia era inédito, então eu escrevi muito sobre Brasília e fui preenchendo esse nicho.; O poeta pioneiro nasceu em Diamantino (MT) e veio de Cuiabá, em 1974, realizar o sonho da mãe. Ela participou de um seminário na UnB, se encantou e decidiu que viria para a cidade que via como cosmopolita.
Desde pequeno, gostava muito de ler, mas nunca pensou em se tornar escritor. A vontade surgiu depois que começou a viver em Brasília. Não fez faculdade, porque queria ser roqueiro, mas admite que nunca teve talento musical. Então, usou os recursos que tinha para começar a se expressar. ;Eu tinha papel, lápis e imaginação.; O primeiro livro, imprimiu no Setor Leste, Iogurte com farinha.
Apesar da admiração que sente por Brasília, sua musa inspiradora, a primeira reação foi de estranhamento. A ideia de uma cidade pronta e setorizada era algo novo para ele e para todos que chegaram na mesma época. Ele se recorda que chegou no início da seca. Tudo ainda era muito artificial, tal como uma maquete. Não tinha arborização, gramados e ainda estava em construção. ;Por um lado, tudo isso me encantou. Por outro lado, me incomodava. Isso criou um conflito muito forte, e esse conflito gerou muita poesia.; Esse ;embate; ainda não acabou e ele garante que, no dia em que acabar, não existirá mais poesia.
A setorização excessiva é uma coisa que o incomoda, mas ele acredita que os brasilienses estão resolvendo isso de maneira natural e gradativa. Porém, é um defensor do tombamento da capital. ;O brasileiro nunca fez nada tão extraordinário e grandioso como Brasília. É a maior realização coletiva do povo brasileiro e eu faço questão de falar isso em todas as palestras que dou.; Nicolas se define como um militante e defensor da cidade.
Na opinião dele, o poder está ligado de maneira umbilical a Brasília, mas os artistas locais querem contribuir para essa dissociação. A maneira como a cidade é vista no inconsciente coletivo dos brasileiros é algo que o constrange. ;Queremos que as pessoas falem de outras coisas. Vai demorar séculos, mas, um dia, a política vai ser um mero acessório;, ressalta.
Ele avalia o cenário cultural brasiliense como forte. Poetas concretistas, clássicos, modernistas, que fazem cordel e rap dividem o mesmo espaço. ;Somos um caldeirão. A identidade cultural ainda vai aparecer. Demora-se séculos para criá-la, só temos 58 anos.;
Nicolas diz que acabou se autorrotulando como um poeta que escreve sobre Brasília. Entretanto, também criou um livro sobre sua infância; outro de poesias eróticas. ;Vivo nesse movimento pendular, fugindo do rótulo e o buscando logo em seguida;, brinca. Porém, os leitores ainda irão esperar para ler o próximo livro do autor sobre a cidade. Behr ainda quer falar sobre Brasília, mas não se repetir. Antes, lançará a obra It will never rain again, que reúne poemas de várias épocas, mas, desta vez, em inglês.
;Eu tinha papel, lápis e imaginação.;
Nicolas Behr