Numa decisão sem precedentes na história da Colômbia, a Suprema Corte determinou, ontem, a prisão preventiva de um ex-presidente. Considerado o político mais influente do país neste século, Álvaro Uribe, que atualmente ocupa um assento no Senado, teve ordem de detenção expedida no âmbito do processo em que é acusado por manipulação de testemunhas contra um opositor. Embora a Justiça não tenha se pronunciado, meios de comunicação informaram que Uribe cumprirá prisão domiciliar.
Foi o próprio ex-chefe de Estado quem anunciou a decisão, em sua conta no Twitter. “A privação da minha liberdade me causa profunda tristeza por minha esposa, por minha família e pelos colombianos que ainda acreditam que fiz algo bom pela Pátria”, escreveu Uribe, que comandou a Colômbia entre 2002 e 2010.
Naquele momento, Uribe, líder do Centro Democrático, o partido de direita no poder, não sabia se a decisão implicaria ou não em ser mandado para um presídio. Aos 68 anos, o mentor político do atual presidente da Colômbia, Iván Duque, está sujeito a uma pena de até oito anos de prisão.
Duque, segundo o jornal El Tiempo, defendeu que o senador responda às acusações livremente. “O que eu espero? Que um ex-presidente da República possa exercer seu direito de defesa em liberdade, entre outras coisas, porque é um princípio do devido processo, sobretudo a pessoas que possuem merecidas honras e tiveram as mais altas dignidades”, disse.
A audiência de ontem ocorreu a portas fechadas. Os magistrados da Suprema Corte decidiram ordenar a detenção de Uribe, enquanto avaliam se o chamam a juízo na qualidade de legislador. Com amplo apoio popular, após sua política de linha dura contra guerrilhas, o ex-chefe de Estado sempre alegou inocência. Ele foi interrogado no processo em 9 de outubro passado.
Complô
Os problemas tiveram início em 2012, quando Uribe apresentou uma denúncia contra o senador de esquerda Iván Cepeda por um suposto complô contra ele, apoiado em falsos testemunhos. O ex-presidente acusou o parlamentar, um de seus maiores adversários políticos, de ter contatado ex-paramilitares para que o envolvessem em atividades criminosas dos grupos de ultradireita que combateram implacavelmente as guerrilhas esquerdistas.
O ex-presidente acabou envolvido em uma guinada inesperada da Justiça, que absteve-se de processar Cepeda. E mais, seis anos depois, decidiu abrir uma investigação contra ele pela mesma suspeita: manipulação de testemunhas contra o adversário. Por esse comportamento, poderá ser levado a julgamento por dois crimes relacionados — suborno e fraude processual).
O ex-presidente, que sempre alegou inocência, conta com um apoio popular sólido após sua política de linha dura contra as guerrilhas de esquerda. “A lição que essa decisão nos dá hoje, que esperamos conhecer (...) em todos os seus detalhes (...), é que não há indivíduos, não há pessoas que estejam acima da justiça e da lei na Colômbia, por mais poderosas e influentes que sejam”, reagiu Cepeda, em mensagem à imprensa.
“Convidamos todos os cidadãos a encarar essa situação com total serenidade”, acrescentou o opositor. Ele enfatizou que o ex-presidente “terá todas as ferramentas, os recursos, procedimentos que existem para garantir seu direito à justiça”, caso seja levado a julgamento. Além desse processo, Uribe está vinculado com outras investigações por supostos crimes relacionados com o longo conflito civil colombiano.
Reações
O fato é que a ordem de prisão domiciliar contra o líder da direita colombiana promete provocar um terremoto político no país. Simpatizantes do governo consideram injusto que Uribe seja detido, enquanto seus inimigos, os ex-líderes da ex-guerrilha das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), respondem em liberdade perante a Justiça de paz criada para punir os crimes mais atrozes cometidos durante o conflito colombiano.
No entanto, críticos externos, como José Miguel Vivanco, da ONG Human Rigths Watch, saudaram a decisão da Suprema Corte. “Cumprimento a Corte Suprema por agir com responsabilidade ao ordenar a prisão domiciliar de Uribe. A Corte demonstra que todos — até os mais poderosos — são iguais perante a lei. É preciso respeitar a independência judicial”, publicou no Twitter.
Com a decisão de ontem, a Colômbia passa a figurar na lista de países latino-americanos nos quais ex-presidentes populares terminaram perante a Justiça. Ofuscado pela crise desatada pela pandemia do novo coronavírus e às vésperas de completar dois anos no poder, Duque fez uma defesa veemente de seu mentor: “Sou um crente, tenho sido um crente e sempre serei um crente da inocência de Álvaro Uribe Vélez.”
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