LÍBANO

Com renúncias de ministros e legisladores, situação no Líbano se agrava

Dois ministros e sete legisladores renunciam em meio às manifestações, marcadas por indignação e raiva após as explosões no porto de Beirute. Multidão ameaça invasão ao Parlamento e exige a troca do governo. Especialistas admitem risco para as elites políticas

Rodrigo Craveiro
postado em 10/08/2020 06:00 / atualizado em 10/08/2020 06:48
 (crédito: Patrick Baz/AFP)
(crédito: Patrick Baz/AFP)

Pelo segundo dia consecutivo, Beirute foi sacudida por protestos e pela tentativa de invasão a prédios públicos. Ante a pressão das ruas e da comunidade internacional — que prometeu milhões em ajuda, mas exigiu reformas políticas no Líbano (leia nesta página) —, dois ministros do gabinete do premiê Hassan Diab apresentaram renúncia: Manal Abdel Samad (Informação) e Damianos Kattar (Meio Ambiente e Desenvolvimento Administrativo). Os manifestantes exigem a renúncia em massa do governo, o qual responsabilizam pelas explosões de 4 de agosto no porto de Beirute, que deixaram, pelo menos, 158 mortos, 6 mil feridos e 250 mil desabrigados. “Após a enorme catástrofe de Beirute, apresento minha demissão do governo. (…) Peço desculpas aos libaneses, não soubemos responder às expectativas”, declarou a ministra Manal. Pouco depois, Kattar também justificou a entrega do cargo sem deixar de fazer críticas ácidas ao Estado. “Diante desta enorme catástrofe e um regime estéril, que falhou em diversas oportunidades, decidi renunciar ao governo”, anunciou.

As autoridades libanesas são acusadas de negligência por permitirem o armazenamento de 2.750t de nitrato de amônio no depósito número 12 do porto. Ontem, o parlamentar reformista Michel Moawad também renunciou. “Basta! Sou um representante da nação libanesa, de acordo com a Constituição. Isso significa que represento os mártires e os feridos no massacre do porto de Beirute. Eu escutei suas lágrimas e sua dor. Vocês (povo) são a fonte da autoridade”, comentou o legislador, o sétimo a abandonar o Parlamento desde o dia das explosões.

“As pessoas tentaram invadir o Parlamento, hoje (ontem), e as forças de segurança usam munição letal para matar quem se aproximar do prédio. Os moradores de Beirute estão nervosos. Ao mesmo tempo, o establishment político não reconhece as demandas da população e tenta ganhar tempo”, relatou ao Correio Makram Rabah, professor do Departamento de História e Arqueologia da Universidade Americana Libanesa. O especialista acredita que uma revolução não será necessária para mudar o cenário do país. “Esse levante e a imensa demanda por mudanças serão ouvidos pela comunidade internacional. A pressão das ruas e do exterior, unidas, forçarão as autoridades a deixarem o poder e a enfrentarem a Justiça.”

Pressões

Por sua vez, o também libanês Bachar El Halabi — analista geopolítico sobre Oriente Médio e norte da África em Istambul — explicou que o levante nas ruas é continuação dos protestos de 17 de outubro. Na ocasião, os planos do governo para aumentar os impostos sobre a gasolina e o cigarro causaram a revolta popular. O movimento tornou-se um grito de basta ao regime sectário, à estagnação econômica e à alta taxa de desemprego, que chegava a 46%. “Ele transcendeu as falhas sectárias do país e denunciou o sistema confessional. Agora, que os ministros começaram a renunciar, parece que o governo não terá muito tempo mais. As pressões interna e externa tendem a aumentar de forma tremenda”, disse ao Correio. “A comunidade internacional deseja ver as reformas, e os manifestantes anseiam pela queda do regime. O governo não terá muito tempo, mas o presidente (Michel Aoun), seu partido (Movimento Patriótico Livre) e o Hezbollah continuam a protegê-lo. Eles são patronos do governo.”

El Halabi nega que a milícia xiita Hezbollah perderá influência no governo. “O movimento permanece como o ator mais forte do país, não apenas por estar bastante armado, mas por ser financiado pelo Irã”, comentou. No entanto, ele admite que a pressão internacional sobre o Hezbollah e sobre Teerã, além da situação de deterioração no Líbano, fazem com que a facção seja encurralada. “Temos de ter em mente que o Hezbollah pode adotar uma retaliação e prejudicar toda a nação”, advertiu.

A rede de TV Al-Jazeera informou que as chances de resgatar sobreviventes nos escombros do porto são ínfimas. “Depois de três dias de operações de busca e de resgate, concluímos a primeira fase, que envolvia a possibilidade de encontrar pessoas com vida. À medida que técnicos trabalham no terreno, podemos dizer que temos poucas esperanças de encontrar sobreviventes”, anunciou o coronel Roger Khouri, do Exército libanês.

Ontem, alguns libaneses tiveram autorização para retornar aos seus lares, a fim de constatar a destruição. Foi o caso da arquiteta Karina Sukkar, que mora em um apartamento com vista para o porto, no bairro de Mar Mikhael. A varanda foi arrancada pela força da explosão.

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Pontos de vista

Por Makram Rabah

Apoio do Hezbollah

“O governo do premiê Hassan Diab certamente ficará mais fraco com as renúncias dos ministros, mas não será extinto. Hassan e o presidente Michel Aoun contam com o apoio do Hezbollah. A tendência é de que eles aferrem ao poder e se tornem mais agressivos. A fragilidade do governo não se dá apenas por conta das renúncias, mas das manifestações nas ruas e da pressão da comunidade internacional. O presidente da França, Emmanuel Macron, foi bastante claro ao afirmar que não apoio o Estado do Libano, mas o povo libanês.” Professor do Departamento de História e Arqueologia da Universidade Americana Libanesa


Por Bachar El Halabi

Pela queda do regime

“A explosão de terça-feira é a epítome do fracasso do sistema confessional dirigido pelos senhores da guerra sectários. Eles devem ser responsabilizados pela tragédia, especialmente a milícia libanesa Hezbollah, que completou a apropriação do Estado do Líbano e das instituições do país, nos últimos anos. Por consequência, os protestos prosseguiram com raiva e fúria, dessa vez pedem não somente reforma ou responsabilização pela explosão, mas a derrubada de todo o regime e de seus pilares de senhores da guerra, incluindo o Hezbollah.” Analista geopolítico libanês e especialista em Oriente Médio e norte da África baseado em Istambul

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