Sob a mediação do presidente norte-americano, Donald Trump, Israel e Emirados Árabes Unidos estabeleceram relações diplomáticas — decisão capaz de transformar o tabuleiro geopolítico do Oriente Médio, caso outras nações árabes sigam o exemplo de Abu Dhabi. “Hoje, começa uma nova era nas relações entre Israel e o mundo árabe”, comemorou o premiê israelense, Benjamin Netanyahu, que aceitou suspender a anexação da Cisjordânia a pedido de Washington. “Grande avanço hoje! Histórico acordo de paz entre nossos dois grandes amigos, Israel e os Emirados Árabes Unidos!”, tuitou Trump, depois de receber diplomatas dos dois países, na Casa Branca. Ele revelou que os EUA sediarão cúpula, em Washington, para a assinatura do acordo em três semanas. Os palestinos rejeitaram o anúncio, pediram reunião de emergência da Liga Árabe e convocaram o seu embaixador em Abu Dhabi. O líder palestino, Mahmud Abbas, falou em “traição”. O movimento islâmico Hamas também condenou o acordo.
Mais tarde, Netanyahu descartou renunciar ao plano adiado. “Trouxe a paz e farei a anexação”, avisou o premiê. Jared Kushner, assessor de Trump para o Oriente Médio, anunciou que “há grande possibilidade” de que Israel e outro país árabe cheguem a um acordo em três meses. Forjar alianças com monarquias do Golfo Pérsico é visto pela Casa Branca como uma forma de conter o Irã.
Em comunicado conjunto, Trump, Netanyahu e o xeque Mohamed bin Zayed Al-Nahyan, príncipe herdeiro dos Emirados Árabes , afirmaram que concordaram com a “completa normalização das relações”. A expectativa é de que as partes assinem acordos bilaterais em várias áreas, inclusive sobre a abertura de embaixadas. Os Emirados tornaram-se o terceiro país árabe a firmar um pacto com Israel, depois do Egito (1979) e da Jordânia (1994). O xeque Al-Nahyan declarou que, “no telefonema com o presidente dos EUA e o premiê Netanyahu, foi acordado impedir a anexação dos territórios palestinos por Israel”. O presidente egípcio, Abdel Fattah El-Sissi, elogiou o acordo “sobre a suspensão da anexação de terras palestinas por Israel”.
A 82 dias das eleições, Joe Biden — candidato democrata — classificou o acordo como “um passo histórico para preencher a lacuna que divide o Oriente Médio”. “A oferta dos Emirados Árabes de reconhecer o Estado de Israel é um ato político bem-vindo, corajoso e muito necessário.”
Abertura
O chefe de governo de Israel admitiu que a discussão trilateral obteve um “acordo de paz completo, com trocas de embaixadores e intercâmbios comerciais, incluindo voos diretos entre Abu Dhabi e Tel-Aviv”. De acordo com Netanyahu, “os Emirados vão investir somas significativas em Israel”. “É uma abertura para a paz na região. (…) Em 1979, (Menachem) Begin assinou a paz com o Egito; em 1994, (Yitzhak) Rabin firmou com a Jordânia, e tenho a honra de assinar o terceiro acordo de paz com um país árabe, em 2020. Este é um verdadeiro acordo de paz, não um slogan”, assegurou.
O embaixador da Palestina em Brasília, Ibrahim Alzeben, disse ao Correio que os únicos beneficiados são Netanyahu e Trump. “O nome da Palestina foi usado para encobrir as verdadeiras causas impulsoras desta imposição chamada de acordo”, criticou. Para o diplomata, o resultado será o aumento da tensão e da violência. “O ‘acordo’ viola a unanimidade árabe e internacional expressa na iniciativa de paz árabe, de 2002, e no conjunto de resoluções da ONU. Pedimos aos Emirados Árabes que retrocedam, recuem na decisão e coloquem seus esforços dentro do marco unânime, árabe e internacional. É mais efetivo, real e digno para todos”, disse Alzeben.
Cientista político da Universidade Bar Ilan, em Ramat Gan (a 47km de Tel Aviv), Menachem Klein explicou à reportagem que a declaração trilateral tem importância simbólica. “Nunca houve uma guerra entre os Emirados Árabes e Israel, nem uma disputa territorial. Isso mostra como o mundo árabe se vê ameaçado pelos iranianos. O Irã é uma ameaça mais aguda do que o tema da Palestina”, observa. Ele adverte que as relações com os Emirados Árabes permitirão a Israel “seguir com a anexação da Cisjordânia e estabelecer um regime de apartheid”. O israelense duvida que a Arábia Saudita siga o exemplo de Abu Dhabi. “O islã e a anexação do Monte do Templo (em Jerusalém) não são assuntos passíveis de serem ignorados pelo reino que governa Meca”, explicou. Klein crê que Omã se aproximará de Israel, enquanto o Catar usará o assunto para angariar apoio islâmico contra os Emirados, com quem mantém relações tensas.
O israelense Eytan Gilboa, do Centro para Estudos Estratégicos Besa, em Ramat Gan, aposta que a decisão de Israel e dos Emirados Árabes aumentará a legitimidade da existência do Estado judeu no Oriente Médio. “O acordo é uma combinação de ameaças e de oportunidades. A ameaça que ambos enfrentam é a busca do Irã por hegemonia”, disse ao Correio.
Ahmed Al Najjar — pró-reitor do Escritório de Assuntos de Graduação e Pesquisas da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade dos Emirados Árabes Unidos (em Abu Dhabi) — afirmou ao Correio que o estabelecimento de relações com Israel é “muito importante”. “Nossa liderança tem uma mentalidade de futuro, com coração tolerante e atitude de unidade, características que tornaram essa aliança possível. Nosso objetivo é servir à paz.”
» Declaração conjunta
Confira trechos do documento divulgado por Estados Unidos, Israel e Emirados Árabes Unidos:
“O presidente Donald J. Trump; o premiê Benjamin Netanyahu, de Israel; e o xeque Mohammed bin Zayed, príncipe herdeiro de Abu Dhabi, conversaram hoje e concordaram com a completa normalização das relações entre Israel e os Emirados Árabes Unidos.”
“Essa façanha diplomática histórica avançará a paz no região do Oriente Médio e é um testemunho da ousada diplomacia (...) e da coragem dos Emirados Árabes Unidos.”
“Delegações de Israel e dos Emirados Árabes Unidos reunir-se-ão nas próximas semanas para assinar acordos bilaterais relacionados a investimentos, turismo, voos direitos, segurança, telecomunicações, tecnologia, energia, saúde, cultura, meio ambiente e estabelecimento de embaixadas recíprocas.”
“A pedido do presidente Trump, com o apoio dos Emirados Árabes, Israel suspenderá a declaração de soberania sobre áreas delineadas na Visão pela Paz e focará esforços na expansão de laços com outros países nos mundos árabe e muçulmano.”
» Brasil saúda “passo decisivo” rumo à paz
Em nota divulgada ontem à noite pelo Ministério das Relações Exteriores, o governo brasileiro saudou o anúncio feito por Israel e pelos Emirados Árabes Unidos. “O governo brasileiro considera que se trata de um passo decisivo no rumo da paz e da prosperidade no Oriente Médio, objetivo para o qual o Brasil está contribuindo ativamente”, afirma o comunicado. Segundo o Itamaraty, as relações do Brasil tanto com Israel quanto com os Emirados Árabes Unidos “atingiram uma qualidade e intensidade sem precedentes, desde o início de 2019, com destaque para as históricas visitas do presidente Jair Bolsonaro a ambos países”. “É altamente gratificante que, mediante o acordo firmado hoje (ontem), essas duas nações amigas do Brasil confirmem seu papel protagônico na transformação de sua região”, acrescenta.
» Pontos de vista
Por Ahmed AlNajjar
“Um portal para a paz”
“Eu acredito que temos de quebrar o gelo e estar mais abertos a encarar nossas disputas. Nós temos assuntos fronteiriços e religiosos com o Irã, que ocupou duas de nossas ilhas. Cortamos relações com os iranianos? A resposta é ‘não’. Por quê? Porque somos um país aberto, não acreditamos em boicotar relações como o modo de lidar com os temas. Cremos que a comunicação e a compreensão mútua de diferentes opiniões sejam o principal portal para a paz e ajudariam a resolver disputas, sem derramamento de sangue e sem agressão.” Psicólogo social e pró-reitor do Escritório de Assuntos de Graduação e Pesquisas da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade dos Emirados Árabes Unidos (em Abu Dhabi).
Por Eytan Gilboa
“Chance de prosperidade”
“O estabelecimento de relações entre Israel e Emirados Árabes é extremamente importante. Trata-se do terceiro acordo de paz entre um país árabe e Israel. Os outros dois foram assinados com o Egito (1979) e Jordânia (1994). Isso aumentará as perspectivas de paz, estabilidade e prosperidade no Oriente Médio. Por vários anos, Israel e muitos países do Golfo Pérsico têm conduzido relações próximas debaixo da mesa. Agora, essas relações estão sendo abertas e atualizadas. Pessoas em grande parte do mundo árabe muçulmano sunita não veem mais Israel como um inimigo, mas um aliado.” Especialista do Centro para Estudos Estratégicos Besa, em Ramat Gan (a 47km de Tel Aviv).
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