Traumatizados: testemunhos de sobreviventes da explosão em Beirute

A poderosa explosão de 4 de agosto que matou 177 pessoas e áreas devastadas da capital libanesa também deixou milhares de feridos, principalmente por estilhaços de vidro. Pelo menos 400 pessoas sofreram lesões oculares

Agência France-Presse
postado em 18/08/2020 12:21
 (crédito: ANWAR AMRO / AFP)
(crédito: ANWAR AMRO / AFP)

Primeiro veio a fumaça branca, seguida por uma explosão laranja e, pouco depois, uma nuvem preta. Essas são as últimas imagens de Rony Mecattaf antes de acordar com apenas um olho e uma Beirute destruída pela explosão.

"Perdi toda a visão lateral e talvez a imagem de mim mesmo. Quando me olho no espelho, não vejo a percepção que tinha de mim com os dois olhos", afirma este psicoterapeuta de 59 anos.

A explosão brutal de 4 de agosto no porto da capital libanesa causou pelo menos 177 mortes e mais de 6.500 feridos, a maioria deles por cacos de vidro.

Dessas pessoas, pelo menos 400 sofreram lesões oculares, mais de 50 precisaram de cirurgia e ao menos 15 ficaram com apenas um olho, segundo dados dos hospitais da região de Beirute.

Dez dias após a tragédia, Mecattaf ainda enxuga o sangue que às vezes emana de uma grande cicatriz que atravessa verticalmente sua pálpebra direita.

"Intervenções angelicais"

Mecattaf estava na varanda de um amigo, com vista para o porto, quando a explosão o jogou para a porta de entrada como "um grão de poeira". Ele ainda não sabe se foi a porta ou um pedaço de vidro que mutilou seu olho.

Seus médicos afirmaram que poderia ter sido simplesmente a onda da explosão, o que tornaria difícil repará-lo.

Ele sobreviveu graças a uma "série de intervenções angelicais" nas horas seguintes ao drama, com a ajuda de desconhecidos que o levaram a dois hospitais - já que o primeiro estava completamente danificado pela explosão.

"A cidade era uma visão do inferno", lembra Mecattaf, que finalmente conseguiu ser operado em Sidon, no sul do Líbano, graças a um amigo. Mas, após duas horas de esforços, os médicos não conseguiram salvar seu olho.

"Meio cego"

Em um hospital ao norte de Beirute, Maroun Dagher faz sua revisão semanal. Para este cientista da computação de 34 anos, a explosão "mudou tudo".

Seu rosto ficou colado a uma janela em uma rua muito próxima do porto e um caco de vidro de dois centímetros perfurou seu olho esquerdo.

Nos primeiros dias após a explosão, a dor "era apenas física". Mas a agonia não parou por aí. Alguns dias depois, ele soube que sua visão provavelmente foi afetada de forma permanente.

"Tenho sonhos em que consigo ver tudo, mas depois acordo", conta. "Nesse momento sinto emoções ruins [...] Você simplesmente acorda meio cego", lamenta.

"O lugar mais seguro"

Makhoul al Hamad, de 43 anos, vivia na cidade de Manbij, no norte da Síria. Este operário, que mora em Beirute desde 1995, achava que seu bairro, Mar Mikhael, era "o lugar mais seguro do Líbano" e definitivamente mais seguro do que seu país em guerra.

Por esse motivo, em 2016 ele levou a esposa e quatro filhos para Beirute, entre eles sua filha Sama, nascida em Manbij.

Sama estava sentada a poucos metros de uma janela no dia da explosão. Cacos de vidro atravessaram seu olho e a menina de cinco anos começou a sangrar absurdamente.

Uma semana depois, no telhado de sua casa danificada, Sama sorri com o olho coberto por uma bandagem. Ao longe, é possível ver o porto, praticamente devastado.

Sua retina foi rompida e os médicos disseram aos pais que seria necessário uma cirurgia restauradora no exterior. Mas eles não têm condições de bancar.

"Teria preferido que todo o sofrimento [...] recaísse sobre mim, se isso permitisse salvar Sama", confessa Hamad enquanto abraça a filha.

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