Presidente do Mali renuncia após pressão dos militares e motim

Ibrahim Boubacar Keita anunciou na madrugada sua renúncia e a dissolução do Parlamento e do governo, horas após ter sido detido juntamente com seu primeiro-ministro, Boubou Cisse, por militares amotinados

Agência France-Presse
postado em 19/08/2020 12:43 / atualizado em 19/08/2020 12:44
 (crédito: ORTM / AFP)
(crédito: ORTM / AFP)

Os militares que derrubaram o presidente constitucional do Mali, Ibrahim Boubacar Keita, anunciaram nesta quarta-feira a criação de um Comitê Nacional para a Salvação do Povo (CNSP) e prometeram uma "transição política civil" e eleições em um "prazo razoável".

"Nós, força patrióticas reunidas no Comitê Nacional para a Salvação do Povo (CNSP), decidimos assumir nossas responsabilidades diante do povo e diante da história", afirmou em um discurso na televisão pública ORTM o porta-voz dos militares, coronel Ismael Wague, comandante adjunto do Estado-Maior da Força Aérea, antes de destacar que todos os acordos internacionais do Mali serão respeitados.

"Nosso país, Mali, afunda dia a dia no caos anarquia e insegurança por culpa dos homens responsáveis por seu destino", completou.

Ismael Wague disse ainda que os militares estão comprometidos com o "processo de Argel", o acordo de paz assinado em 2015 entre Bamako e os grupos armados do norte do país.

Poucas horas antes do discurso dos militares, Ibrahim Boubacar Keita anunciou na madrugada sua renúncia e a dissolução do Parlamento e do governo, horas após ter sido detido juntamente com seu primeiro-ministro, Boubou Cisse, por militares amotinados.

"Eu gostaria, neste momento preciso, enquanto agradeço ao povo malinês por seu acompanhamento ao longo destes longos anos e seu caloroso afeto, anunciar-lhes minha decisão de deixar minhas funções, todas as minhas funções, a partir deste momento", disse o presidente demissionário em um discurso transmitido pela televisão nacional ORTM. "E com todas as consequências resultantes: a dissolução da Assembleia Nacional e do governo", acrescentou.

Keita e Cisse foram detidos durante a tarde por militares rebeldes, que se aliaram a manifestantes que há meses pedem a saída do chefe de Estado e de seu governo.

O presidente e o primeiro-ministro "foram levados a Kati pelos militares amotinados em veículos blindados", onde fica a guarnição Sundiata Keita, a cerca de 15 km de Bamako, onde havia começado um motim pela manhã, informou Boubou Doucoure, diretor de comunicação do governo.

"Podemos dizer-lhes que o presidente e o primeiro-ministro estão sob nosso controle. Os detivemos em sua casa" (na residência do chefe de Estado em Bamako), aifmou mais cedo à AFP um dos líderes da rebelião.

Os militares rebeldes tomaram o controle do acampamento e das ruas vizinhas, antes de se dirigir em comboio para o centro da capital, segundo um correspondente da AFP.

Em Bamako foram aclamados por manifestantes reunidos para pedir a saída do chefe de Estado nas imediações da praça da Independência, epicentro dos protestos que ocorrem no Mali há meses, antes de prosseguir em direção à residência do presidente Keita, segundo a mesma fonte.

O secretário-geral da ONU, António Guterres, pediu nesta terça-feira a "libertação imediata e incondicional" do Presidente do Mali.

"O secretário-geral condena veementemente essas ações e pede a restauração imediata da ordem constitucional e do Estado de Direito no Mali", ressaltou o porta-voz de Guterres em comunicado.

A pedido da França e do Níger, que preside atualmente a Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (Cedeao), o Conselho de Segurança da ONU anunciou a realização de uma reunião de emergência a portas fechadas sobre a crise no país africano.

"A União Europeia condena a tentativa de golpe em curso no Mali e desaprova uma mudança inconstitucional", afirmou o chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell, em comunicado. O presidente francês, Emmanuel Macron, "acompanha a situação com atenção e condena a tentativa de rebelião em curso", anunciou-se em Paris.

Antes do anúncio das prisões, os países da África ocidental, França e EUA tinham expressado preocupação e denunciado qualquer tentativa de derrubar o governo.

Pouco antes da sua prisão, o primeiro-ministro do Mali pediu aos militares para "silenciar as armas", dizendo que está pronto para um "diálogo fraterno para dissipar todos os mal-entendidos", segundo um comunicado de imprensa.

A Comunidade de Estados do Oeste da África (Cedeao) condenou o "golpe" contra o presidente maliense, Ibrahim Boubacar Keita, e seu governo por "militares golpistas", exigindo sua libertação imediata, e anunciou o fechamento das fronteiras com o Mali, segundo um comunicado.

A organização regional, integrada por 15 países-membros, entre eles o Mali, decidiu suspender este país dos órgãos decisórios, assim como o fechamento de fronteiras terrestres e aéreas entre seus membros e o país, e reivindicou "o estabelecimento imediato de um conjunto de sanções contra todos os golpistas", segundo o comunicado.

Distúrbios sangrentos

O Mali enfrenta uma grave crise sociopolítica que preocupa a comunidade internacional.

Uma coalizão heterogênea de opositores políticos, líderes religiosos e membros da sociedade civil fazem parte das manifestações para exigir a saída do presidente Keita, criticado por, segundo os que protestam, gerenciar mal o governo.

Soma-se a isso uma difícil "situação social", de acordo com o dirigente sindical, Sidibé Dedeu Ousman.

O Movimento 5 de Junho - Encontro das Forças Patrióticas do Mali (M5-RFP), que lidera os protestos, recusou-se na última quinta-feira ter uma conversa com Keita, colocando como condição prévia o "fim da repressão" contra os militantes.

No fim de semana de 10 de julho, uma manifestação convocada pelo Movimento 5 de junho resultou em três dias de distúrbios sangrentos.

Na mesma guarnição de Kati, os militares tinham se rebelado em 21 de março de 2012 contra a incapacidade do governo de enfrentar uma grande ofensiva dos rebeldes tuaregues e a chegada de extremistas vindos de países vizinhos.

Na ocasião, tiraram do poder o então presidente Amadou Toumani Touré.

O golpe de Estado antecipou a queda do norte do Mali nas mãos de grupos islamitas armados, que ocuparam a região durante nove meses, antes de serem expulsos por uma intervenção militar internacional organizada pela França em janeiro de 2013, e que ainda está em curso.

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