No início da pandemia da covid-19, pesquisadores detectaram indícios de que essa nova enfermidade poderia causar danos graves ao sistema circulatório. Um estudo publicado na última edição da revista The Lancet Microbe dá mais força a essa teoria. No trabalho, cientistas britânicos relatam como encontraram coágulos sanguíneos e lesões pulmonares nos tecidos de indivíduos que morreram devido à infecção pelo novo coronavírus. Os dados corroboram a importância do uso de medicamentos anticoagulantes no tratamento da infecção e podem ajudar a desenvolver novas maneiras de monitorar e tratar a doença, segundo os autores.
Embora o número de pacientes examinados no estudo tenha sido pequeno, 10, os autores da pesquisa destacam que essa é a maior investigação feita, até o momento, com base em tecidos de indivíduos que faleceram devido à infecção. “A covid-19 é uma doença nova, e tivemos oportunidades limitadas de analisar os tecidos de pacientes em autópsia”, afirma, em comunicado, Michael Osborn, professor de patologia no Imperial College London e um dos autores do estudo.
Osborn e sua equipe analisaram amostas de pacientes que tinham entre 22 e 97 anos e morreram entre março e junho. Em todo o grupo, a hipertensão e problemas pulmonares foram os fatores que mais contribuíram para o óbito. Os pacientes desenvolveram febre e apresentaram pelo menos dois sintomas respiratórios, como tosse e falta de ar, durante os estágios iniciais da doença. Vários tipos de tratamentos foram usados durante a internação, segundo os autores do trabalho.
Nas análises, os pesquisadores descobriram que todos os pacientes tinham lesões pulmonares e cicatrizes nos pulmões causadas pela infecção, além de danos nos rins. Nove pacientes também tiveram trombose em ao menos um de três órgãos importantes: coração, pulmão ou rim. A trombose impede que o sangue flua através do sistema circulatório e pode causar derrames e ataques cardíacos.
Os cientistas acreditam que esses dados apoiam suspeita de que a covid-19 pode provocar complicações circulatórias. “Nosso estudo é o primeiro desse tipo no país a apoiar as teorias existentes de pesquisadores e médicos sobre lesões pulmonares e trombose como características mais proeminentes em casos graves da covid-19”, destaca Osborn. “Vimos também evidências de lesões renais e, em alguns casos, de pancreatite”, completa.
Estudo brasileiro
Em abril, uma equipe de médicos do Hospital Sírio-Libanês em São Paulo observou que o uso da heparina, anticoagulante usado para a prevenção da trombose, reduziu o tempo de internação em metade de um grupo composto por 27 pacientes com covid-19. Idealizadora da pesquisa, que foi publicada na revista especializada British Medical Journal (BMJ), a pneumologista Elnara Marcia Negri ressalta que os dados obtidos pelo estudo britânico confirmam o que foi visto por ela e sua equipe.
“Esse trabalho, assim como outros que foram feitos após a nossa publicação, traz mais dados que entram em concordância com o que vimos naquela época e que seguimos observando diariamente na prática clínica”, enfatiza a médica. “Vemos que essa enfermidade não está restrita a danos respiratórios. Ela pode atingir outros órgãos e também tem um efeito sobre a circulação, independentemente da idade do paciente. Mais uma vez, encontramos dados que nos mostram porque usar esse tipo de medicamento pode fazer tanta diferença.”
Os brasileiros seguem pesquisando o efeito da heparina em pacientes com covid-19. “Atuamos em duas frentes agora: um estudo retrospectivo, com dados de todos que foram tratados no hospital, e também uma parceria com outras instituições, do Canadá, da Holanda e também brasileiros, como pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB), que tentam entender o efeito dos anticoagulantes no tratamento da covid-19”, conta a pneumologista.
Mais perguntas
Segundo Elnara Marcia Negri, alguns detalhes importantes relacionados ao uso de remédios que combatem os coágulos precisam ser melhor definidos. “Precisamos esclarecer um tema ainda polêmico, que é a administração precoce desses medicamentos, logo no início da infecção, para evitar complicações e sequelas. Essa ainda é uma discussão entre especialistas, muitos defendem o uso apenas com o agravamento da situação do paciente com a covid-19”, ilustra. “Mas já podemos ressaltar dois pontos importantes que observamos: o monitoramento da oxigenação sanguínea — se houver falhas, indica o momento de usar o remédio — e a administração do anticoagulante depois de o paciente ter alta, para manter a prevenção da trombose.”
A equipe britânica também firmou parcerias, com cientistas locais e internacionais, para realizar análises mais detalhadas do material coletado dos 10 pacientes. Para eles, os resultados já obtidos e as novas investigações podem ajudar médicos na escolha de melhores tratamentos e no monitoramento da doença. “A análise baseada em autópsia da covid-19 é vital para aprendermos mais sobre essa enfermidade conforme a pandemia se desenvolve. Somos extremamente gratos àqueles que consentiram com essa pesquisa”, enfatiza Osborn.
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