Biden prepara o discurso eleitoral e Trump critica estratégia do adversário

Durante o encerramento da Convenção Nacional, no fim da noite de quinta-feira, Biden acusou o magnata republicano de "cobrir os Estados Unidos de escuridão" e de semear raivam medo e divisão

Rodrigo Craveiro
postado em 22/08/2020 06:00
 (crédito: Mandel Ngan/AFP)
(crédito: Mandel Ngan/AFP)

O presidente norte-americano, Donald Trump, tem 73 dias para desconsertar a retórica do medo adotada por Joe Biden. O candidato do Partido Democrata à Casa Branca espera capitalizar o pronunciamento mais importante em 47 anos de carreira política. Durante o encerramento da Convenção Nacional, no fim da noite de quinta-feira, Biden acusou o magnata republicano de “cobrir os Estados Unidos de escuridão” e de semear raivam medo e divisão. “Se vocês confiarem a Presidência a mim, vou trabalhar com o nosso melhor, não com o nosso pior. Eu serei um aliado da luz, não das trevas”, disparou. Ao concluir o discurso, lembrou que “a esperança é mais poderosa do que o medo; a luz é mais poderosa do que a escuridão”. Trump não perdeu tempo e buscou desqualificar a linguagem do adversário. “Ao longo da semana, os democratas realizaram a convenção mais obscura, furiosa e sombria da história americana”, afirmou, no encontro do Conselho de Política Nacional, em Arlington, na Virgínia.

De acordo com o magnata republicano, os democratas “passaram quatro dias consecutivos atacando a América como racista e como um país horrível, o qual deve ser redimido”. “Joe Biden declarou, de forma sombria, uma temporada de trevas americanas. A maior parte do discurso foi sobre o que Biden não falou. Ele não falou sobre a aplicação da lei, sobre trazer segurança às cidades administradas pelos democratas, as quais estão totalmente fora de controle, e eles não têm ideia disso”, ironizou.

O presidente aproveitou a ocasião para advertir, mais uma vez, sobre os riscos representados pelo voto pelos correios. “Nunca terão uma apuração da eleição de 3 de novembro. Não poderão saber do resultado, na minha opinião, em questão de semanas, meses, talvez nunca.” Horas antes, minutos depois de Biden concluir o pronunciamento, Trump usou o Twitter para alfinetar o adversário. “Em 47 anos, Joe não fez nada do que ele agora fala. Ele nunca mudará, apenas palavras!”

Depois da Convenção Nacional Republicana, na próxima semana, as atenções voltar-se-ão para os debates entre Biden e Trump. Em entrevista ao Correio, David Redlawsk, professor de ciência política da Universidade de Delaware, disse que o discurso de anteontem foi “o melhor da vida” do democrata. “Ao fazê-lo, ele se conectou ao medo que muitos eleitores têm dos problemas enfrentados pelos EUA, como o coronavírus e a economia. Mas, também, conectou-se a um futuro mais brilhante, melhor e mais gentil. Foi a estratégia exatamente correta. Para os democratas e para muitos independentes, ele apresentou uma alternativa ao caos percebido em Trump”, comentou.

Normal

Apesar de admitir que o discurso não forneceu detalhes sobre as políticas dos democratas, Redlawsk acredita que muitos eleitores buscam “algo mais normal do que têm visto” nos últimos anos. “A política é menor crítica agora”, sublinhou. Segundo o especialista de Delaware, Biden criou constrastes bastante claros entre ele e Trump. “Muita coisa pode ocorrer nos próximos dias. Biden está no topo de todas as pesquisas. Os debates serão importantes, pois moldarão a narrativa sobre como a campanha está sendo conduzida. Neste ponto, considero Biden o favorito”, disse, ao hesitar considerar uma eleição definida para o democrata.

Diretor do Centro de Engajamento Cívico do Departamento de Ciência Política da Universidade de Oakland (em Rochester, Michigan), David Dulio concorda que Biden ressaltou os contrastes com Trump. “O democrata falou com elevada retórica sobre as dualidades ‘luz e trevas’, ‘tempos difíceis e oportunidade’. Biden fez algumas promessas bem elevadas sobre a covid-19, a fim de se diferenciar das posições e dos planos de Trump, como o uso compulsário de máscaras”, avaliou ao Correio. “O meio do pronunciamento foi uma espécie de lista de lavanderia de promessas sobre temas específicos — saúde, educação, creche e assistência a idosos, fonte endosso aos sindicatos, mudanças climáticas, aumento de impiostos para os mais ricos, previdência social, justiça racial. Havia alguma coisa naquela lista para todo o mundo”, acrescentou. Por sua vez, Bruce Ackerman, professor de direito da Universidade de Yale, disse à reportagem que Biden fez o discurso “mais convincente” de sua carreira. “Ele expressou decência como ser humano e comprometeu-se com uma reforma real na saúde e nos direitos humanos, além de um sistema tributário mais igualitário. No entanto, sua vitória em novembro não está assegurada.”

» Trechos

Partes do discurso de Joe Biden, no último dia da Convenção Nacional Democrata, na noite de quinta-feira

» “O atual presidente cobriu os EUA de escuridão por muito tempo, muita raiva, muito medo, muita divisão. Aqui e agora, eu lhes dou minha palavra: se vocês confiarem a Presidência a mim, vou trabalhar com o nosso melhor, não com o nosso pior. Eu serei um aliado da luz, não das trevas.”

» “Unidos, nós podemos, e iremos, superar essa era de trevas na América. Nós escolheremos a esperança ao medo, os fatos à ficção, a justiça ao privilégio.”

» “Sou um democrata orgulhoso e terei o orgulho de carregar a bandeira de nosso partido nas eleições gerais. Então, é com grande honra e humildade que aceito essa indicação para presidente dos Estados Unidos da América.”

» “A história nos trouxe um dos momentos mais difíceis que a América já enfrentou. Quatro crises históricas. Tudo ao mesmo tempo. Uma tempestade perfeita. A pior pandemia em mais de 100 anos. A pior crise econômica desde a Grande Depressão. O apelo mais convincente por justiça racial desde os anos 1960. E as realidades inegáveis e as ameaças cada vez mais aceleradas das mudanças climáticas.”

» “Esta é uma eleição (…) que determinará o futuro da América por muito tempo. O caráter está na cédula (eleitoral). A compaixão está na cédula. Decência, ciência, democracia. Todos estão na cédula.”

» “O que sabemos sobre esse presidente é que, se ele tiver mais quatro anos, será o que tem sido nos últimos quatro anos. Um presidente que não assume suas responsabilidades, recusa-se a liderar, culpa os outros, aproxima-se de ditadores e atiça as chamas do ódio e da divisão.”

» “Temos uma grande proposta como uma nação: abrir as portas da oportunidade a todos os americanos. Salvar nossa democracia. Ser uma luz para o mundo, uma vez mais.”

» “Com paixão e propósito, vamos começar — vocês e eu, juntos, uma nação, sob Deus — unidos em nosso amor uns pelos outros. Pois o amor é mais poderoso do que o ódio. A esperança é mais poderosa do que o medo. A luz é mais poderosa do que a escuridão.”

» Eu acho...

“As eleições de 3 de novembro, provavelmente, serão apertadas. A melhor aposta dos democratas é Kamala Harris. Ela é a próxima na linha sucessória, enquanto vice. Se Trump perder, ou mesmo se for reeleito, haverá uma batalha entre vários republicanos para tomar as rédeas do partido.”
David Dulio, diretor do Centro de Engajamento Cívico do Departamento de Ciência Política da Universidade de Oakland, em Rochester (Michigan)

“A convenção funcionou muito bem e transcorreu exatamente como os democratas queriam. Eles enalteceram cidadãos americanos de todo o país, e incluíram os republicanos. A maioria das pessoas não assiste ao evento e se informa pela mídia. E a cobertura jornalística, hoje (ontem), foi muito positiva.”
David Redlwask, professor de ciência política da Universidade de Delaware

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