A Convenção Nacional Republicana começou, ontem, em Charlotte (Carolina do Norte), com a indicação oficial da candidatura de Donald Trump à reeleição. Em um discurso não programado, de pouco mais de uma hora, o presidente dos Estados Unidos voltou a colocar sob suspeição a lisura da votação em 3 de novembro. Dessa vez, no entanto, o magnata associou a pandemia do novo coronavírus a supostas fraudes no voto pelo sistema postal. “O que eles estão fazendo é usar a covid para roubar uma eleição. Eles estão usando a covid para fraudar o povo americano, todo o nosso povo, de uma eleição livre e justa. Não podemos fazer isso”, afirmou o chefe de Estado. “Eles trabalham para enviar 80 milhões de cédulas eleitorais pelos correios a pessoas que não pediram por isso. (…) Na minha opinião, não será possível tabular os votos. (…) Temos de ser muito cautelosos”, acrescentou. “Nós temos de ganhar. Esta é a eleição mais importante na história de nosso país”. Especialistas consideram as acusações de Trump sobre o voto a distância sem fundamento.
A largada da convenção deu-se em meio a três notícias desalentadoras para a Casa Branca: 27 ex-congressistas do Partido Republicano endossaram a chapa democrata de Joe Biden e Kamala Harris; assessora de Trump, Kellyanne Conway anunciou que deixará o posto para cuidar da família; e a procuradora-geral de Nova York, Letitia James, pediu a um juiz que obrigue Eric Trump, filho do presidente, a depor sobre transações duvidosas da Organização Trump, o conglomerado empresarial pertencente ao magnata. Os 330 delegados do Grand Old Party, como é chamado o Partido Republicano, confirmaram o apoio ao presidente. Assim que subiu ao púlpito, Trump foi ovacionado e saudado aos gritos de “Mais quatro anos!”. Ele advertiu que, caso Biden vença as eleições, os EUA serão varridos pela violência, e os democratas tirarão as armas, a religião e a produção de energia norte-americana. “A única maneira de tirarem essa eleição de nós é se for uma eleição fraudada. Não os deixem tirar isso de vocês”, declarou.
Trump planeja discursar em todas as quatro noites da Convenção Nacional Republicana, algo sem precedentes. O evento do partido governista ocorre quatro dias depois da convenção dos democratas, que oficializou a candidatura de Biden e foi considerada histórica por analistas. “De certa forma, as convenções importam menos em um país politicamente polarizado. Seu objetivo nunca foi conquistar eleitores indecisos, mas entusiasmar as bases do próprio partido”, explicou ao Correio Jason Matthew Roberts, professor de ciência política da Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill.
Ao ser questionado sobre a associação da covid-19 como risco de fraude eleitoral, o estudioso disse não ter ideia do que Trump quis dizer com a ilação. “O partido que está fora do poder sempre tenta usar as falhas percebidas da legenda governista durante uma campanha eleitoral. Um problema é que Trump jamais ocupou um cargo político antes; então, não tem experiência sobre como as campanhas funcionam”, acrescentou Roberts. A gestão da Casa Branca no combate à pandemia é vista por analistas como um dos pontos vulneráveis de Trump, além da crise econômica. Até o fechamento desta edição, os Estados Unidos registravam 5,7 milhões de casos da covid-19 (24% do total no mundo) e 177 mil mortes (21%). Apesar dos números, o chefe de Estado republicano disse que os país tem se saído “muito bem”.
Democratas
Presidente da Câmara dos Representantes, a democrata Nancy Pelosi classificou Trump e os republicanos de “inimigos do Estado” e aconselhou os norte-americanos a ignorarem o magnata. “Nós juramos proteger e defender a Constituição de todos os inimigos, externos e domésticos. Infelizmente, os inimigos de nosso sistema de votação e da Constituição estão na Avenida Pensilvânia, número 1600, com seus aliados do Congresso dos Estados Unidos”, disse Pelosi, referindo-se ao endereço da Casa Branca. Ela acusou Trump de suprimir o voto a distância, amedrontar as pessoas, convocar forças de segurança e reduzir os votos no sistema postal.
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"Menos drama, mais mamãe"
Aos 53 anos, Kellyanne Conway está ao lado de Trump desde o primeiro dia. Foi ela a coordenadora da campanha de 2016 e uma das responsáveis por levar o republicano à Casa Branca. Os últimos quatro anos de lealdade a Trump tiveram consequências. Seu marido, George Conway, advogado famoso de Washington e um dos críticos mais ferrenhos do presidente no Twitter, questionou diversas vezes a aptidão mental de Trump para o cargo. No sábado, a filha de 15 anos do casal, Claudia, escreveu no Twitter que estava “devastada”, pois a mãe participaria da Convenção Republicana. A adolescente prometeu buscar a emancipação legal “devido a anos de trauma e abuso”. Menos de 24 horas depois, Kellyanne publicou nota no Twitter que termina com a frase: “A partir de agora, e para meus queridos filhos, será menos drama, mais mamãe”.
Eu acho...
“As frequentes alegações de Trump sobre o risco de fraude representado pelo voto a distância são falsas. Ele próprio vota pelo correio, por exemplo. Não há evidências para qualquer acusação desse tipo. Acho que esta é uma afirmação perigosa, pois pode induzir os norte-americanos a não confiarem no resultado das eleições.”
Jason Matthew Roberts, professor de ciência política da Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill
Violência racial da polícia reacende ira
Sete tiros disparados por um policial contra as costas de Jacob Blake, um homem negro de 29 anos, reacenderam os protestos contra o racismo e a violência policial. A tentativa de assassinato ocorreu na presença dos três filhos pequenos da vítima, que presenciaram tudo. Autoridades da cidade de Kenosha, no estado de Wisconsin, declararam estado de emergência e impuseram toque de recolher, depois de uma madrugada de vandalismo, com carros e lojas queimados. Dois policiais foram suspensos e uma investigação foi aberta. Blake passou por uma cirurgia de emergência e foi hospitalizado em uma unidade de terapia intensiva na cidade de Milwaukee, cerca de 40km ao norte de onde ocorreram os fatos na tarde de domingo.
O incidente, ocorrido três meses depois de o afro-americano George Floyd ser sufocado por um policial branco em Minneapolis, no estado vizinho de Minnesota, foi fortemente condenado pelo candidato democrata à presidência Joe Biden. “Ontem (domingo), Jacob Blake foi baleado sete vezes nas costas pela polícia. Seus filhos assistiram, no carro. E esta manhã, a nação acorda mais uma vez com dor e indignação por outro americano negro vítima da força excessiva. Precisamos de uma investigação completa e transparente”, cobrou, ao publicar no Twitter a palavra “Basta” sobre um fundo de cor escura. O Departamento de Justiça de Wisconsin informou que sua divisão de investigação criminal apurava o caso.
Um vídeo do incidente gravado com um celular mostra que o homem negro é seguido por dois policiais armados enquanto se dirige a um veículo cinza. Quando ele abre a porta e tenta sentar no banco do motorista, um dos policiais o agarra pela camisa e atira várias vezes em suas costas. As autoridades não informaram se o outro policial também atirou.
Ben Crump, advogado dos direitos civis que representa a família de Floyd e assumiu a defesa de Blake, disse que os três filhos da vítima estavam no carro e que o homem apenas tentava “acalmar” um incidente doméstico. “Quando ele foi ver como seus filhos estavam, a polícia atirou nele várias vezes nas costas à queima-roupa”, disse, em comunicado. “Eles ficarão traumatizados para sempre. Não podemos permitir que os policiais violem seu dever de nos proteger. Nossos filhos merecem coisa melhor!”, tuitou mais cedo.
A polícia informou que os disparos foram registrados durante o atendimento de um incidente doméstico por volta das 17h11 (locais) de domingo. O governador de Wisconsin, o democrata Tony Evers, instou o Legislativo estadual, controlado pelos republicanos, a debater um pacote de projetos de lei relacionado à polícia que apresentou no começo deste ano. “Devemos começar a longa, mas importante, jornada para garantir que nosso Estado e nosso país comecem a cumprir nossas promessas de igualdade e justiça”, afirmou, em uma mensagem de vídeo.
A poderosa American Civil Liberties Union (ACLU) denunciou o que ocorreu a Blake como “mais um ato nojento de brutalidade policial”. “O fato de que uma violência policial como essa — os assassinatos de Breonna Taylor, George Floyd, Eric Garner e muitos outros — tenha se tornado algo comum mostra que a própria instituição policial americana está podre em sua essência”, observou a entidade.