EUA

Em busca do sonho

No 57º aniversário do famoso discurso de Martin Luther King Jr., milhares de pessoas se reúnem diante do Lincoln Memorial, em Washington, para protestar contra o racismo e exigir igualdade. Familiares de negros vítimas da polícia discursam durante o evento

Rodrigo Craveiro
postado em 28/08/2020 22:01
 (crédito: Michael M. Santiago/AFP)
(crédito: Michael M. Santiago/AFP)

Da escadaria do Lincoln Memorial, de frente para o Monumento Washington e no mesmo local em que seu pai falou à multidão, em 28 de agosto de 1963, Martin Luther King III bradou: “Há um joelho sobre o pescoço da democracia, e nossa nação não pode viver muito tempo sem o oxigênio da liberdade”. Diante de milhares de pessoas reunidas no National Mall, um dos principais cartões-postais de Washington D.C., o filho de Martin Luther King Jr. fez alusão ao assassinato de George Floyd, um homem negro morto asfixiado por um policial branco em Minneapolis (Minnesota), e exortou a comunidade afro-americana a votar, em 3 de novembro. Pediu que os americanos continuem a luta contra a desigualdade entre negros e bancos. Sem citar o presidente Donald Trump, ele defendeu “a mudança desesperadamente necessária nos EUA”. O evento marcou o 57º aniversário do famoso discurso I have a dream (“Eu tenho um sonho”) e ocorreu a pouco mais de 2km da Casa Branca, onde Trump fez um pronunciamento de 70 minutos, ao fim da Convenção Nacional Republicana.

Além do filho de King, o reverendo Al Sharpton foi outra estrela da marcha, que mobilizou familiares de cidadãos negros vítimas da violência policial. “É hora de termos uma conversa com a América. Nós precisamos ter um diálogo sobre o seu racismo, sobre sua intolerância, sobre seu ódio, sobre como vocês colocarão seus joelhos sobre nossos pescoços enquanto choramos por nossas vidas”, disse Sharpton. Ele cobrou a aprovação, por parte do Senado, da Lei de Justiça e Policiamento George Floyd. O texto propõe o fim das abordagens com motivação racial e da brutalidade polícial, além da proibição do estrangulamento.

Jacob Blake Sr., pai do homem negro de 29 anos baleado sete vezes por um policial branco de Kenosha (Wisconsin), pediu aos afro-americanos que reajam. “Nós vamos nos levantar. Cada pessoa negra dos Estados Unidos vai se levantar. Nós estamos cansados!”, declarou, ao pedir punição pelo “racismo sistêmico”.

Mudança

Parentes de George Floyd e de Breonna Taylor, uma mulher negra de 26 anos morta pela polícia dentro do próprio apartamento, emocionaram-se ao escutarem a multidão repetir os nomes das vítimas. “O que precisamos é de mudança e estamos em um ponto em que podemos conseguir essa mudança. Mas, devemos ficar juntos”, desabafou Tamika Palmer, mãe de Breonna, citada pela agência France-Presse.

Por meio do Twitter, o candidato democrata à Casa Branca, Joe Biden, lembrou o aniversário do discurso de Martin Luther King Jr. e sublinhou o dever do país de prosseguir com “o árduo trabalho de aperfeiçoar nossa união”. “Cabe a todos nós continuar com a marcha rumo à igualdade, à liberdade e à justiça para todos”, escreveu. Até o fechamento desta edição, Donald Trump não tinha feito qualquer comentário sobre o tema. Os dois candidatos retomaram, ontem, a campanha política, a 67 dias das eleições de 3 de novembro (leia nesta página).

Em entrevista ao Correio, Samuel Myers Jr. — professor de relações humanas e justiça social da Universidade de Minnesota — admitiu que grande parte das palavras de Martin Luther King sobre a desigualdade econômica foi esquecida. “O discurso ‘Eu tenho um sonho’ foi popularizado pela pequena parte relacionada ao ‘conteúdo do caráter dos negros versus a cor da pele’. O resto do pronunciamento enfocou a injustiça econômica e a necessidade de admitir o racismo. Sim, o sonho de King permanece distante”, lamentou.

Samuel demonstra ceticismo em relação à influência da marcha de ontem sobre o eleitorado afro-americano. “Os negros não votarão a favor ou contra uma candidato por causa do que ocorreu no National Mall, hoje (ontem). Em vez disso, eles votarão por causa dos esforços em suas comunidades para fazer com que as pessoas compareçam às urnas, para fazer perceberem o quão histórica é esta eleição”, explicou. “Os negros conhecem e entendem o que está em jogo nesta eleição.”

 

“Há um joelho sobre o pescoço da democracia, e nossa nação não pode viver muito tempo sem o oxigênio da liberdade”
Martin Luther King III, ativista dos direitos civis e filho de Martin Luther King Jr.

 

 

 

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Eu acho...

 (crédito: Bruce Silcox/Divulgação)
crédito: Bruce Silcox/Divulgação

“Donald Trump é racista. Ele sabe que é um racista. E racistas também o reconhecem como tal. É claro que alguns negros estão dispostos a ganhar algumas moedas de ouro para testemunhar e desmentir isso. Sempre houve Judas entre nós. Joe Biden é um homem que, genuinamente, deseja combater o racismo, ainda que eu não ache que ele saiba como fazer isso.”
Samuel Myers Jr., professor de relações humanas e justiça social da Universidade de Minnesota

TUITADA

“Ao comemorarmos o 57º aniversário da Marcha de Washington e do discurso do Dr. Martin Luther King Jr., devemos continuar o árduo trabalho de aperfeiçoar nossa união. Cabe a todos nós continuar com a marcha rumo à igualdade, à liberdade e à justiça para todos.”
Joe Biden, candidato do Partido Democrata à Casa Branca

Trump retoma viagens de campanha

 (crédito: Joseph Prezioso/AFP)
crédito: Joseph Prezioso/AFP

Sem perder tempo, Donald Trump retomou, ontem, a campanha com a qual busca um segundo mandato presidencial. Na véspera, ele encerrou a Convenção Nacional Republicana com pesados ataques ao rival democrata Joe Biden, que anunciou uma turnê pelos Estados Unidos depois de meses de pausa devido à pandemia de coronavírus. O presidente dos Estados Unidos visitou New Hampshire, estado do nordeste que perdeu por pouco em 2016, com os olhos postos na eleição de 3 de novembro. Ali, discursou para os simpatizantes, em uma busca de reconexão com o público.

A mensagem foi a mesma usada na noite de quinta-feira, ao aceitar a indicação do Partido Republicano, em polêmico discurso proferido ao vivo pela Casa Branca, algo que nenhum de seus antecessores ousou fazer. “Ninguém estará a salvo de Biden nos Estados Unidos”, disse Trump, 74 anos, enquanto seu lado conservador denunciava a violência do movimento histórico contra o racismo e a brutalidade policial.

O presidente prometeu “defender o estilo de vida americano”, que, segundo ele, acabaria em uma eventual gestão do candidato democrata de 77 anos. Trump, que repete continuamente que as pesquisas atuais estão erradas, também parece apostar em outro trunfo: o possível anúncio de uma vacina contra covid-19 antes das eleições. “Vamos produzir uma vacina até o fim do ano, talvez até antes”, afirmou.

“Vamos derrotar o vírus, acabar com a pandemia e sair mais fortes do que nunca”, disse o 45º presidente dos Estados Unidos, cuja gestão da crise de saúde aliada a uma crise econômica histórica foi fortemente criticada, mesmo entre suas fileiras. Nos jardins da Casa Branca, diante de apoiadores sem muito distanciamento físico e com poucas máscaras, Trump mostrou impaciência em virar a página do coronavírus, que atingiu a economia americana, afetando seu principal argumento eleitoral.

Por sua vez, Biden surpreendeu ao anunciar que retomaria a campanha pessoalmente em estados-chave. “Vou viajar pelo país. Irei sempre que possível, respeitando as regras estaduais” sobre as reuniões para limitar a disseminação do coronavírus, disse. “Uma das coisas em que pensamos é ir para Wisconsin e Minnesota, passar um tempo na Pensilvânia, no Arizona”, acrescentou. “Mas iremos (para esses estados) de uma maneira totalmente responsável, ao contrário do que aquele cara faz”, garantiu Biden, referindo-se a Trump. “Sou um político tátil, sinto muita falta de apertar as mãos!”, comentou. O primeiro debate presidencial está marcado para exatamente daqui a um mês. Biden pretende retomar as viagens em 7 de setembro.

 

 

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