Para grande parte das pessoas, a infecção pelo zika vírus não causa danos severos, mas, em mulheres grávidas, o risco de os bebês nascerem com malformação cerebral é alto. Por isso, especialistas buscam entender melhor os efeitos desse patógeno no organismo das gestantes. Ao analisar mulheres infectadas, pesquisadores brasileiros observaram que o agente infeccioso se mantém na placenta após o início da infecção aguda e provoca uma reação imune exagerada no local. Os dados, divulgados na revista Frontiers in Immunology, podem contribuir para o desenvolvimento de terapias que impeçam os efeitos do vírus na formação dos fetos.
Os cientistas deram início à pesquisa durante o pico dos casos de zika no Brasil, entre 2015 e 2016. “Esse trabalho faz parte da minha tese de doutorado e começou quando estávamos vivendo aquele surto. Foi quando colhemos as amostras das pacientes, todas do interior do Rio de Janeiro, uma das regiões endêmicas”, conta ao Correio Kissila Rabelo, pesquisadora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e uma das autoras.
Na pesquisa, Rabelo e cientistas de diferentes instituições nacionais coletaram amostras de cinco mulheres que não haviam sido infectadas pelo zika e de 10 mulheres atingidas, sendo que cinco deram à luz bebês com microcefalia. Nas análises, os pesquisadores observaram que, na placenta das infectadas, o patógeno conseguiu se replicar com força suficiente para se manter meses após o início da infecção, provocando também uma inflamação no órgão.
O ambiente inflamatório da placenta foi resultado de uma resposta exacerbada de várias células do sistema imunológico, como macrófagos e linfócitos. “Conseguimos observar que a placenta tinha muitas alterações e notamos que o vírus estava replicando meses depois da infecção, o que pode levar a danos no bebê”, frisa a cientista.
Kissila Rabelo conta que outro ponto importante visto no trabalho foi a presença reduzida do marcador BDNF — que está relacionado ao desenvolvimento do cérebro e do sistema nervoso do bebê — apenas na placenta de mulheres que tiveram bebês com microcefalia. “Ao avaliar esse marcador, vimos um número reduzido dele nesse grupo de placentas, algo que possivelmente pode levar a danos cerebrais”, diz.
Novos cuidados
Pesquisas anteriores relacionaram os efeitos do zika e as condições da placenta, mas a atual destaca-se pelo número de mulheres analisadas. “Temos alguns estudos na mesma linha, alguns até do Brasil, mas ainda não tínhamos um estudo com um corte robusto, envolvendo 10 pacientes”, afirma Marciano Paes, pesquisador do Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz) que também assina o artigo.
Kissila Rabelo adianta que o tema segue sendo estudado. “Continuamos estudando as placentas e queremos observar outros possíveis danos a elas, fazer experimentos in vitro com as células e também analisar a parte bioenergética, relacionada ao metabolismo”, detalha. “Essas descobertas serão muito úteis para os cientistas estabelecerem um perfil de infecção e entenderem melhor a resposta imunológica causada pelo zika. Acreditamos que vamos poder minimizar essa inflamação na placenta desenvolvendo, quem sabe, uma vacina e medicamentos.”
Werciley Júnior, infectologista e chefe da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, também avalia que o estudo pode ajudar no desenvolvimento de abordagens mais estratégicas, além de mostrar o poder de resistência do zika. “O interessante é que a placenta é um fator protetor ao bebê, mas, ainda assim, ela não consegue proteger o feto dos efeitos desso patógeno. Conseguimos ver como ele tem uma grande força”, enfatiza. “Sabemos que a lesão provocada pela microcefalia não ocorre de imediato, é algo tardio, que acontece lá pela 12ª semana. Então, se tivermos um medicamento que consiga impedir isso, ele pode ser administrado cedo e evitar esse efeito do vírus.” (VS)
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