AMÉRICA DO SUL

Congresso julgará presidente do Peru

Legisladores aprovam moção para destituir Martín Vizcarra por "incapacidade moral", em meio a escândalo envolvendo cantor. Chefe de Estado teria pedido a assessores que mentissem em investigação. Votação sobre afastamento será no dia 18

Rodrigo Craveiro
postado em 11/09/2020 23:09 / atualizado em 11/09/2020 23:28
 (crédito: Carla Patino/AFP)
(crédito: Carla Patino/AFP)

Mais um capítulo de duas décadas de instabilidade política no Peru foi protagonizado, ontem, pelo Congresso do Peru. Por 65 votos a favor, 36 contra e 24 abstenções, os legisladores aprovaram uma moção para destituir o presidente Martín Vizcarra por “incapacidade moral”. O chefe de Estado peruano é acusado de pedir a assessores que mentissem em investigação parlamentar sobre um contrato polêmico com o cantor Richard Cisneros, que se identificava na mídia como conselheiro do governo. “Foi aprovada a moção de destituição do senhor presidente da República”, anunciou o chefe do Congresso, Manuel Merino, após a votação. Vizcarra terá de apresentar sua defesa, na tribuna do Congresso, na próxima sexta-feira, às 9h (11h em Brasília). No mesmo dia, os legisladores vão se submeter a uma nova votação para decidir sobre a destituição ou não do mandatário.

São necessários 87 votos para o afastamento definitivo de Vizcarra, que seria substituído por Merino, como determina a Constituição. Isso porque Vizcarra era vice de Pedro Pablo Kuczynski, que salvou-se de uma moção de confiança e foi forçado a abandonar o poder, em março de 2018. “Não vou renunciar, não vou correr”, disse Vizcarra, durante pronunciamento em rede nacional de televisão, na noite de quinta-feira. Ele denunciou “golpe de Estado” e “conspiração contra a democracia”. Também pediu ao Congresso que “analise a situação com cautela, com responsabilidade e tome a decisão que julgar apropriada”.

O ex-presidente Ollanta Humala (2011-2016) demonstrou solidariedade a Vizcarra e pediu que o chefe de Estado permaneça no cargo até 28 de julho de 2021, quando encerra o seu mandato. “Esta é uma crise institucionalizada provocada por círculos próximos ao presidente e perigosamente utilizada pelo Congresso. Não cabe vacância. Vizcarra deve continuar, cuidar da saúde, reativar a economia e garantir eleições limpas”, tuitou Humala.

“É uma crise generalizada. Precisamos revisar os áudios apresentados e interrogar Vizcarra. O presidente é suspeito de incapacidade moral por ter buscado informações no Congresso, a fim de beneficiar um grupo próximo a ele”, afirmou ao Correio, por telefone, Ricardo Burga, deputado pelo partido Acción Popular. “Vizcarra teria atuado para beneficiar-lhes. Cisneros, por exemplo, assinou uma ordem de serviço equivalente a R$ 10 mil e ganhou redes de contatos dentro da Casa de Pizarro, o palácio do governo. Os áudios, inclusive, sugerem uma influência de Cisneros sobre o presidente. Isso precisa ser investigado”, defendeu.

Em maio passado, a imprensa perunana divulgou que, em plena pandemia, o Ministério da Cultura teria contratado Cisneros para as funções de palestrante e apresentador, em contratos marcados por irregularidades.

Isolamento

Milagros Campos Ramos — professora de direito constitucional e de política da Pontificia Universidad Católica del Peru — afirmou ao Correio que as denúncias contra Vizcarra são “relevantes”. “No fim das contas, estamos diante de um presidente muito solitário, pelo fato de não ter partido, nem bancada. Por isso, caso se arme uma coalizão contrária a ele no Congresso, é muito possível que seja afastado”, explicou. Ela lembra que o parlamento foi eleito em janeiro e começou suas funções, de forma efetiva, em março. “Trata-se de um Legislativo bastante fragmentado; não existe nenhum congressista próximo ao governo”, comentou. “O Peru conta com um sistema presidencialista bastante ‘parlamentarizado’, com interpelações pelo Congresso, censuras e moções de confiança obrigatórias.”

Nos áudios mencionados, Vizcarra supostamente pede aos assessores para mentirem sobre o número de ocasiões em que o cantor Richard Cisneros esteve no palácio. “Primeiro, é preciso ver o que é; depois, o que vai ser dito”, afirma o presidente em uma das gravações. No áudio, as assessoras Miriam Morales e Karem Roca mencionam cinco visitas do artista à Casa de Pizarro. “É preciso dizer que ele entrou duas vezes”, em vez de cinco, pede Vizcarra. “O que fica claro é que nessa investigação todos estamos envolvidos”, acrescenta o presidente, na gravação.

O escândalo envolvendo Vizcarra tem elementos similares aos que marcaram a queda de líderes peruanos nas últimas duas décadas. Alberto Fujimori (1990-2000) e Pedro Pablo Kuczynski (2016-2018) caíram depois que vídeos mostraram como aliados subornavam e faziam compromissos para permanecer no poder. Depois da renúncia de Fujimori, o Peru enfrentou uma série de crises durante o governo de Alejandro Toledo (2001-2006), que foi preso em julho de 2019 por corrupção. Em 2018, Kuczynski também entregou o cargo, em meio ao pagamento de milhões de dólares em propina, por parte da construtora brasileira Odebrecht, a funcionários e políticos peruanos entre 2005 e 2014. Em abril de 2019, o ex-presidente Alan García matou-se quando a polícia tentou prendê-lo, também no caso Odebrecht.

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Eu acho...

 (crédito: Arquivo Pessoal)
crédito: Arquivo Pessoal

“É difícil prever o que ocorrerá em meu país. O cenário atual é bem parecido ao que ocorreu em 2000, quando o então presidente Alberto Fujimori renunciou, desde o Japão, por meio de um fax, e foi substituído pelo líder do Congresso. Os áudios apresentados à investigação referem-se a um possível delito de obstrução da Justiça. A fundamentação da moção está na permanente incapacidade moral motivada pela conduta do presidente Martín Vizcarra, ao aceitar as visitas do cantor Richard Cisneros ao palácio.”
Milagros Campos Ramos, professora de direito constitucional e de política da Pontificia Universidad Católica del Peru

Polícia pede perdão à Colômbia

 (crédito: Schneyder Mendoza/AFP)
crédito: Schneyder Mendoza/AFP

Depois da brutalidade policial que custou a vida do advogado Javier Ordóñez, 43 anos, na quarta-feira, e de violentos protestos que deixaram 13 mortos, o governo da Colômbia pediu perdão público, em nome da polícia. “A Polícia Nacional pede perdão por qualquer violação da lei, ou desconhecimento das normas, em que tenha incorrido qualquer um dos membros da instituição”, declarou o ministro da Defesa, Carlos Holmes Trujillo, acompanhado de comandantes da organização. Trujillo externou “dor e indignação” pelo assassinato de Ordóñez, em um bairro da região oeste de Bagdá.

O major-general Gustavo Alberto Moreno Maldonado, diretor da Polícia Nacional da Colômbia, também falou à imprensa e fez uma declaração em nome dos 161 mil policiais do país. “A Polícia Nacional lamenta infinitamente a morte do senhor Javier Humbero Ordóñez Bermúdez. (…) Quero pedir à família dele perdão por essas ações, que, no momento, são alvos de investigação. A polícia existe para proteger a vida, a honra e os bens de todos os cidadãos. Como diretor encarregado da Polícia Nacional, peço perdão a sua família, perdão aos seus amigos e perdão a todos os colombianos”, disse. Ele sublinhou que a atuação dos agentes envolvidos na abordagem a Ordóñez não faz parte da política da Polícia Nacional.

Os advogados da família da vítima afirmam que os policiais “massacraram” Ordóñez a golpes, no posto policial para onde ele foi levado, depois de receber choques elétricos. Ali, tornou a ser submetido a repetidos choques com uma Taser, pistola elétrica. “Tenho as fotos de como a vítima ficou (…) Javier foi massacrado. Cometeu-se um crime de homicídio agravado e um delito de tortura, pelo menos, um abuso de autoridade”, declarou o advogado Vadith Gómez à Blu Rádio.

O certificado de óbito não foi revelado. Enquanto avança a investigação penal na Procuradoria, a polícia abriu um processo interno contra dois agentes “pelo suposto delito de abuso de autoridade e de homicídio”, acrescentou Holmes Trujillo, segundo o qual outros cinco policiais foram suspensos.

A morte de Ordóñez, um engenheiro que estava perto de concluir seus estudos de direito, deflagrou violentos protestos contra a violência policial que deixaram 13 mortos, além de desencadear uma onda de ataques contra postos de polícia em Bogotá. Os protestos começaram na quarta-feira e, no dia seguinte, espalharam-se para outras cidades, como Cáli e Medellín. Também houve fortes confrontos entre manifestantes e policiais. Entre a noite de quinta-feira e a madrugada de ontem, três pessoas morreram.

O jornal colombiano El Tiempo tentou conversar com Juan Camilo Lloreda Cubillos, um dos policiais envolvidos na morte de Ordóñez. “Estou tranquilo e, até que eu não converse com minha advogada, não tenho autorização para falar”, respondeu. Em um documento entregue ao Ministério Público, ele contou que recebeu um murro no lado esquerdo do rosto, supostamente desferido por Ordóñez, e um soco nas costas, fazendo com que a pistola Taser caísse no chão. O agente acrescentou que atendia a uma denúncia sobre uma briga e que Ordóñez teria agredido uma mulher.

 

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