Venezuela, de novo, é a bola da vez
No roteiro da visita do secretário de Estado Mike Pompeo a vizinhos do sul, com escala inicial em Roraima, está traçada uma linha fundamental para o desdobramento da política externa brasileira no governo de Jair Bolsonaro. A opção pelo realinhamento prioritário com Washington, anunciada ainda em campanha, entrou em campo desde os primeiros dias de mandato. A programação do chefe da diplomacia norte-americana, que seguirá de Boa Vista para Bogotá, tem um item no centro da agenda dos encontros com o chanceler Ernesto Araújo, por aqui, e com o presidente Iván Duque, na Colômbia.
A pauta oficial menciona a imigração venezuelana, presente em grande número nos dois países. Mas é o regime chavista, hoje sob o comando de Nicolás Maduro, que está no centro da mira dos três governos aliados. Coincidência ou não, a passagem do emissário de Donald Trump pelos dois vértices da política dos EUA para a América do Sul foi precedida pela divulgação de relatório em que a ONU aponta violações sistemáticas dos direitos humanos na Venezuela. Frustrada a iniciativa para substituir Maduro pelo líder oposicionista Juan Guaidó, as forças antichavistas chegam divididas à reta de chegada para as eleições municipais: o presidente interino autoproclamado defende o boicote às urnas; os partidários de Henrique Capriles, derrotado por margem ínfima na última disputa presidencial, contemplam a opção de retomar o enfrentamento com o chavismo por baixo, conquistando o poder local.
Bolsonaro e Duque formaram com o chileno Sebastián Piñera a troica que buscou impulsionar, no ano passado, o reconhecimento internacional para Guaidó. Com o ímpeto arrefecido, e após seis meses em que a pandemia dominou o noticiário internacional, a turnê do secretário sugere que o Departamento de Estado busque uma nova abordagem para um problema que desafia a sua estratégia regional há duas décadas — desde que outra trinca, composta por Hugo Chávez, Lula e Néstor Kirchner, enterrou o projeto da Alca diante dos olhos de George W. Bush.
Miami no horizonte
A dúvida que permeia as análises e observações em torno da nova tacada de Washington na geopolítica regional é quanto à direção exata para a qual a Casa Branca assesta os seus binóculos. Caracas parece o destino, à primeira vista. Mas o horizonte de Trump tem uma distância política clara e determinada: dentro de menos de dois meses, o presidente enfrenta as urnas na tentativa de emplacar o segundo mandato. Como há quatro anos, as pesquisas nacionais de intenções de voto dão vantagem nítida — embora não segura — para o desafiante da oposição democrata. Mas o que preocupa realmente os estrategistas republicanos é o fator que decide as eleições presidenciais (indiretas) nos EUA: o mapa eleitoral estado a estado.
Se as baixas militares na Guerra do Vietnã mudaram os ventos a favor de Richard Nixon, em 1968, as mortes da covid pesam como uma sombra no caminho de Trump, que, desde o início, menosprezou a pandemia. Pior, o impacto econômico da crise sanitária também cai no colo do presidente. Uma sondagem mais detalhada do cenário eleitoral, publicada ontem pelo jornal The New York Times, mostra vantagem para Biden em três dos estados que oscilam entre os dois partidos, historicamente: Arizona, Maine e Carolina do Norte. Outro desses focos de disputa é a Flórida, onde é determinante o peso do eleitorado latino. Lá, venezuelanos e cubanos anticomunistas são parte indispensável do voto republicano. Uma iniciativa contra Maduro pode ter o impacto desejado para repetir a fórmula que, em 2016, foi capaz de subverter as pesquisas e o voto popular — que, na soma nacional, deu vantagem superior a 1 milhão de votos para a democrata Hillary Clinton, derrotada por Trump no Colégio Eleitoral.
Queimou o filme?
Horas antes da chegada do secretário de Estado ao extremo norte, nas bordas da Amazônia, foi a vez de Bolsonaro desembarcar em outra área limítrofe da floresta — o Mato Grosso, onde o Pantanal queima há semanas em escala que causa alarme mundo afora. O presidente, que recebeu homenagens do agronegócio, não fez comentários sobre os incêndios florestais e o desmatamento, embora o tema tenha invadido o noticiário por outra frente. O governo da França formalizou a posição de condicionar o acordo comercial entre União Europeia e Mercosul à adoção de medidas comprovadas de preservação da mata por parte dos governos sul-americanos.
A manifestação do Quai D’Orsay, a sede da diplomacia francesa, soma-se à dos parlamentos nacionais da Holanda e da Áustria, assim como o da região belga da Valônia — todos opostos à ratificação do tratado, que não prevê sanções aos países sul-americanos pela ausência de políticas e medidas consistentes de preservação.
A hipótese de examinar o documento por partes, de maneira a ganhar tempo para que o lado de cá consolide políticas ambientais aceitáveis, foi contemplada pela chanceler da Alemanha, Angela Merkel, a dirigente política de maior peso no bloco europeu, e pela presidente da Comissão Europeia (braço executivo da UE), Ursula von der Leyen, que, por sinal, foi ministra de Merkel.
Notícias pelo celular
Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.
Dê a sua opinião
O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.