Mulher em todos os sentidos

Estados Unidos / Grupos feministas lamentam a morte da magistrada Ruth Bader Ginsburg e temem pela sucessão na Suprema Corte. Presidente Donald Trump promete decisão sem demora, que pode alterar entendimento sobre direito ao aborto

Correio Braziliense
postado em 19/09/2020 23:19 / atualizado em 19/09/2020 23:20
 (crédito: José Luis Magana/AFP)
(crédito: José Luis Magana/AFP)

Mesmo antes de ingressar na Suprema Corte dos Estados Unidos, Ruth Bader Ginsburg defendia a causa das mulheres, mas a morte dela ameaça uma das principais conquistas feministas: o direito ao aborto. Assim que a notícia do falecimento aos 87 anos foi anunciada, na sexta-feira, grupos de direitos das mulheres lamentaram a perda de “uma gigante da lei” e “fonte de inspiração para milhões de mulheres”, enquanto alarmes soaram.


“Esta noite, honramos o legado, mas, amanhã, teremos de lutar para preservar os ideais que ela defendeu ao longo da vida”, advertiu Alexis McGill Johnson, que preside a poderosa organização Planned Parenthood.
“Ruth Bader Ginsburg foi um ícone, uma pioneira, uma heroína, uma lenda. O exemplo dela deve nos inspirar nos dias difíceis que virão”, disse Shaunna Thomas, diretora do grupo feminista UltraViolet.


Os motivos de tanta preocupação? O perfil de quem a sucederá. O presidente republicano Donald Trump, que tem autoridade constitucional para nomear juízes do Supremo Tribunal, e que nomeou dois magistrados, disse ontem que recorrerá a esse poder “sem demora”, certamente antes das eleições de 3 de novembro.


Muitos legisladores republicanos pedem que Trump aja e, para atender os eleitores da direita religiosa, ele publicou uma lista de candidatos em potencial altamente conservadores, muitos deles abertamente hostis à interrupção voluntária da gravidez.


O senador Tom Cotton, que figura na lista, não esconde as intenções: “É hora de acabar com Roe v. Wade”, tuitou em referência à decisão do tribunal que, em 1973, legalizou o aborto nos Estados Unidos.
Se um deles substituir Ginsburg, o tribunal superior poderia validar as inúmeras restrições ao aborto adotadas pelos estados republicanos, que ela, uma defensora ferrenha do direito de escolha da mulher, conseguiu evitar com o voto que tinha.


Ginsburg foi a segunda mulher a entrar na Suprema Corte, quando o presidente Bill Clinton a nomeou em 1993. A advogada passou a lutar pela causa das mulheres depois que a mãe foi impedida de estudar e ela mesma ter sido rejeitada por escritórios de Nova York, quando se formou na prestigiosa Universidade de Columbia, em 1959.


“Eu tinha três fatos contra mim. Um, eu era judia. Dois, eu era uma mulher. Mas, o mais grave, eu era mãe de uma menina de quatro anos”, afirmou.


Em seguida, lutou contra as leis que, na época, autorizavam a discriminação “em razão do sexo” em termos de salário, benefícios sociais e contratação.

Lutadora

Entre 1972 e 1978, foi advogada da poderosa associação de direitos civis ACLU. Em 1975, chegou a defender um viúvo contra uma lei que reservava assistência à creche para mulheres, episódio que inspirou o filme Uma Mulher Excepcional.


No Supremo Tribunal Federal, lutou pela igualdade das minorias sexuais e outras causas progressistas, como a defesa dos migrantes e do meio ambiente e foi comparada ao primeiro juiz negro da Corte, Thurgood Marshall, figura da luta contra a segregação racial.


A notícia da morte levou muitas jovens às escadas do tribunal. A senadora democrata Kamala Harris, a primeira mulher negra a concorrer à vice-presidência dos Estados Unidos, também falou, ontem, diante da construção neoclássica em Washington. Ginsburg “foi um dos meus ícones, uma pioneira, uma lutadora”, disse. “Ela foi mulher em todos os sentidos da palavra.”

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