Pela primeira vez desde o início da pandemia de coronavírus, o papa Francisco deixou o confinamento na Cidade do Vaticano e protagonizou, ontem, uma imagem simbólica. Na cripta de São Francisco de Assis, na cidade italiana de Assis, o pontífice argentino realizou uma missa e assinou três exemplares de sua terceira encíclica — iluminado por uma lamparina a óleo, sob os olhares de um grupo de religiosos, todos usando máscaras cirúrgicas. A nova encíclica, voltada à fraternidade, será lançada oficialmente hoje.
No fim da discreta cerimônia, o papa agradeceu aos tradutores do texto, escrito em espanhol com o título Fratelli tutti (“Todos irmãos”) — o qual será mantido em italiando em todas as línguas, sem tradução. Direcionado a todos os católicos, o novo documento do papa gerou polêmica justamente por seu título, uma citação de São Francisco, que foi rotulado de “machista”, ao se dirigir apenas aos “irmãos” e supostamente discriminar as mulheres.
A resposta à polêmica veio na forma de uma atitude simbólica de Francisco. Antes de chegar à cidade de Assis, fora da programação oficial, o líder católico visitou o mosteiro das freiras clarissas, em Spello. Depois, esteve na Basílica de Santa Clara, onde rezou junto ao túmulo da primeira discípula de São Francisco, fundadora da ordem e a primeira e única mulher a escrever uma regra de vida religiosa.
Há duas semanas, o diretor editorial do Vaticano, Andrea Tornielli, afirmou em nota que era “absurdo” criticar o documento por machismo ou dizer que ele pretende excluir as mulheres, pois se trata de uma encíclica com mensagem universal, “que conversa realmente com o coração de todas as pessoas”, escreveu ele. Tornielli explicou que a frase do título é encontrada nas Admoestações de São Francisco e que, portanto, “o papa obviamente não a mudou”.
Reflexão
A terceira encíclica do papa argentino é fruto de uma profunda reflexão após a grave emergência de saúde que assola o planeta devido ao novo coronavírus. “Desta crise não poderemos sair iguais a antes. Está em nossas mãos sair melhor ou pior”, declarou o papa, que aparentemente escreveu grande parte da encíclica, a terceira do seu pontificado, durante o longo confinamento. O novo documento papal, que pela primeira vez é assinado fora dos muros do Vaticano, deve servir como um guia espiritual para os católicos em face dos momentos inéditos enfrentados pela humanidade.
A pandemia nos mostrou “a grande desigualdade que reina no mundo: a desigualdade de oportunidades, de bens, de acesso à saúde e à tecnologia”, lamentou ele, na semana passada, em discurso enviado às Nações Unidas. Francisco, cuja última viagem tinha ocorrido em 23 de fevereiro para visitar Bari — uma cidade portuária no sul da Itália —, onde participou de um encontro internacional de bispos do Mar Mediterrâneo, foi obrigado a abandonar o contato com as multidões, que tanto preza.
A dramática imagem da última Sexta-Feira Santa entrará para a história: o chefe da Igreja Católica rezou sozinho diante da imensa esplanada da Praça de São Pedro pelo fim da guerra contra um inimigo invisível. Durante o rito sem precedentes, no qual concedeu indulgência plenária ao mundo inteiro, o papa fez um apelo pela união das pessoas. “Estamos todos no mesmo barco e somos chamados a remar juntos”, disse, convidando “a ativar a solidariedade, capaz de dar sentido nestas horas em que tudo parece naufragar”, ressaltou.
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