Justiça

Entenda quem são os "Beatles" do Estado Islâmico, ícones sádicos do jihadismo

Os Beatles, ícones sádicos do Estado Islâmico, cometeram vários crimes de guerra e dois de seus membros serão julgados nos Estados Unidos

Agência France-Presse
postado em 08/10/2020 13:19 / atualizado em 08/10/2020 13:25
Nicolas Henin, jornalista francês e ex-refém do grupo Estado Islâmico (EI) Beatles na Síria. -  (crédito: AFP/ ALAIN JOCARD)
Nicolas Henin, jornalista francês e ex-refém do grupo Estado Islâmico (EI) Beatles na Síria. - (crédito: AFP/ ALAIN JOCARD)

Seus reféns lhe deram o apelido de "Beatles" por causa de seu sotaque inglês. Conhecidos por sua crueldade, esses quatro homens, dois dos quais serão julgados nos Estados Unidos, tornaram-se um símbolo do jihadismo globalizado.

Pouco se sabe sobre eles, mas devem sua notoriedade aos crimes que cometeram em nome do grupo Estado Islâmico (EI).

Como é possível que esses soldados do terror tenham um apelido tão simpático? Reflexo dos reféns, explica à AFP Nicolas Hénin, que foi durante dez meses prisioneiro do EI e esteve sob vigilância dos "Beatles".

"Desde o primeiro dia, sozinho na minha cela, dei apelidos aos meus carcereiros. Era uma forma de quebrar o anonimato e ridicularizá-los. Faz parte dos reflexos de sobrevivência do refém", acrescenta.

O sotaque britânico fez o resto. Segundo o ex-jornalista francês, que se tornou consultor de contraterrorismo, o crédito vai para John Cantlie, correspondente de guerra e "grande fã de Rock'n Roll".

O mais conhecido foi Mohamed Emwazi, vulgo "Jihadi John", morto por um "drone" americano em novembro de 2015 e que aparece em vários vídeos cruéis.

Aine Lesley Davis ("Paul") foi preso na Turquia em 13 de novembro de 2015. Ele foi condenado a sete anos e meio de prisão por crimes de terrorismo por um tribunal turco.

Detidos no Iraque, Alexanda Amon Kotey ("Ringo") e El Shafee el-Sheikh ("George") acabam de ser transferidos para os Estados Unidos. Eles são acusados de serem responsáveis pela prisão e decapitação de mais de 27 reféns, de acordo com "think tanks" americanos.

Alguns dos atos "cometidos pelos 'Beatles' são crimes de guerra, como tomada de reféns, tortura, estupro e decapitações transmitidas em vídeos", disse Tanya Mehra, pesquisadora do Centro Internacional de Combate ao Terrorismo (ICCT) de Haia.

Prestígio mórbido

No auge, os "Beatles" construíram uma sólida reputação no califado do EI.

"Seus métodos sádicos não conheciam limites, incluindo a crucificação e o afogamento", observam Anne Speckhard e Ardian Shajkovci, que conheceram Kotey em sua cela na prisão na Síria.

Os sobreviventes relataram ameaças com "armas na cabeça, espadas na garganta, espancamentos, tortura elétrica" e execuções filmadas, acrescentaram os pesquisadores em um artigo para o Centro Internacional para o Estudo do Extremismo Violento (ICSVE).

Essa crueldade gera prestígio nas fileiras do EI.

"Eles se consideravam as forças especiais do Califado", diz Nicolás Hénin, descrevendo "uma arrogância muito grande, um nível de convicção e de desprezo pelos fatos e uma indiferença à violência que eram surpreendentes".

Isso lhes garantiu uma ligação direta com o porta-voz do EI, Abu Mohamad al-Adnani, e com o "califa", o iraquiano Abu Bakr al-Baghdadi.

"Eles se beneficiaram de seu 'status' de celebridade", disse à AFP Dan Byman, professor e especialista em jihadismo na Universidade Georgetown em Washington.

"Eram portadores de uma mística de 'bad boys' que motivou alguns indivíduos a ingressarem no grupo", acrescentou.

A estratégia do EI se baseava na comunicação multilíngue, por meio de vídeos no estilo hollywoodiano, cujos códigos eram compreendidos pela geração mais jovem, lembra Pierre Conesa, ex-funcionário do Ministério francês da Defesa e autor de livros sobre o assunto.

Agora, seu destino está nas mãos da Justiça americana. Mike Haines, irmão de David Haines, assassinado pelos "Beatles" em 2014 e fundador da associação Global Acts of Unity, saúda o fim de uma batalha legal infernal para tirá-los do Iraque.

"Nosso sofrimento tem sido excruciante, e os últimos três anos foram uma espera sem fim", desabafou, na conversa com a AFP.

"Mas confio na Justiça e só posso continuar a desafiá-los (...) promovendo a tolerância e apontando os perigos e as consequências dos seus atos bárbaros", completou.

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