Conexão diplomática

por Silvio Queiroz silvioqueiroz.df@gmail.com

Correio Braziliense
postado em 09/10/2020 22:00
 (crédito: Tia Dufour/AFP)
(crédito: Tia Dufour/AFP)

Desta vez, não é só a economia

As últimas quatro semanas até o fechamento da eleição presidencial nos Estados Unidos prometem emoções fortes. Sobe e desce nas pesquisas, sobressaltos, declarações públicas, cobertura de mídia — cada um desses ingredientes clássicos entra em cena disfarçado pelo manto do impacto um tanto fugidio de dois fatores que se combinam neste ano.

Até a chegada do coronavírus, Donald Trump parecia um adversário imbatível para a oposição democrata. À parte a falta de um candidato capaz de motivar o eleitorado — em um país onde o voto é facultativo —, como foi Barack Obama em 2008, pesava a favor da reeleição um cenário substancialmente favorável na economia, em particular no ponto crítico do desemprego.

A pandemia encarregou-se de subverter os cálculos e projeções. Substituiu certezas por incógnitas, com a paralisação da atividade em praticamente todos os setores e a perda em massa de postos de trabalho. Introduziu na equação clássica das possibilidades eleitorais o fator novo de mais de 200 mil mortes causadas por uma doença que o presidente foi um dos primeiros a desprezar — para se somar à estatística das vítimas a cerca de um mês da votação.

Em 1980, o democrata Jimmy Carter foi apeado da Casa Branca pelo desafiante republicano Ronald Reagan, em boa parte, porque os americanos sentiam no bolso a mordida da inflação. Doze anos mais tarde, Bill Clinton destronou George Bush pai, herdeiro político de Reagan, em uma campanha na qual zombou da insistência do presidente republicano em comparar conhecimentos de política internacional.

“É a economia, estúpido”, diz o lema consagrado na época pelos marqueteiros democratas. Na eleição de novembro próximo, os estrategistas do desafiante Joe Biden fustigam Trump com um complemento: “É a pandemia também”.

Mapa da mina

No painel de controle do quartel-general da campanha republicana, o sinal amarelo começa a piscar em alguns dos estados que serão decisivos para o resultado que conta em 3 de novembro. Trata-se de quem ganha estado a estado, já que a disputa pela Casa Branca se decide no Colégio Eleitoral, segundo um sistema eleitoral que desconsidera a proporcionalidade: em cada uma das 50 unidades federais, sem exceções de peso, quem ganha nas urnas conquista todos os delegados locais à eleição indireta, não importando a diferença de votos.

Foi assim que, há quatro anos, Trump se elegeu presidente com menos votos populares na soma nacional que os dados à candidata democrata, Hillary Clinton. Em 2000, o mesmo tinha acontecido com George Bush filho, batido na contagem geral por Al Gore, mas eleito pela vitória ínfima — e contestada — na Flórida.

A pouco mais de quatro semanas do dia final de votação, as pesquisas estaduais apontam problemas para o presidente-candidato em alguns dos estados que foram cruciais em 2016, como a Pensilvânia. Na prancheta dos estrategistas, porém, pesa, também, a vantagem de mais de 15 pontos cravada por Biden nas intenções de voto nacionais. Uma diferença dessa escala, se as pesquisas honram a tradicional precisão, dificilmente pode ser compensada pela distribuição regional dos votos.

Nos olhos do outro

O fator covid se insinua pela campanha pela Casa Branca, na fase decisiva, inclusive com sua ação mais imediata — o contágio propriamente dito. Coronacético de primeira hora, Donald Trump acabou ele próprio contaminado — e hospitalizado. Não bastasse, testes com resultado positivo se multiplicaram no entorno próximo do presidente, desde assessores imediatos até a primeira-dama Melania.

Decidido a lutar voto a voto, o candidato à reeleição anunciou prontamente o retorno aos comícios, para não dar alento à iniciativa da oposição de submetê-lo a exame de capacidade física para o cargo. Mas, desde logo, rejeitou a ideia de que o segundo debate com Biden seja conduzido a distância. No primeiro confronto, sua tática consistiu em interromper repetidamente o adversário e zombar de cuidados como distanciamento e uso da máscara.

Ambos septuagenários, Trump e Biden estão muitos passos além da linha de entrada no grupo de risco para a covid.

Corações, mentes e anticorpos

A reta de chegada para a decisão de 3 de novembro coincide com a expectativa pelos primeiros lotes de vacinas contra a doença, ingrediente visto, hoje, como vital para a retomada plena da vida econômica em escala mundial. Com o horizonte em novembro, o presidente americano lançou mão das armas de sempre: no caso, os dólares. Na contramão dos esforços para assegurar a imunização segundo uma escala de prioridades global, Washington abriu o cofre e empenhou bilhões de dólares para garantir suprimento próprio.

A China, principal rival geopolítica, em aliança com a Rússia, aposta suas fichas na cooperação multilateral. De braços com a liderança da União Europeia, o regime comunista de Pequim se associa ao consórcio internacional em formação para administrar a distribuição global de um conjunto de vacinas.

Enquanto Trump se empenha em obter votos — em casa —, Xi Jinping está de olho em corações e mentes — mundo afora.

 

 

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